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Grupo de Trabalho quer cotas trans e travestis na Ufes em 2026

Proposta para graduação será entregue até fim deste mês à Reitoria

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Ufes

A Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) deve receber até o final deste mês a minuta da resolução que propõe a implementação de cotas específicas para pessoas trans e travestis nos cursos de graduação. A informação é da secretária executiva da Diretoria de Ações Afirmativas e Diversidade (Daad/Proaeci), Viviana Corrêa, que preside o Grupo de Trabalho (GT) responsável pela formulação do documento.

A previsão da presidência do GT é entregar a minuta da resolução ao reitor Eustáquio Castro e, depois, submetê-la ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) para apreciação e eventual aprovação. “Parece um momento plausível para essa proposta ser apresentada e de passar”, avalia Viviana – citando o atual cenário político e institucional e por serem vagas suplementares -, que também compõe o Cepe como representante dos técnicos administrativos.

Composto por representantes da administração central, do Diretório Central dos Estudantes (DCE), de grupos de pesquisa e da única docente trans da universidade, a professora Jeffa Santana, do Departamento de Línguas e Letras, o grupo de trabalho foi instituído por portaria publicada em 20 de maio deste ano e, segundo Viviana, está em fase de consolidação das diretrizes com base em experiências de outras universidades, como a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

A proposta também vem sendo construída em diálogo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), entidade que lançou uma nota técnica sobre ações afirmativas para pessoas trans em 2024. “O que tem acontecido no grupo de trabalho é o levantamento de todas as resoluções que nós já fizemos até agora. Clarificamos qual é o público, a forma de entrada, se será por processo seletivo específico ou pelo Sisu, e quais documentos serão exigidos, como a autodeclaração”, explica. O objetivo, segundo ela, é “elaborar uma resolução com o mínimo de obstáculos, para que possa ser exercida dentro da universidade”.

Um dos principais pontos é a adoção de um modelo de cotas que não altere o número total de vagas atualmente destinadas aos demais grupos sociais beneficiados por ações afirmativas. A medida, ressalta Viviana, tem sido utilizada por outras instituições federais e visa reduzir resistências à sua aprovação.

A criação do GT ocorre após meses de cobrança por parte de estudantes e movimentos sociais, que denunciam o atraso da Reitoria em dar encaminhamento à pauta. A promessa de instituir o Grupo de Trabalho foi feita em dezembro de 2024, em reunião com representantes da Prograd, do DCE, do projeto de extensão Trans Encruzilhadas e da comunidade acadêmica.

Em maio deste ano, entidades ligadas à luta LGBTQIA+ alertaram sobre a urgência da implementação da política, criticando o distanciamento da Ufes diante da realidade de exclusão enfrentada por travestis, transexuais e pessoas não binárias. O levantamento mais recente da própria universidade, o Censo Estudantil para Ações Afirmativas de 2022, mostrou que apenas 0,01% dos estudantes se identificavam como pessoas trans – realidade que contrasta com a estimativa nacional de 2% da população nessa condição, de acordo com a Antra.

Além da baixa representatividade, dados nacionais evidenciam a exclusão estrutural da população trans no sistema educacional. Levantamento do Cedec de 2021 aponta que mais da metade das pessoas trans não conclui o ensino médio, e apenas 27,1% chegam ao ensino superior. A vulnerabilidade social se intensifica diante de um mercado de trabalho precarizado: 90% das travestis e mulheres trans entrevistadas declararam viver da prostituição, enquanto 72% atuavam na informalidade.

“Estamos falando de uma população cuja expectativa de vida é de apenas 35 anos no Brasil. As pessoas trans precisam ter oportunidades reais de sair desse ciclo de exclusão. A universidade pública precisa ser esse caminho”, defende Viviana.

Ela reforça que a proposta está alinhada ao Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da universidade e ao desafio institucional de ampliar ações afirmativas. “Se quisermos ser, de fato, uma universidade plural e comprometida com a justiça social, precisamos garantir esse espaço. A formação universitária é também um instrumento de transformação da sociedade”, acrescenta.

Para a presidenta do Fórum LGBTQIA+ da Serra, Layza Lima, que acompanha o debate desde 2024, a política de cotas é uma reparação necessária. “O nosso direito à escola e à universidade não pode mais ser negado. A educação precisa afirmar a vida das pessoas trans. A Ufes não pode retroceder”, afirma.

‘Expulsão silenciosa’

A proposta da Ufes se apoia em marcos jurídicos e técnicos que respaldam a autodeclaração de identidade de gênero como princípio legal, conforme decisões do Superior Tribunal Federal (STF) e diretrizes internacionais. A nota técnica da Antra, que tem sido utilizada como referência pelo GT, sustenta que as cotas trans devem ser entendidas como medidas reparatórias frente a uma exclusão histórica e estrutural.

“A exclusão educacional da população trans e travesti não é fruto de abandono, mas de um processo de expulsão silenciosa”, destaca o documento. A Antra também enfatiza que apenas 0,2% dos estudantes universitários é trans e travesti, segundo dados da Andifes — um índice muito distante da estimativa populacional de 2%

Entre as recomendações da entidade, estão a criação de comissões de acompanhamento (e não de verificação de identidade), formação continuada de servidores e campanhas institucionais de divulgação.

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