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Livro relata relação de povos indígenas com a fotografia

Em ‘Ta’angaba’, Aline Moschen dialoga com jovens Tupinikins e Guaranis do Estado sobre imagens e representações

Alex Sander Tupinikim, um dos entrevistados no livro. Foto: Talita Quiezza

O uso de novas tecnologias para fortalecer a identidade e também divulgar as questões políticas e culturais para o restante da sociedade tem sido um processo cada vez maior entre povo e comunidades indígenas no Brasil. No Espírito Santo, a situação não é diferente. O recém-lançado livro Ta’angaba, organizado por Aline Moschen, joga luz a essa questão, entrevistando alguns dos protagonistas desse processo nas aldeias Tupinikins e Guaranis em Aracruz, no norte do Estado, a maioria deles jovens.

A obra é fruto de um diálogo de anos, já que Aline, que é antropóloga e doutoranda pelo Museu Nacional/ UFRJ, pesquisa desde 2015 a questão dos registros fotográficos e audiovisuais que vêm sendo feitos nas aldeias, a partir da percepção desse fenômeno crescente. “Comecei a prestar atenção nesse movimento vindo dos mais jovens e entender as articulações políticas envolvidas e por quê isso era tão importante para eles. Minha pesquisa de doutorado acabou se voltando para isso”, relata.

No livro lançado pela editora Cousa, porém, o foco não é na análise da antropóloga, apresentada de forma breve e introdutória. A publicação preza especialmente por trazer diálogos da autora com sete agentes ativos nesse processo, jovens moradores da Terra Indígena Tupinikim-Guarani em Aracruz: Barbara Tupinikim, Lucas Rokadju, Alex Sander Tupinkim, Nhamãdu Silva, Dayanne Marinho Vaz, Beatriz Pêgo e Helen Cruz Benedito, todos envolvidos com a produção de fotografias e imagens em seus territórios.

Também figuram quatro conversas com pesquisadores convidados: Idjahure Kadiwel, antropólogo pertencente aos povos Terena e Kadiwéu, Valeria Vega, antropóloga visual e etnóloga e Apoena Medeiros, fotógrafo e administrador do acervo de fotografias dos povos indígenas do Espírito Santo de Rogério Medeiros, fundador do Século Diário.

Xondaro (guerreiro guarani). Foto: Lucas Rokadju

Além de relatos e fotografias, o livro ainda traz imagens de três mapas sobre os territórios Tupinikim e Guarani: um do século XVI, outro do século XIX, e um último atual, elaborado pela autora junto a Danilo Parra, com auxílio dos moradores locais que enviaram localizações por GPS.

“Foi uma tentativa de materializar visualmente essa narrativa. Os povos indígenas ocupavam a maior parte do Brasil e da América Latina, mas ao longo de 500 anos, houve uma redução muito grande da população e do território”, diz Aline. No novo mapa montado, já existem novas aldeias criadas que não aparecem no mapa de demarcação da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Esses mapas não são fixos no tempo. É necessário atualizá-los sempre”. 

Beatriz Pêgo, uma das fotógrafas Tupinikim, na construção de sua casa. Foto: Deivid Busato

Aline Moschen considera que a territorialidade é uma questão importante a ser pensada. “Esses povos estão muito ligados a uma circulação e mobilidade que são presentes no seio de suas cosmologias. Há séculos eram povos em constante fluxos territoriais, agora interrompidos por fatores econômicos e pela criação de fronteiras e limites geográficos a partir dos processos de colonização”. 

A antropóloga considera, entretanto, que esses princípios de circulação não se perdem, mas acabam se dando de outras formas. Diante de territórios limitados pela posse das terras e afetados pela expansão industrial, a criação de ciberespaços, territórios virtuais permitem também essa circulação, trocas e articulação entre os povos. Para elas, pensar que povos indígenas não têm nada a ver com as novas tecnologias é um equívoco.

“As produções de mídias indígenas são extremamente articuladas, há um entendimento de que as imagens que vêm sendo produzidas criam uma rede de forças, permite uma articulação política, na qual os jovens têm um papel fundamental”, analisa, considerando que essas tecnologias permitem certa autonomia e acabam potencializando práticas indígenas tradicionais.

No entanto, mesmo que sejam articuladas, não se tratam de narrativas uniformes, muito pelo contrário. Além da diversidade de povos e culturas, também se manifesta a subjetividade de cada indivíduo que realiza registros visuais ou retratos. “É muito importante observar a pessoa por trás das lentes. Isso transparece nos relatos do livro. Há formas diferentes de engajamento, olhares distintos”, relata a pesquisadora.

A expectativa de Aline Moschen é que em 2022 seja lançado outro livro, desta vez com foco nas produções cinematográficas e audiovisuais.

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