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Deputado Alcântaro Filho é condenado por danos morais

Ação foi movida por diretora de escola, que apontou “falsa acusação de proselitismo religioso”

O deputado estadual Alcântaro Filho (Republicanos) foi condenado pelo 1º Juizado Especial Cível de Vitória a pagar R$ 4 mil por danos morais a Rowena Porto das Neves, diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Maria Ortiz, no Centro de Vitória. A decisão, da juíza Patrícia Leal de Oliveira, também determina que o parlamentar exclua, no prazo de 48 horas, de suas redes sociais, vídeos nos quais ele expõe uma atividade desenvolvida na escola em novembro de 2024.

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Redes sociais

A atividade tratava-se de uma apresentação teatral sobre cultura africana, incluindo as religiões, por ocasião do Dia da Consciência Negra. Na decisão, consta que a diretora alegou que o deputado “teria iniciado uma campanha difamatória e de perseguição em suas redes sociais”, e que os vídeos foram “editados e descontextualizados do evento com o título ‘culto Exu na escola’, imputando-lhe a falsa acusação de proselitismo religioso em ambiente escolar, o que teria gerado ampla repercussão negativa e violação à sua honra e imagem”.

“Por fim, alega que a conduta do requerido lhe causou grave abalo moral, profissional e psíquico, uma vez que a exposição vexatória a colocou em posição de vulnerabilidade, ensejando a necessidade de amparo por meio de diversas notas de repúdio e moções de apoio, que corroboram o dano sofrido”, aponta a sentença.

A juíza, primeiramente, faz uma análise constitucional para, depois, abordar temas relacionados à diversidade étnico-racial no ambiente escolar. A magistrada aponta que a Constituição Federal, no artigo 5º, trata do “direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, podendo a violação destes direitos ser passível de indenização por dano material ou moral”.

Destaca, ainda, o direito à honra pode ser entendido sob duas perspectivas. Uma é a subjetiva, “relacionada a percepção da pessoa sobre si mesma”. A outra, objetiva, “relacionada a reputação perante terceiros, sendo ambas protegidas pelo Direito, seja no âmbito cível ou criminal”. “De igual modo, o direito à imagem, também assegurado constitucionalmente, resguarda a prerrogativa que cada indivíduo possui sobre sua própria representação, seja ela fisionômica ou comportamental. Sua violação ocorre com a exposição não autorizada, independentemente do caráter vexatório ou não da exibição, ou quando a imagem é utilizada de forma distorcida, associada a um contexto que não corresponde à realidade dos fatos”, avalia.

Além disso, argumenta que a liberdade de expressão não é ilimitada. “Seu exercício encontra barreiras nos demais direitos e garantias igualmente tutelados pela Carta Magna, notadamente nos direitos da personalidade, como a honra, a imagem, a intimidade e a vida privada. A manifestação do pensamento, portanto, deve se dar de forma responsável, sem transbordar para o campo da ofensa pessoal, da calúnia, da difamação ou da injúria”.

Prossegue dizendo que a imunidade parlamentar, prevista no artigo 53 da Constituição, “constitui uma prerrogativa de índole material e processual outorgada aos membros do Poder Legislativo, com o fito de lhes assegurar a ampla liberdade de expressão e o pleno exercício do mandato, protegendo-os de perseguições políticas ou de coações que possam cercear sua atuação”.

“Esta prerrogativa, contudo, não se reveste de caráter absoluto. A imunidade material, também conhecida como inviolabilidade, que isenta o parlamentar de responsabilidade civil e penal por suas opiniões, palavras e votos, está estritamente condicionada ao nexo de causalidade com o exercício do mandato. Em outras palavras, a manifestação do parlamentar deve guardar pertinência com sua função legislativa ou fiscalizatória, não se estendendo a ofensas de natureza pessoal ou a atos que transbordem os limites da atividade parlamentar para configurar abuso de direito”, aponta.

No que diz respeito à abordagem de temas relacionados à diversidade étnico-racial no ambiente escolar, a juíza afirma não se tratar de “uma mera faculdade pedagógica, mas sim uma obrigação legal imposta a todas as instituições de ensino, públicas e privadas. A matéria é regida, precipuamente, pela Lei nº 10.639/2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional[LDB – Lei nº 9.394/1996] para instituir a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira”.

