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Alimentação precária em prisões capixabas volta a ser alvo de denúncias

Relatório da OAB-ES mostra que, em 2021, alimentação diária de detentos custava apenas R$ 18

CNJ

Denúncias expõem, mais uma vez, a precarização da alimentação servida nas unidades prisionais do Estado. Um ofício enviado pela Frente pelo Desencarceramento do Espírito Santo a entidades da sociedade civil aponta irregularidades das empresas contratadas pelo Governo do Estado, enquanto um relatório da seção capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) mostra que os problemas relatados por internos podem ser explicados pelo baixo custo das refeições: aproximadamente R$ 18 por dia para cada detento.

Uma das denúncias da Frente Desencarcera-ES se refere à empresa Alimentares Refeições, uma das terceirizadas contratadas pelo Governo do Estado para servir a alimentação aos internos. Em 2018, a empresa foi investigada pela Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), que identificou estoques de alimentos vencidos e prestes a vencer, além de carnes impróprias para consumo.

Mesmo com as denúncias, a empresa não só permaneceu oferecendo os serviços, como aumentou o número de contratos com o Estado. De acordo com o relatório, após o ocorrido, a quantidade de contratos com a fornecedora passou de dez para 14.

“Isso é inadmissível! Assim como o Estado processa criminalmente e pune as pessoas que cometem crimes (inclusive levando-as para as prisões), não pode este mesmo Estado fazer vistas grossas a diversas irregularidades contratuais, deixando de punir a empresa pela quebra do contrato, ao fornecer comida estragada para a população prisional capixaba”, informa o ofício.

O documento foi enviado em fevereiro a entidades como a Secretaria de Direitos Humanos, a Sejus e ao Conselho Estadual de Direitos Humanos, com o objetivo de sistematizar denúncias que já são recebidas há anos. Parte delas já tinha sido feita em 2021, em um ato realizado pela Frente Desencarcera-ES no Centro de Vitória.

“Consta no sítio eletrônico do Governo do Espírito Santo que a empresa Alimentares Refeições possui o contrato 3566/20212 com dispensa de licitação junto a Secretaria de Justiça do ES. Questiona-se: como uma empresa que foi flagrada em 2018, pela própria Sejus, com diversas irregularidades no fornecimento de alimentação e que no presente momento está sendo denunciada criminalmente pelo Ministério Público do Espírito Santo, consegue contratar com o poder público sem o devido processo licitatório?”, questiona o documento.

Problemas também foram identificados em relação à Serv-Food Alimentação, a segunda maior empresa de fornecimento de alimentação para o sistema penitenciário capixaba, após a Alimentares.

“Conforme consta no sítio eletrônico da Receita Federal, a empresa tem como sócios os irmãos Anderson Christian Alves de Oliveira e Ederson Christian Alves de Oliveira, além de Jair Feliciano de Oliveira. O principal sócio da empresa Ederson Christian Alves de Oliveira, conforme consta no processo criminal de número 00236617520208190204 em trâmite no estado do Rio de Janeiro, está sendo denunciado por ter mediante a empresa Serv-Food Alimentação e Serviços LTDA, participado de um suposto esquema de corrupção e associação criminosa dentro da Secretaria de Administração Penitenciária naquele estado, sendo que em tal processo fora decretada, inclusive, a prisão do ex-subsecretário de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, Rafael Rodrigues Andrade”, diz o documento.

O ofício mostra que o principal sócio da Alimentares também está sendo denunciado criminalmente pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), por irregularidades no fornecimento de alimentação no sistema penitenciário do Espírito Santo. “Narra a denúncia que Marcelo Rosa Ribeiro e sua empresa compraram de fornecedores carnes prestes a vencer, ganhando assim um grande desconto quando da compra dos alimentos, bem como estavam fornecendo aos detentos carne imprópria para consumo humano direto, pois deveriam ser utilizadas tão somente em processos industriais”, informa.

Alimentação diária por R$ 18

Os problemas com a alimentação oferecida nas unidades prisionais também chegaram à seção capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES). Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da entidade, assinado em abril de 2021, relata uma série de irregularidades apresentadas pelos presos à Comissão durante as inspeções prisionais. Uma das informações que chamam atenção é o valor diário pago para alimentar os detentos, de aproximadamente R$ 18 por dia.

A comissão se reuniu com representantes da Sejus, responsáveis pela gestão da alimentação servida nas unidades, para questionar as irregularidades denunciadas. Os problemas listados envolvem água em excesso no feijão, trigo em excesso na omelete, carne sem identificação de procedência, além do baixo valor nutricional dos sucos artificiais que são distribuídos nas unidades prisionais.

“Ainda pior, reconheceu-se que muitas são as denúncias recebidas sobre marmitas fornecidas abaixo do peso adequado, assim como alimentação estragada ou com alteração do cardápio, o que gera, segundo a Gefap [Gerência de Controle, Monitoramento e Avaliação da Gestão Penitenciária], preocupação”, diz o relatório.

