Desde os primórdios marcada pela briga por território, a vila de Itaúnas (“pedra preta” em tupi-guarani) tornou-se famosa nos anos 90 pela criação do parque estadual, mas principalmente pelo forró, que a cada ano atrai mais pessoas para um dos maiores festivais nacionais do gênero.

Tomando como eixo narrativo a festa folclórica do Ticumbi, Pedras Pretas – Itaúnas de São Benedito e São Sebastião, de Marcos Valério Guimarães, se debruça na construção histórica e política do bailado que articula as tradições escravagistas e indígenas em torno de um referente religioso que lhe tornou mais amplo e criou esse sincretismo entre os santos católicos São Sebastião e São Benedito.
A partir de depoimentos de figuras-chave da localidade, a trama se sedimenta e se refaz, como o próprio bailado, tão colorido e variado em seus mais diversos elementos, seja realizado em embarcações no rio Itaúnas, seja em terra firme com a cidade como pano de fundo.
A própria paisagem invade o filme e o reconstrói a partir de múltiplos pontos de vista. Detalhes de uma natureza frágil, atingida pela mão do homem, sempre presente, ali com a câmera na mão, sujeito participante da história.
O tempo que passa cortado nas vozes dos antigos habitantes, renasce em tradições e na preocupação de repassar à futuras gerações, assim como as imagens de arquivo, reflexo gerado e apropriado anos mais tarde, fundamental na reconstrução de uma cidade que se desmancha com o vento, o mesmo que percorre todos aspectos visuais, escreve com a câmera uma melodia do ausente, captada em algumas fotos amareladas ou em índices da antiga vila.
O rio negro reflete a vitalidade do lugar e o tempo que passa em margens decantadas, que muda a cada esquina até desembocar no mar. A fluidez das imagens se intercala ao som do Ticumbi, um transe lento, Naif, que vai incorporando cada vez mais pessoas.