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Coletivo de mulheres do Ifes repudia suspensão de professora

Nota aponta “machismo e misoginia” e “proteção corporativa” a homens do Instituto Federal

O Coletivo de Mulheres do Sinasefe, sindicato que representa os técnico-administrativos e professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), divulgou, nessa sexta-feira (22), uma nota de repúdio intitulada “Sobre a tutela dos corpos femininos”. A iniciativa reage à suspensão da professora Rosana dos Reis Abante Nunes, por atuar em plataformas digitais de conteúdo adulto. A decisão se deu em consonância com o relatório final da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar (CPAD) sobre o caso.

Redes sociais

Na nota, o coletivo declara “repúdio às práticas institucionais que, sob o pretexto de defesa moral e da disciplina, continuam a tutelar e vigiar os corpos das mulheres, especialmente quando se trata de servidores públicas federais”.

Também aponta que “é sintomático que a sociedade e, muitas vezes, as próprias instituições de ensino – sintam-se no direito de regular as escolhas e a vida privada das mulheres, enquanto permanecem historicamente permissivas diante de atitudes de homens que desrespeitam normas, violentam direitos ou reproduzem agressões contra companheiras, esposas e namoradas”.

O grupo denuncia que este ano foram registrados denúncias e prisões em flagrante de servidores do Ifes por violência doméstica. “No entanto, não se observa a mesma contundência, publicidade e enquadramentos morais que são mobilizados contra mulheres por condutas privadas sem lesão a terceiros. Essa assimetria é inaceitável”, enfatiza no documento.

O texto aponta que “enquanto condutas pessoais de mulheres são transformadas em processos, por vezes rotuladas como ‘deslealdade institucional’ ou ‘quebra de decoro’, casos de agressões contra companheiras, esposas ou namoradas – com registro policial, prisão e medidas cautelares, raramente recebem o mesmo peso público e disciplinar”.

A nota diz, ainda, que “a lógica machista e misógina que atravessa o serviço público federal, no qual mulheres são julgadas de forma mais dura e exemplarizante, enquanto homens, mesmo diante de infrações graves, contam com o silêncio, a invisibilidade e, muitas vezes, a proteção corporativa”.

O texto termina dizendo que o coletivo exige que “os processos administrativos sejam pautados por critérios transparentes, justos e isonômicos, e que as instituições públicas tratem com a mesma seriedade tanto as violações cometidas por homens quanto as situações que envolvem mulheres servidoras”.

O caso

Além de ter sido suspensa por 35 dias, a professora, que dá aulas na Licenciatura em Biologia do campus de Santa Teresa, na região serrana, terá que ressarcir valores de gratificação por dedicação exclusiva, no período apurado em que houve a concomitância de recebimento das plataformas digitais. Em 2023, já havia a recomendação de um processo disciplinar, retirando fotos e vídeos sensuais de suas redes sociais abertas ao público. O Conselho de Ética do Ifes recebeu denúncias anônimas a respeito do conteúdo publicado nas redes, que supostamente teriam partido de pais e responsáveis de alunos.

Duas questões motivaram a punição. Uma delas diz respeito ao fato de Rosana ter recebido dinheiro das plataformas Onlyfans (nesta última, ela disse que encerrou as atividades) e Privacy, apesar de ser servidora com dedicação exclusiva. A professora também foi denunciada por “deslealdade”, por ter dito em uma entrevista que “em 15 dias, ganhei 25% do meu salário”, o que foi considerado ofensivo à instituição em que trabalha.

“O Ifes reforça que esses dois enquadramentos, embora distintos em sua base legal, tratam de um único conjunto de fatos relacionados à quebra da dedicação exclusiva (a atividade econômica privada e as circunstâncias em que ocorreu a atividade econômica privada e sua divulgação ostentando os seus ganhos extras, com menções e comparações com o cargo no Ifes). A penalidade, portanto, é única e tem como base a incompatibilidade dessa atividade paralela com as responsabilidades do regime de dedicação exclusiva”, afirmou a instituição, em nota para Século Diário.

Durante o processo administrativo, Rosana argumentou que recebia dinheiro das plataformas por conta de direitos autorais, sem nenhum vínculo de trabalho formal, e que a sua situação se enquadra em exceções da lei em casos de dedicação exclusiva. Além disso, não houve prejuízos às suas funções no Ifes, o que poderia ser comprovado por declarações de estudantes, colegas professores e até mesmo do diretor-geral do campus de Santa Teresa, Ednaldo Miranda de Oliveira.

Quanto às declarações públicas sobre a remuneração que ganhou com as plataformas, argumentou que não se enquadraram como deslealdade, uma vez que “não fez críticas, denúncias falsas ou alusões negativas à instituição pública, que ao contrário, zela por ser bom nome e jamais citou o Ifes em seus pronunciamentos pessoais, que a divulgação dos ganhos foi feita para esclarecer fatos da sua vida privada, não havendo manifestação que viesse traduzir afronta ou prejuízo ao órgão”.

Rosana também foi questionada sobre o possível uso de cargo público para benefício próprio, pelo fato de ter utilizado o pseudônimo “prof. Biosexy” nas redes sociais – que acabou retirando após recomendação. A defesa da professora citou “direito da personalidade” em defesa da atitude dela.

Um primeiro relatório da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar foi entregue no dia 2 de dezembro de 2024, mas a Procuradoria Federal opinou pela anulação do termo de indiciamento, por enxergar erros formais no processo. Com isso, uma nova comissão foi criada em fevereiro de 2025 e deu continuidade ao processo, mas Rosana reclamou de cerceamento de defesa.

Apesar disso, o relatório final indicou a suspensão da professora. Conforme a decisão do reitor, “os prints com os devidos links de acesso, de fato não deixam dúvida quanto a comercialização de conteúdo adulto em plataformas digitais, além do fato de que também expõe a própria instituição, uma vez que é associado a todo o contexto, o cargo de professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico ocupado pela servidora, aliado ao fato da servidora ter seu regime de trabalho ligado à dedicação exclusiva do cargo”.

De acordo com o Ifes, a suspensão pode ser convertida em multa, com retenção de 50% da remuneração no período de 35 dias e, com isso, “haverá suspensão de aulas ou prejuízo para os estudantes”. Entretanto, segundo Rosana, a portaria a respeito da punição já foi publicada, e ela está suspensa desde essa terça-feira (19).

“Eu não concordo, não acho que estou fazendo nada de errado. Não acho que ouviram as minhas alegações. Nesse relatório da Comissão também existem informações falsas, e eu nem pude recorrer internamente, porque saiu o resultado, foi direto para o procurador, depois ao reitor, e fui suspensa no dia seguinte. O processo já veio todo com uma questão moralista e punitiva”, afirma.

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