A precariedade da alimentação servida é explicada quando se tem acesso aos valores cobrados pela alimentação diária dos detentos. Ao longo do dia, os presos têm direito a quatro refeições: desejum, almoço, lanche da tarde e jantar. Em 2021, o valor total das quatro refeições era de R$ 18,00 por detento, o que abre questionamentos sobre a qualidade dos produtos para que a empresa consiga cobrar esse preço.

“[Servidoras que participaram da reunião] afirmam que as empresas praticam esse valor tão baixo como forma de vencer o processo licitatório, que visam sempre o menor preço. Informaram ainda que, a partir de 1/5/2021, o preço fixado como ideal será o de R$: 25,00 para as quatro refeições”, informa o relatório da comissão da OAB-ES.

Segundo a entidade, as servidoras também reconheceram que nenhum nutricionista acompanha, diariamente, o recebimento e distribuição das refeições nas unidades prisionais. “Como a equipe técnica é composta por sete nutricionistas, as visitas pelos profissionais ocorrem esporadicamente e sem aviso prévio, com a finalidade de acompanhar e fiscalizar a distribuição. Contudo, não há presença de nutricionistas diariamente nas unidades”, enfatizaram.

Burocracia atrasa processos contra empresas

A pergunta que se faz, assim como no ofício da Frente Desencarcera-ES, é sobre a punição dessas empresas. O que acontece quando essas irregularidades são constatadas? As servidoras da Sejus informaram à comissão da OAB-ES que todo contrato de fornecimento de alimentação possui previsão de penalidades em caso de descumprimento, mas a burocracia acaba atrasando os processos.

“(…) Para cada descumprimento contratual identificado é autuado um processo, o que acarreta o acúmulo de processos tramitando na secretaria em razão de multas. Quanto a esse ponto, a gerente [que participou da reunião] reconhece que a tramitação deveria ser mais célere (…) Esclareceu ainda que, quando recebida uma denúncia de irregularidades, automaticamente é autuado o respectivo processo, com a notificação da empresa e fluência do prazo para apresentação de defesa pela empresa. Após, o processo é encaminhado ao secretário de justiça para decisão. Porém, todo esse lapso temporal faz com que ocorra a demora em efetivar a punição à empresa infratora”, diz um trecho do relatório.

As servidoras alegaram que, em 2020, ocorreram apenas três suspeitas de refeição imprópria para consumo, sendo duas na Grande Vitória e uma no município de São Domingos do Norte. Em 2021, apenas uma suspeita teria sido registrada no Complexo do Xuri.

Quando recebem essas denúncias, o procedimento a ser adotado é a análise do alimento em laboratório e, em caso de confirmação das irregularidades, um procedimento administrativo é adotado contra a empresa fornecedora. De acordo com o relatório, para evitar que o processo seja instaurado, algumas empresas preferem pagar multas, principalmente quando consideram baixo o valor a ser pago.

A comissão da OAB-ES lembra que a Lei de Execução Penal prevê e resguarda ao preso o direito à alimentação e que a Constituição da República assegura aos presos o respeito à integridade física e moral.

“A fiscalização, diante de todo o relatado, apresenta-se por sua vez como insuficiente, já que atualmente são apenas 10 fiscais do Gefap para fiscalizar o trabalho desenvolvido por oito empresas em 33 unidades prisionais (…) a obrigação de fiscalização dos estabelecimentos prisionais pelo Estado, assim como a aplicação de penalidades contratuais, deve se efetiva, sob pena caracterizar o nexo de causalidade entre a omissão da administração pública na condução de suas políticas carcerárias e a ofensa ao núcleo dos direitos fundamentais dos presos, por violação direta à dignidade humana em razão das condições precárias de alimentação”, conclui o documento.

Frente tenta diálogo

No ofício assinado no último mês, a Frente Desencarcera-ES solicita uma mesa de resolução de conflitos com a Comissão de Direitos Humanos da OAB, o Conselho Estadual de Direitos Humanos, o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do ES, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, e outros membros da sociedade civil.

A Frente também questiona à Sejus quais foram as providências adotadas pela Administração Pública quanto às inspeções realizadas em 2018 que constataram as irregularidades contratuais pela empresa Alimentares Refeições Eireli.

“Temos recebido denúncias a respeito da má alimentação no sistema prisional desde a própria fundação deste coletivo, ou seja, no início de 2020. No ano de 2021 as denúncias sobre má alimentação no sistema prisional explodiram, denotando que a situação grave havia piorado para calamitosa e que, portanto, necessitaríamos incidir de forma mais contundente junto aos órgãos estatais para que a garantia dos princípios do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana fossem respeitados”, aponta o ofício.

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