Mulheres da ocupação em Vila Velha marcham no 8 de março por direitos
O tempo passa, as conquistas avançam, mas velhas demandas permanecem na ordem do dia, como bem mostrou a marcha do Dia Internacional da Mulher, realizada na manhã desta sexta-feira (7), no Centro de Vitória. O direito à moradia é uma delas. No atual contexto da região metropolitana, ninguém melhor para falar sobre isso do que as mulheres da ocupação Vila Esperança, em Vila Velha, de onde cerca de 3,6 mil pessoas correm o risco de sair diante da iminência de uma reintegração de posse determinada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).
“Vila Esperança, além de moradia, é porto seguro para as mulheres que chegam”, diz Ione Duarte, uma das cerca de 3 mil mulheres que moram na ocupação. Como se vê, a maioria das pessoas que ali habitam são mulheres e, segundo Ione, majoritariamente negras e com um histórico de violência doméstica do qual querem fugir.

“Muitas veem em Vila Esperança um lugar seguro para estar, onde conseguem se manter, porque ali não pagam aluguel, conseguem plantar grande parte daquilo que comem”, afirma. Ela destaca, ainda, a questão da sororidade. “A gente também produz afeto, é sobre acolher essa mulher que chega em condição de fragilidade”, relata.
A sororidade, salienta, está para além do território da ocupação. “Aqui, na macha do 8 de março, é um lugar onde a gente encontra com outras parceiras de luta, é mais uma trincheira. Estar aqui é buscar garantir direitos e proteção para todas mulheres, de todas as cores. Mulher quando se junta vira fortaleza. É importante estar com outras mulheres para que elas também entendam o que é o grito das mulheres de Vila Esperança”, enfatiza.
No carro de som, a presidente da ocupação, Adriana Paranhos, conhecida como Baiana, convidou para a audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, na próxima terça-feira (11), às 9h30, que abordará os despejos no Espírito Santo e, especialmente, o risco de desabrigo das pessoas que vivem em Vila Esperança há oito anos.

Em audiência realizada no último dia 27, marcada por protesto das famílias de Vila Esperança, a Justiça Estadual concedeu um prazo de 30 dias para que fosse apresentado um plano de desocupação. A decisão gerou protestos, uma vez que os moradores não têm alternativa habitacional. Manifestantes presentes ao Tribunal de Justiça exigiram o reconhecimento do direito à moradia e a regularização fundiária da área.
Baiana relatou que foi orientada pela a desembargadora responsável pela mediação, Janete Vargas, a convencer os moradores a deixarem a ocupação “de forma amigável”. Ela afirma que foi alertada sobre possíveis responsabilidades caso houvesse conflitos durante a desocupação. “Disseram que eu teria responsabilidade no caso de mortes aqui dentro”, afirmou na ocasião.
Diversidade de pautas
Foi com um “basta de viver para trabalhar” que Emily Marques, integrante do Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes), que organizou a marcha com mais de 50 entidades, respondeu um homem que chamou as mulheres de “desocupadas” e as mandou trabalhar. Ela ainda emendou: “a mulher é sobrecarregada”, fazendo referência à dupla ou até mesmo tripla jornada de trabalho feminina.

Em seguida, trouxe outra pauta que vem sendo bastante discutida no momento, o fim da escala 6×1, que afeta muito mais as mulheres por causa dessa sobrecarga de trabalho. O fim dessa escala é previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), que propõe a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, sem diminuição salarial. Em todo o Brasil, inclusive no Espírito Santo, tem sido defendido por meio de manifestações organizadas principalmente pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT).
Com o refrão “se o corpo é da mulher ela dá para quem quiser, inclusive outra mulher”, a reivindicação foi em relação à autonomia sobre seu próprio corpo, o direito ao prazer e pelo fim da LGBTQIA+fobia. Esta última, presente também na palavra de ordem “as gay, as bi, as trans e as sapatão tão tudo organizadas para fazer revolução”.

O grito de basta à carestia, à violência doméstica, ao feminicídio e ao capacitismo também foram alguns dos destaques, bem como as lutas das mulheres indígenas e do campo. Jaqueline dos Santos, da aldeia Areal, em Aracruz, no norte do Estado, apontou a necessidade de reparação dos danos sociais, econômicos, ambientais e culturais causados pelo crime da Vale/Samarco/BHP-Billiton, que fez com que muitas mulheres que viviam da pesca tivessem que mudar de ofício.
Geovânea Cordeiro Duarte, coordenadora do acampamento Índio Galdino, também no município, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacou a luta pela reforma agrária. “São 1,8 mil famílias no Espírito Santo na luta por seu pedaço de terra. Por isso é importante estar aqui, onde a gente pode falar e se juntar a mulheres de diversos lugares que luta contra as desigualdades”, afirma.

A tradicional Marcha do Dia Internacional da Mulher teve concentração na Praça Costa Pereira, de onde seguiu para o Museu Capixaba do Negro (Mucane). A proposta de ir às ruas no dia 7 é porque, em dia de semana, é possível chamar mais atenção das pessoas para as pautas defendidas. O tema deste ano foi “Basta de violência! Todas as mulheres nas ruas contra o machismo, o racismo, a LGBT+Fobia e o Fascismo”.