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‘Direitos das mulheres atingidas são constantemente violados’

Atingidas do crime da Samarco/Vale-BHP reforçam luta em jornada realizada em Brasília

“Os direitos das mulheres atingidas são constantemente violados, e mesmo após quase dez anos do crime da Samarco, seguimos lutando por reparação”. Com essa fala contundente, Varner Santana Moura, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) de Marilândia, no norte do Estado, sintetiza os desafios enfrentados pelas participantes da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Atingidas, que reúne mais de mil participantes de diversas regiões do país até esta quinta-feira (5), em Brasília.

Nivea Magno/ MAB

Um dos temas centrais das atividades desta quarta-feira (4) foi a importância da regulamentação e aplicação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), uma demanda histórica dos movimentos sociais.

Instituída pela Lei nº 14.755/2023, a política estabelece um conjunto de direitos para proteger indivíduos e comunidades impactadas pela construção, operação, desativação ou rompimento de barragens. Entre esses direitos, estão a garantia de reparação integral, reassentamento coletivo, indenização justa e participação informada nos processos decisórios, além de prever o Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB), que deve ser implementado e custeado pelo empreendedor responsável pela barragem. A lei também cria instâncias colegiadas, com participação do poder público, da sociedade civil e dos empreendedores, para acompanhar e fiscalizar a aplicação dessas medidas.

Integrante da delegação capixaba que participa do encontro, Varner destacou a dimensão unificada das pautas levadas pelo movimento: “Estamos em Jornada das Mulheres para, inclusive, nos preparar para a COP30 [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas]. Estamos aqui nesse debate sobre a crise climática, sobre o enfrentamento do fascismo e para avançar nos direitos das mulheres”, reforçou.

Ela também denuncia violências específicas sofridas pelas mulheres após o crime da Samarco/Vale-BHP: “Desde o início [em 2015], as mulheres foram excluídas dos cadastros. Mesmo agricultoras ou pescadoras, muitas precisaram ser cadastradas como auxiliares dos companheiros, não como profissionais. Sofremos também com a ausência de assistência na saúde, na área social, e nunca tivemos direitos humanos para nos ouvir”, pontuou.

Gabrielle Sodré/MAB

A Jornada tem sido um espaço para reforçar pautas urgentes, como ainda planos de segurança para populações impactadas por barragens, grandes projetos e mudanças climáticas, além do enfrentamento à devastação ambiental provocada pelo agronegócio, avalia.

A programação dessa quarta iniciou com o ato “Políticas Públicas de Estado para a Reparação dos Direitos das Populações Atingidas”, que reuniu ministros, parlamentares e representantes de órgãos públicos. Dentre eles, as ministras Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e Eutália Barbosa (Mulheres), além do ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar). A ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, também participou, às 15h30, da mesa “Patriarcado e Violência: Os desafios da luta das mulheres no atual contexto histórico e o legado das lutadoras atingidas”.

Varner destaca que a expectativa é de que o governo federal, agora à frente do processo de repactuação do crime, avance na efetivação das medidas. “Esperamos que os valores acordados cheguem aos nossos territórios, que haja fortalecimento do SUS [Sistema Único de Saúde], assistência social efetiva, direito à moradia e políticas para garantir água potável de qualidade”, enumera.

A militante também relatou as dificuldades enfrentadas nos territórios atingidos no Espírito Santo: “Vivemos com um rio contaminado, impossibilitado de manter as famílias ribeirinhas. As terras estão improdutivas, e as mulheres não podem mais pescar ou cultivar. Não temos análise adequada da água e há um aumento assustador de casos de câncer, inclusive entre crianças”.

Entre os avanços firmados durante o encontro, ela aponta o compromisso na área da agricultura e desenvolvimento, especialmente voltado para os atingidos da bacia do Rio Doce, do ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira, que apresentou ações voltadas para a agricultura familiar e a implantação dos quintais produtivos, além de outros projetos em estudo para os territórios afetados.

Nivea Magno/MAB

Para ela, a luta do coletivo de mulheres do MAB tem sido um divisor de águas, por oferecer formação política e social, o que tem fortalecido as mulheres para enfrentarem o fascismo, as crises climáticas e para que conheçam e lutem pelos seus direitos e os de suas comunidades.

“Estamos aqui para dizer que não fomos nós que causamos essa crise. Foram as grandes empresas, o capitalismo, a ganância. Mas somos nós, mulheres, quem mais sofre as consequências”, cobra Varner, sintetizando o desafio político e histórico da luta das mulheres atingidas.

‘Imprensados no Tempo’

No terceiro dia da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Atingidas, a programação incluiu homenagens às lutadoras populares que construíram a resistência, entre elas Flávia Amboss, com lançamento do livro Imprensados no Tempo da Crise: a Gestão das Afetações no Desastre da Samarco (Vale e BHP Billiton).

Flávia era militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e atingida pelo crime quando vivia na Vila de Regência, no norte do Espírito Santo. Desde então, esteve na linha de frente das mobilizações, das lutas por reparação e na construção de um conhecimento comprometido com a transformação social, mas teve sua vida ceifada por outro crime bárbaro: o atentado que matou três professoras e uma estudante no município de Aracruz, também no norte, em novembro de 2022.

Gabrielle Sodré/ MAB

“Foi lindo, único, emocionante e muito doloroso também, porque relembrar uma companheira que tombou por causa do fascismo é muito doloroso”, afirmou Varner. “Uma companheira que lutava pelo social, com o futuro todo pela frente, inteligente, que estava contribuindo muito para o Brasil, para o mundo”.

Para os militantes, o caso de Flávia “revela com brutalidade como o fascismo brasileiro atua, misturando misoginia, autoritarismo, apologia à violência e conivência institucional”.

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