Consta, ainda, na sentença, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) “ampara a compreensão de que a cultura e a religião podem caminhar entrelaçadas na formação identitária de uma nação, e a presença de símbolos decorrentes dessa fusão em espaços públicos, por si só, não configura uma ofensa ao Estado laico, mas sim o reconhecimento de um legado histórico e cultural”.

Com base na diretriz curricular da Secretaria Estadual de Educação (Sedu), a juíza afirma que não se constitui “uma mera carta de intenções, mas sim a materialização, em âmbito estadual, das determinações contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ao prever expressamente a abordagem das ‘relações étnico-raciais’ como tema inerente ao currículo, a Secretaria internaliza e regulamenta a aplicação do art. 26-A da LDB, orientando os educadores a promoverem a diversidade e o respeito, em total conformidade com a legislação federal”.

Além disso, ressata que “pela prova dos autos o evento aparenta ter cumprido com o dever legal imposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que, como já fundamentado, torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira. Ante a ausência de prova em contrário pelo requerido reputo que a abordagem de temas religiosos de matriz africana, neste contexto, não se deu sob a forma de culto ou proselitismo, mas como uma inafastável expressão cultural, em consonância com o entendimento de que o fenômeno religioso é também um componente histórico e identitário da formação de um povo”.

Afirma, ainda, que a análise dos vídeos publicados pelo parlamentar “não revela a prática de qualquer ritual litúrgico. O que se observa é uma manifestação artística e cultural que, embora aluda a divindades do panteão afro-brasileiro, o faz como elemento de uma narrativa cênica e histórica. A própria trilha sonora, que inclui canções de artistas consagrados da música popular brasileira, como Elza Soares, evidencia a profunda e indissociável conexão entre a religiosidade de matriz africana e a cultura nacional, demonstrando que o tema foi tratado sob uma ótica cultural, e não dogmática”.

Sobre a conduta do deputado, a juíza aponta que “embora, a princípio, seja lícito registrar a atuação de um servidor público em sua função, a forma como se deu a abordagem revela um nítido excesso”. “As provas dos autos, em especial a ‘Ata Extraordinária do Conselho de Escola’ (Id. 64130833), demonstram que a ação do réu não se limitou a uma simples coleta de informações, mas descambou para a intimidação, perturbando o ambiente de trabalho e constrangendo a servidora. Neste ponto, a atitude da autora, como autoridade máxima da unidade escolar, ao zelar pela segurança e regularidade do ambiente, mostrou-se legítima e dentro de suas atribuições”, diz a sentença.

Acrescenta que “a subsequente edição e publicação dos vídeos nas redes sociais, contudo, representa a faceta da conduta do requerido que se distancia do estrito exercício da função fiscalizatória. A divulgação do material de forma descontextualizada, sob o título ‘culto Exu na escola’, confere à sua atuação um contorno de exposição pública que aparenta ir além do debate de interesse coletivo, aproximando-se de um juízo de valor sobre a atividade pedagógica e, por consequência, sobre a sua idealizadora”.

“Neste contexto, pouco importa que o nome da autora não tenha sido expressamente mencionado em todas as publicações. Ao direcionar a crítica à escola, a figura da diretora, como sua representante máxima e responsável legal pelo projeto pedagógico, torna-se o alvo implícito e facilmente identificável da ofensa. A associação entre o evento, a instituição e sua gestora é direta e inevitável, de modo que a ofensa dirigida à escola atinge, por via de consequência, a honra e a reputação de quem a dirige. A ampla repercussão, com mais de cem mil visualizações e comentários ofensivos à autora, evidencia que a conduta extrapolou o debate político para atingir diretamente a sua honra e imagem”, enfatiza.

O texto também considera que “a fragilidade da alegação de fiscalização é corroborada pela ausência de desdobramentos institucionais sérios após o ocorrido. Conforme admitido em depoimento pessoal, para além da realização de uma audiência pública, não há nos autos prova de qualquer relatório, representação ou outra medida legislativa ou administrativa que conferisse um caráter de interesse público à sua diligência”.

No entanto, a juíza indeferiu o pedido de retratação pública, alegando que a condenação ao pagamento de indenização por danos morais “já constitui a medida legal adequada e suficiente para a reparação do dano, cumprindo sua função tanto reparatória à vítima quanto punitivo pedagógica em relação ao ofensor, sendo o meio por excelência que o ordenamento jurídico prevê para reequilibrar a relação jurídica violada”.

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