Sábado, 04 Mai 2024

Conaq denuncia terceira norma contra titulação de territórios quilombolas

comunidade_quilombola_placa_divulgacao Divulgação
Três normativas publicadas em menos de um ano pelo governo federal, com objetivo de travar ainda mais o processo de titulação de territórios quilombolas no país. A denúncia vem da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que, em nota de repúdio, elenca duas Instruções Normativas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e uma portaria da Fundação Cultural Palmares, editadas entre dezembro de 2021 e agosto de 2022. 

A mais recente foi publicada nessa quarta-feira (31) no Diário Oficial da União, a IN 128/2022, estabelecendo que "o decreto de desapropriação só deve ser assinado se houver recurso disponível", assinala a Conaq. Acontece que a gestão de Jair Bolsonaro (PL) não disponibilizou, nesses quase quatro anos, recursos para a titulação de terras. É uma decisão deliberada de inviabilizar a efetivação desse direito constitucional, segundo a entidade.

"Essa IN 128 só vem regulamentar e documentar o que esse governo já faz, o que é a prática desse governo: inviabilizar a titulação dos territórios quilombolas, agindo com racismo institucional e estrutural, de forma absurda contra a nossa gente", afirma Arilson Ventura, coordenador-executivo das Comunidades Quilombolas do Espírito Santo - Zacimba Gaba e coordenador nacional da Conaq.

As três normativas consolidam as promessas de campanha de Bolsonaro, que afirmou em 2018 sua postura contrária às comunidades negras rurais, principalmente no tocante à titulação de seus tradicionais, cobiçados pelas várias manifestações do agronegócio brasileiro, sendo representada, no Espírito Santo, pelo monocultivo de eucalipto da Suzano Papel e Celulose (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose).

Sobre a IN 128, especialmente, Arilson se remete a uma articulação feita em 2019 no âmbito da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, formada por deputados e senadores, que destinava R$ 100 milhões para a titulação de territórios quilombolas, por meio de emendas parlamentares. 

"O governo ignorou, não buscou as emendas e colocou somente R$ 100 mil para o Incra. Isso dá R$ 2 mil a R$ 5 mil para cada estado. O Incra não tem recurso nem para pagar diária e gasolina nos carros para ir visitar as comunidades quilombolas. Quando ele diz, nessa normativa, que só vai desapropriar quando tiver recurso disponível, só oficializa essa prática de não avançar na titulação", explica.

Anterior a ela é a Portaria nº 57/2022 da Fundação Cultural Palmares, que "autoriza o ente público a dizer quem é quilombola ou não é quilombola". A medida contraria o direito reconhecido no Decreto nº 4887/2003 e que foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, na votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239/2003, sendo um vitória histórica do movimento quilombola.

"Além de violar o Direito de Consulta, Livre, Prévia e Informada às comunidades quilombolas, viola o direito ao reconhecimento étnico identitário coletivo das comunidades", acentua a Conaq.

Arilson lembra que outra decisão do STF que vem sendo desrespeitada pelo governo federal, por meio da Fundação Palmares, é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 742, impetrada em 2020, pedindo um plano emergencial de enfrentamento da pandemia nos quilombos. O STF a aprovou e determinou, entre outras medidas, vacinação prioritária das comunidades quilombolas e distribuição de alimentos. 

"O STF determinou que a Palmares nos atenda com alimentação de julho a dezembro. Estamos em setembro e até agora tem estado que não recebeu um grão de arroz ainda, mesmo com determinação STF. Espírito Santo é maior exemplo, não chegou nada. A Fundação Palmares recentemente assegurou que até dia 20 de setembro iria resolver. Aquele negócio, nas vésperas da eleição, né. Mas mesmo assim a gente tem dúvida, será que vai mesmo acontecer?". 

Sobre a primeira normativa da série, a IN nº 111 do Incra, de dezembro passado, Arilson mantém o tom de indignação. "Ela caracteriza como quilombola só a comunidade que já tem RTID [Relatório de Técnico de Identificação e Delimitação]. É um absurdo, um ataque aos direitos constitucionais, fundamentais e da Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho]", afirma. O documento ainda é uma exceção entre as comunidades que reivindicam seu reconhecimento e titulação, já que esse processo tem sido muito lento historicamente pelos governos federais, tendo sido paralisado e mesmo ameaçado de retroceder durante a gestão de Bolsonaro. 

"O governo federal continua a perpetuação das violações às comunidades quilombolas como prometeu no início de seu mandato. Ainda candidato, o presidente prometeu retirar direitos das populações quilombolas e vem cumprindo sua promessa desde os primeiros dias de seu mandato. O discurso governamental racista de perseguição e negação de direitos das comunidades vem sendo materializado na edição de atos normativos sem consulta às comunidades e em total ofensa ao Princípio do Consentimento Prévio, livre e Informado, garantia constitucional recepcionado na Convenção 169 da OIT", pontua a Conaq na nota de repúdio.

"Foram quase 400 anos para que as populações quilombolas fossem reconhecidas enquanto sujeitos de direito pela Constituição Federal. Estamos em 2022 e temos menos de 7% dos nossos territórios titulados. Não há reparação histórica. O que temos é genocídio! A escravidão não acabou e agora é alimentada pelo racismo que nos mantém na invisibilidade e nos mata. Lutaremos contra qualquer retrocesso nesse ou em qualquer outro governo! Nenhum quilombo a menos!", conclama a entidade.

Veja mais notícias sobre Direitos.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Sábado, 04 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/