Terça, 07 Mai 2024

Projeto de major da PM arquivado em Goiás 'inspirou' lei antidoping de Cariacica

Projeto de major da PM arquivado em Goiás 'inspirou' lei antidoping de Cariacica

“Na vida, nada se cria, tudo se copia”. A famosa frase atribuída ao saudoso apresentador de TV, Chacrinha, em clara alusão aos estudos do químico francês Antoine Lavoisier, vai muito além do sentido figurado. Na vida real, a máxima se aplica com certa frequência – e no mundo político, não poderia ser diferente. O caso mais recente envolve o polêmico projeto que virou lei no município de Cariacica no último dia 23. A lei prevê a realização de exames toxicológicos em alunos da rede pública de ensino do nono período.



A proposta foi "livremente inspirada" em um projeto de lei apresentado na Assembleia Legislativa de Goiás há pouco mais de dois anos. Mas diferentemente do que ocorreu no Estado goiano, a proposta do vereador por Cariacica Messias Donato (PTdoB) foi sancionada pelo prefeito Juninho (PPS). Já em Goiás, a matéria de autoria do deputado Major Araújo (PRP) não parou logo na Comissão de Justiça no Legislativo. Até mesmo um blog do PPS, partido do prefeito cariaciquense, atacou a iniciativa de realizar este tipo de exame em crianças e adolescentes em São Paulo, onde uma proposta semelhante também foi "ensaiada", sem sucesso, em 2012.



A reportagem de Século Diário levantou a existência de projetos semelhantes em várias câmaras municipais do País. Entretanto, umas das propostas “pioneiras” partiu do deputado goiano – que é presidente da Comissão de Segurança Pública na Casa. O projeto de Lei nº 4.419/2011 foi protocolado no dia 19 de outubro. A matéria foi encaminhada na semana seguinte para a Comissão de Justiça, que discutiu a matéria por quase um mês. Em março de 2012, o colegiado votou pela rejeição da matéria, seguindo o parecer do relator, Ademir Menezes (PSD).



Esse mesmo texto, considerado como inconstitucional pelos legisladores goianos, “inspirou” a maior parte do projeto de lei aprovado pelos vereadores de Cariacica e sancionado integralmente pelo prefeito Juninho. Na comparação entre os dois projetos, existem várias semelhanças, como a previsão da realização do exame antidoping nos alunos da rede pública a partir do 9º ano, bem como os dispositivos para divulgação dos resultados, encaminhamento dos alunos “flagrados” para a área de assistência social e o acesso dos dados pela direção da escola para “fins estatísticos”.



Nestes pontos, não é possível saber onde começa um projeto e termina o outro. Contudo, também existem algumas diferenças sutis, que revelam o enfoque de cada proposta. Enquanto a lei municipal de Cariacica defende nas entrelinhas o viés do constrangimento aos alunos sem a adoção de medidas de prevenção e proteção aos jovens com algum tipo de dependência química, questão destacada na representação movida por entidades de direitos humanos contra a proposta, o projeto goiano reserva um capítulo para as obrigações do Estado e dos municípios, a partir da coleta dos dados do “censo”.



O artigo 8º do projeto de lei goiano previa que “os resultados obtidos seriam utilizados para a formação e preparação dos educadores na lida diária com esses menores, bem assim para o estabelecimento de políticas, planejamento e desenvolvimento de ações terapêuticas e preventivas aos usuários de psicotrópicos”. A justificativa do deputado Major Araujo seguiu o mesmo sentido. Ele destacou a “geração de estatísticas capazes de nortear políticas públicas”, porém, a proposta foi rechaçada com base na afronta à Constituição Federal e ao Estatuto de Criança e do Adolescente (ECA).



Esses mesmos argumentos não foram levantados em consideração pelos vereadores e pelo prefeito de Cariacica, que ratificaram a prática nas escolas do município. No entanto, a Lei municipal nº 5152/2014 pode acabar não “vingando”, mesmo com os seus efeitos válidos para este ano letivo. O Ministério Público Estadual (MPES) vai se posicionar sobre uma representação protocolada pelo Fórum Estadual da Juventude Negra (Fejunes) e o Movimento Nacional dos Direitos Humanos no Estado (MNDH-ES). No documento, eles pedem que o órgão ministerial ingresse com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a norma.



Em nota reproduzida no jornal A Tribuna, a Prefeitura de Cariacica declarou que está realizando estudos para o cumprimento da lei. Já o autor do projeto está colhendo os louros pela aprovação do projeto. Messias Donato afirmou que o projeto foi idealizado após a queixa da mãe de um aluno do município. Ele só não falou sobre a inspiração goiana ou sobre o destino de iniciativas semelhantes no País. Sorte do vereador que a Procuradoria do município também não se preocupou com isso.

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