sábado, maio 3, 2025
24.9 C
Vitória
sábado, maio 3, 2025
sábado, maio 3, 2025

Leia Também:

Fórum contesta melhora no cenário de segurança alimentar no Estado

Dados do Instituto Jones são “maquiagem”, aponta Jaqueline Araújo, do Fosan-ES

O Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) divulgou, em abril de 2025, um relatório especial sobre a situação da segurança alimentar no Espírito Santo. Os dados, baseados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2023, indicam que 79,2% dos domicílios capixabas vivem em situação de segurança alimentar. Já os outros 20,8% enfrentam algum grau de insegurança: 15,7% em situação leve e 5,4% em situação moderada ou grave. Os números posicionam o Estado como o 5º que tem maior proporção de domicílios em segurança alimentar no país.

Apesar do aparente avanço, o Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo (Fosan-ES) analisa os dados com cautela e ressalta que o percentual de insegurança alimentar em 2023 – 20,8% – é maior do que há dez anos, quando era de 10,4%. Para a coordenadora do fórum, Jaqueline Araújo, os resultados divulgados também não refletem a realidade enfrentada pelas populações mais vulneráveis do Estado e podem transmitir uma falsa ideia de segurança alimentar consolidada.

“É um levantamento que traz um recorte muito amplo e ajuda pouco a entender as realidades locais, onde de fato estão ou faltam os equipamentos de segurança alimentar e nutricional”, critica. Ela questiona a representatividade dos dados e o destaque conferido ao Espírito Santo no ranking nacional. “Causa estranhamento aparecer entre os cinco melhores. O Espírito Santo está distante de estados como o Paraná, que é referência, ou o Maranhão, que mesmo sendo mais pobre, tem mais da metade dos municípios com restaurantes populares – e está abrindo mais”, aponta.

Leonardo Sá

O relatório do IJSN apresenta iniciativas como o Compra Direta de Alimentos (CDA), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e as Cozinhas Solidárias como exemplos de atuação do Estado. Contudo, os dados mostram uma retração em pelo menos dois desses programas. Entre 2023 e 2024, o CDA teve uma redução de 40% no número de municípios participantes (de 40 para 24), além da queda de quase 40% no total de agricultores atendidos (de 1.084 para 653). O valor investido também diminuiu, passando de R$ 8 milhões em 2023 para R$ 6,4 milhões em 2024.

Em relação ao PAA, que começou a execução em 2024, o relatório informa que o programa atendeu 437 agricultores com um investimento de R$ 2,8 milhões, mas esteve presente em apenas 22 de 78 municípios. Outro ponto destacado como insuficiente é o programa de Cozinhas Solidárias. Segundo o IJSN, um edital em andamento prevê repasses de até R$ 1,4 milhão a cinco organizações da sociedade civil para implantação, estruturação, execução e manutenção dessas cozinhas.

Para o Fosan-ES, a abrangência limitada desses equipamentos compromete a resposta emergencial ao problema da fome. Jaqueline também critica o anúncio da reabertura do restaurante popular de Vitória, que cobrará R$ 14,00 por refeição. “Esse valor é inacessível para a população em situação de rua e para os setores mais empobrecidos. Não atende ao público-alvo”, aponta.

A fragilidade institucional também se reflete nos Conselhos Municipais de Segurança Alimentar e Nutricional (Conseas). Atualmente, apenas 15 municípios mantêm conselhos em funcionamento: Nova Venécia, Linhares, Colatina, Baixo Guandu, Santa Maria de Jetibá, Serra, Vitória, Cariacica, Vila Velha, Viana, Guarapari, Cachoeiro de Itapemirim, Guaçuí, Mimoso do Sul e Presidente Kennedy. Além disso, mais da metade dos municípios (41 de 78) não possuem sequer legislação para criação desses espaços de participação social.

O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo (Consea-ES) ficou quase um ano desativado e foi retomado após a posse dos novos conselheiros no último dia 14 de abril. O processo eleitoral ainda não foi concluído. Quatro vagas seguem em vacância e novas eleições devem ser convocadas no prazo de até dois meses após a posse. 

Outro dado preocupante para o Fórum são 38 municípios que estão sem qualquer estrutura formal para a política de Segurança Alimentar, outro dado preocupante para a porta-voz do fórum. Por fim, apenas nove municípios estão cadastrados no Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan): Nova Venécia, Linhares; Baixo Guandu; Santa Maria de Jetibá; Cariacica; Vitória; Cachoeiro de Itapemirim; Guaçuí e Mimoso do Sul. “Isso mostra uma tentativa de maquiagem de uma situação que, na prática, é insuficiente. Na maioria dos locais, ainda falta básico”, enfatiza.

Diagnóstico da Capital

Na Capital, o diagnóstico de 2024 da plataforma Alimenta Cidades, do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), evidenciou um cenário complexo em relação à segurança alimentar e nutricional, especialmente entre as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) e em áreas caracterizadas como desertos alimentares, em que a população tem acesso restrito a alimentos saudáveis devido à carência de estabelecimentos comerciais que forneçam produtos frescos.

Uma parcela considerável da população de Vitória enfrenta dificuldades de acesso a alimentos saudáveis. Ao todo 23,2% da população total do município (aproximadamente 75,6 mil habitantes) vivem em áreas classificadas como desertos alimentares. A situação é ainda mais crítica para a população de baixa renda ou em situação de pobreza, com 41,6% (cerca de 17,9 mil pessoas) residindo nessas zonas, o que contribui para os indicadores de má nutrição. Nas áreas de desertos alimentares que possuem favelas, a concentração da população é ainda maior: 79,2% dos residentes dessas áreas (aproximadamente 59,8 mil pessoas) vivem nessa condição.

Os números apontam para desafios significativos na nutrição infantil entre os beneficiários do PBF com idade entre 0 e 7 anos, em que 481 crianças (7,1%) apresentam magreza acentuada, indicando possível insegurança alimentar e problemas de saúde que afetam o ganho de peso adequado. Um número ainda maior, 1.002 crianças (14,8%), apresenta excesso de peso, condição que pode estar relacionada a padrões alimentares inadequados, incluindo o consumo de alimentos ultraprocessados e com baixo valor nutricional, o que pode ser mais comum em áreas com acesso limitado a alimentos frescos.

Além disso, 583 crianças (8,6%) apresentam baixa estatura para a idade, um indicador de desnutrição crônica, que pode ter impactos a longo prazo no desenvolvimento físico e cognitivo. O levantamento indicou, ainda, a inexistência de Restaurantes Populares e Cozinhas Comunitárias de iniciativa do Poder Público.

Mais Lidas