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PGR e AGU divergem sobre ‘lei antigênero’ nas escolas do Espírito Santo

Paulo Gonet deu parecer contrário à ação que questiona constitucionalidade da norma

Pedro França/Agência Senado

O procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet Branco, emitiu, nessa terça-feira (7), um parecer desfavorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida contra a Lei nº 12.479/2025, também chamada de “lei antigênero” das escolas do Espírito Santo, no Supremo Tribunal Federal (STF). O posicionamento vai de encontro ao que defendeu o advogado-geral da União (AGU), Jorge Rodrigo Araújo Messias, sobre o mesmo tema.

A Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) também já havia se manifestado contrária à constitucionalidade da “lei antigênero”, em ação sobre o mesmo assunto que tramita Tribunal de Justiça do Estado (TJES). O Ministério Público de Contas (MPC-ES) ingressou com representação pedindo a suspensão da aplicação da lei, solicitando que o governo estadual e as prefeituras capixabas se abstenham de regulamentá-la ou tomar qualquer medida com base na nova norma.

A ADI foi ajuizada no STF pela Aliança Nacional LGBTI+, pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh) e pelo Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans). Entretanto, na opinião de Paulo Gonet, essas entidades não representam classes profissionais diretamente afetadas pela nova lei e, por isso, não possuem legitimidade para ingressar com a ação.

O procurador-geral questiona também a invocação de normativas internacionais na ADI, como os Princípios de Yogyakarta e a Convenção Americana de Direitos Humanos – as quais, segundo ele, “detêm status supralegal, mas infraconstitucional, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal; suas normas e as de seu Protocolo não se prestam, portanto, a invalidar leis estaduais em controle abstrato de constitucionalidade”.

Ao tratar especificamente do mérito da questão, Paulo Gonet afirma que a lei do Espírito Santo “não interfere na liberdade de expressão ou de cátedra, tampouco impõe ou veda que sejam ministrados assuntos relacionados à ideologia de gênero nas escolas públicas e privadas da rede estadual de ensino. O diploma apenas assegura aos pais e responsáveis o direito de subtrair a participação de seus filhos ou tutelados em atividades pedagógicas relacionadas ao tema”.

Chama a atenção no parecer o uso do termo “ideologia de gênero”, que foi cunhado por grupos conservadores, mas que não apresenta base científica – a expressão é repetida em outro trecho. Gonet argumenta ainda que a lei “tampouco cuida de currículos, conteúdos programáticos, metodologias de ensino ou modos de exercício da atividade docente, não se cogitando de invasão da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional”.

Para o procurador, a lei “cuida, em realidade, de aspecto relacionado à escolha dos pais ou responsáveis pelo momento adequado e forma de contato de seus filhos com temas contemporâneos e que eventualmente não correspondam às suas convicções e valores pessoais e familiares. Não se vislumbra, portanto, ofensa à liberdade de expressão e de cátedra decorrente da faculdade conferida pela lei questionada”.

Paulo Gonet utiliza como precedentes manifestações dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso, em que defendem que as famílias têm o “dever solidário” de cuidar de aspectos educacionais de crianças e adolescentes. Entretanto, como reconhece o próprio Gonet, as falas se deram no âmbito do julgamento de uma ação sobre educação domiciliar, e não sobre atividades relacionadas a questões de gênero. Inclusive, a Corte decidiu contra o direito público subjetivo à educação domiciliar sem regulamentação legal.

Curricular e extracurricular

A “lei antigênero” prevê, em seu artigo 3º, que “as instituições de ensino deverão informar aos pais ou aos responsáveis sobre quaisquer atividades pedagógicas de gênero que possam ser realizadas no ambiente escolar, sob pena de serem responsabilizadas civil e penalmente, conforme o caso”. Não há, portanto, qualquer distinção entre atividades curriculares ou extracurriculares.

A argumentação do advogado-geral da União atacou justamente esse problema. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), o Plano Nacional de Educação (PNE) e resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) preveem a aplicação de conteúdos de inclusão e de tolerância nas atividades pedagógicas das escolas. Sendo assim, a lei estadual não pode interferir em conteúdo curricular das escolas, pois isso implica invasão de competência privativa da União.

Entretanto, para Jorge Messias, estados podem criar normas para “conteúdos de atividades pedagógicas que extravasam tais finalidades e alicerces da educação”. Sendo assim, defendeu que “seja fixada interpretação conforme a Constituição à lei atacada, de modo a se estabelecer que o direito parental de escolha nela veiculado somente pode ser aplicado a atividades pedagógicas que o currículo escolar considere eletivas ou que extravasem a base curricular mínima exigida” – apesar de a lei capixaba não fazer diferenciação entre atividades obrigatórias ou eletivas.

Em posicionamento enviado à ministra-relatora da ação no STF, Carmem Lúcia, o governador Renato Casagrande (PSB), embora tenha se omitido antes, deixando correr a sanção tática da lei, adotou a mesma linha de defesa da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Ele disse que a norma “viola dispositivos constitucionais e jurisprudência consolidada do STF e a competência legislativa privativa da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação, bem como a vedação constitucional a quaisquer formas de censura e à liberdade de cátedra e concepções pedagógicas de professores”.

Já o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (União), apresentou posição divergente. O deputado sustenta que “a norma está em conformidade com a Constituição Federal e visa apenas promover o diálogo entre família e escola”. Trata-se, segundo a manifestação, “de uma iniciativa que não traz qualquer proibição, mas apenas um convite a uma salutar e legítima integração entre a escola e a família no processo de formação pedagógica da criança e do adolescente”.

Ação do Psol

O procurador-geral de Justiça Francisco Martínez Berdeal se manifestou no âmbito da ação movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) no Tribunal de Justiça do Estado (TJES), adotando um posicionamento mais incisivo do que o da AGU no processo que corre no STF.

Segundo o procurador, “o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente reconhecido a inconstitucionalidade de normas locais que, a pretexto de regular a atividade educacional, avançam sobre matéria de competência privativa da União”.

O representante do Ministério Público do Estado (MPES) argumenta que a lei emprega expressões genéricas e imprecisas, como “ensino de gênero”, “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “outros assuntos similares”, incorrendo em “grave vício de indeterminação normativa”.

“A ausência de critérios objetivos”, acrescenta, “abre espaço para interpretações arbitrárias, denúncias infundadas e censura prévia, instaurando clima de insegurança no ambiente escolar, com potencial de paralisar a atividade pedagógica e silenciar docentes”.

Além disso, o procurador defende que a lei fragiliza políticas afirmativas e protetivas já consolidadas. “O retrocesso é ainda mais grave diante da realidade do Estado do Espírito Santo, que ocupa posição alarmante nos índices de feminicídio e violência doméstica. Segundo dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública (Sesp-ES), entre 2022 e 2025 foram aplicadas mais de 78 mil medidas protetivas de urgência, com registros contínuos de feminicídios e agressões”, cita o procurador.

Assim como a AGU, o procurador de Justiça defendeu a suspensão cautelar da lei, tendo em vista o “perigo da demora”. Outra ação sobre o mesmo tema, de autoria do Partido dos Trabalhadores (PT), também está em tramitação no Judiciário capixaba.

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