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Projeto de major da PM arquivado em Goiás ‘inspirou’ lei antidoping de Cariacica

“Na vida, nada se cria, tudo se copia”. A famosa frase atribuída ao saudoso apresentador de TV, Chacrinha, em clara alusão aos estudos do químico francês Antoine Lavoisier, vai muito além do sentido figurado. Na vida real, a máxima se aplica com certa frequência – e no mundo político, não poderia ser diferente. O caso mais recente envolve o polêmico projeto que virou lei no município de Cariacica no último dia 23. A lei prevê a realização de exames toxicológicos em alunos da rede pública de ensino do nono período.

A proposta foi “livremente inspirada” em um projeto de lei apresentado na Assembleia Legislativa de Goiás há pouco mais de dois anos. Mas diferentemente do que ocorreu no Estado goiano, a proposta do vereador por Cariacica Messias Donato (PTdoB) foi sancionada pelo prefeito Juninho (PPS). Já em Goiás, a matéria de autoria do deputado Major Araújo (PRP) não parou logo na Comissão de Justiça no Legislativo. Até mesmo um blog do PPS, partido do prefeito cariaciquense, atacou a iniciativa de realizar este tipo de exame em crianças e adolescentes em São Paulo, onde uma proposta semelhante também foi “ensaiada”, sem sucesso, em 2012.

A reportagem de Século Diário levantou a existência de projetos semelhantes em várias câmaras municipais do País. Entretanto, umas das propostas “pioneiras” partiu do deputado goiano – que é presidente da Comissão de Segurança Pública na Casa. O projeto de Lei nº 4.419/2011 foi protocolado no dia 19 de outubro. A matéria foi encaminhada na semana seguinte para a Comissão de Justiça, que discutiu a matéria por quase um mês. Em março de 2012, o colegiado votou pela rejeição da matéria, seguindo o parecer do relator, Ademir Menezes (PSD).

Esse mesmo texto, considerado como inconstitucional pelos legisladores goianos, “inspirou” a maior parte do projeto de lei aprovado pelos vereadores de Cariacica e sancionado integralmente pelo prefeito Juninho. Na comparação entre os dois projetos, existem várias semelhanças, como a previsão da realização do exame antidoping nos alunos da rede pública a partir do 9º ano, bem como os dispositivos para divulgação dos resultados, encaminhamento dos alunos “flagrados” para a área de assistência social e o acesso dos dados pela direção da escola para “fins estatísticos”.

Nestes pontos, não é possível saber onde começa um projeto e termina o outro. Contudo, também existem algumas diferenças sutis, que revelam o enfoque de cada proposta. Enquanto a lei municipal de Cariacica defende nas entrelinhas o viés do constrangimento aos alunos sem a adoção de medidas de prevenção e proteção aos jovens com algum tipo de dependência química, questão destacada na representação movida por entidades de direitos humanos contra a proposta, o projeto goiano reserva um capítulo para as obrigações do Estado e dos municípios, a partir da coleta dos dados do “censo”.

O artigo 8º do projeto de lei goiano previa que “os resultados obtidos seriam utilizados para a formação e preparação dos educadores na lida diária com esses menores, bem assim para o estabelecimento de políticas, planejamento e desenvolvimento de ações terapêuticas e preventivas aos usuários de psicotrópicos”. A justificativa do deputado Major Araujo seguiu o mesmo sentido. Ele destacou a “geração de estatísticas capazes de nortear políticas públicas”, porém, a proposta foi rechaçada com base na afronta à Constituição Federal e ao Estatuto de Criança e do Adolescente (ECA).

Esses mesmos argumentos não foram levantados em consideração pelos vereadores e pelo prefeito de Cariacica, que ratificaram a prática nas escolas do município. No entanto, a Lei municipal nº 5152/2014 pode acabar não “vingando”, mesmo com os seus efeitos válidos para este ano letivo. O Ministério Público Estadual (MPES) vai se posicionar sobre uma representação protocolada pelo Fórum Estadual da Juventude Negra (Fejunes) e o Movimento Nacional dos Direitos Humanos no Estado (MNDH-ES). No documento, eles pedem que o órgão ministerial ingresse com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a norma.

Em nota reproduzida no jornal A Tribuna, a Prefeitura de Cariacica declarou que está realizando estudos para o cumprimento da lei. Já o autor do projeto está colhendo os louros pela aprovação do projeto. Messias Donato afirmou que o projeto foi idealizado após a queixa da mãe de um aluno do município. Ele só não falou sobre a inspiração goiana ou sobre o destino de iniciativas semelhantes no País. Sorte do vereador que a Procuradoria do município também não se preocupou com isso.

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