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Mãe quilombola desabafa sobre caso de racismo: ‘Quero respeito!’

Enfrentando um câncer, Lenilda Alacrino afirma que comunidade está indignada com ofensas contra seu filho

Divulgação

Uma acusação de racismo contra um jovem de 19 anos indignou a comunidade quilombola de São Domingos, em Conceição da Barra, norte do Espírito Santo. Trabalhando como menor aprendiz, ele relata que ouviu de um operador de trator durante um treinamento uma série de insultos com conotações de preconceito racial e contra comunidades quilombolas. O instrutor do curso, que foi comunicado pelo jovem sobre o caso, que ocorreu na frente de muitos, não tomou nenhuma medida.

Segundo consta no boletim de ocorrência registrado pelo jovem com apoio da família, o fato ocorreu no dia 1º de abril durante o horário de almoço de seu trabalho, como menor aprendiz, em parceria da empresa Alcon com o Senar. O relato prossegue que após dificuldades com o manejo de trator, que fazia parte do trabalho, o operador de máquinas alegou para os demais colegas que o quilombola havia feito “burrice”. Na pausa, o operador foi até o aprendiz, que descansava da refeição no gramado, e teria dito: “Esses pretos do paraíso já gostam de ficar no mato para roubar pau”.

Depois de discutirem e o jovem anunciar que deixaria o curso, o operador afirmou: “Esses negro do Paraíso são tudo nervoso”, conforme registra o boletim feito na Polícia Civil. Paraíso é como alguns se referem à região do quilombo de São Domingos, já que ali era próximo a um bordel com aquele nome. “Criei meus dois filhos sozinhos, nunca furtei madeira, tenho como provar tudo que fiz para cuidar do meu filho. Ele não pode dizer que o povo do Paraíso é ladrão. Já fui legalmente pegar facho mas jamais invadi uma área. Fico muito chateada”, diz Lenira Alacrino, mãe do jovem, que é professora de História e Artes.

Aos 43 anos de idade, ela enfrenta tratamento contra um câncer de mama agressivo, está impossibilitada de trabalhar mas ainda não conseguiu pensão pelo INSS, para a qual já deu entrada. Parte do salário do filho era o que lhe ajudava com os vários remédios que precisa comprar e ainda com os lanches que faz durante as viagens para tratamento em Linhares. Mesmo assim, ela decidiu não se calar. “Fiquei muito abalada. É incrível que coisas assim aconteçam em pleno século 21. Tanto lutei pela causa do povo negro, quilombola, pela comunidade. Ensinei meus filhos a se defenderem. Ele é esforçado, centrado, instruído e politizado”, disse sobre o jovem, que estuda Gestão Ambiental em uma faculdade particular enquanto trabalhava como menor aprendiz.

Embora tenha recebido contato do setor de Recursos Humanos da empresa, ele não quer voltar a trabalhar no local onde sofreu o assédio. “Ele está assustado. Segurou a onda, quando viu que estava nervoso ele deu o fora. Ele fez bem”, considera Lenilda. 

O jovem voltou a pé por longos quilômetros após a ocorrência do caso. A mãe critica a discriminação por conta da cor contra seu povo, comunidade tradicional reconhecida nacionalmente. “O operador fez todo tipo de discriminação. Usou o estereótipo colonialista para cima do meu filho. Não sou só eu e ele que estamos abalados, toda comunidade está ofendida”, relata. Segundo ela, o racismo se manifesta de várias formas na região, quando falam seu endereço na cidade, também nas escolas, especialmente na parte central de Conceição da Barra, o que levou a mãe a transferir seus filhos para o distrito de Braço do Rio.

Com dor e indignação, Lenilda pede justiça. “Quero que não aconteça com outros jovens daqui o que aconteceu com meu filho. Quero respeito, porque estou num momento de dor e preciso de paz”, desabafa.

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