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‘Sal-gema não é uma saída para o desenvolvimento da cidade’

Quilombolas reforçam rejeição ao projeto que tem Felipe Rigoni como “embaixador”

As comunidades quilombolas de Conceição da Barra, no norte do Estado, reafirmaram posição contrária à instalação do projeto de extração de sal-gema no município, durante o 2º Seminário dos Impactos do Sal-Gema na Pesca Artesanal no Espírito Santo, realizado no último sábado (25), no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Quilombola Negro Rugério, em Santana.

O evento foi coordenado pelo Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) com apoio da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase/ES) e contou com a participação de representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da Rede Cidadania – além da presença inesperada do empresário Adriano Rodrigues Linhares, sócio da Sal-Gema do Brasil, responsável por cinco das onze jazidas mapeadas na região.

O encontro marcou um novo capítulo na mobilização social contra o empreendimento, que ainda se encontra em fase de estudos e licenciamento ambiental, segundo informações apresentadas pela própria empresa.

“Para nós, dos movimentos sociais, como todo megaempreendimento, sabemos que é impactante”, afirmou João Batista Guimarães, coordenador do coletivo de agroecologia Terra do Bem, ligado à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). “O seminário foi um momento de resistência. A proposta não é procurar uma solução para extrair o sal-gema, e sim alertar que esse tipo de projeto não é uma saída para o desenvolvimento da cidade”.

João denuncia que há forte pressão política e econômica para viabilizar o projeto. “Nós percebemos que há uma vontade do governador Renato Casagrande (PSB), da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, [Seama, sob liderança de Felipe Rigoni (União)] e também do prefeito de Conceição da Barra [Erivan Tavares (PSB)]. Tem muita força política e um capital sujo por trás disso”, criticou.

Seguindo a avaliação da Conaq, ele aponta que o avanço do projeto repete um padrão de desigualdade histórica e exclusão vivido pelas comunidades quilombolas e pesqueiras da região do Sapê do Norte, que compreende ainda o município de São Mateus. “Já vivemos há 50 anos o impacto do papel e celulose, com o eucalipto [da Suzano, ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria] expulsando quilombolas do campo. Mais de 10 mil famílias foram expulsas, e até hoje não há reparação. Agora vem mais uma ameaça, que pode mudar até o lugar onde a cidade está: talvez a solução seja construir uma cidade do futuro, porque essa pode afundar”, alertou, referindo-se aos riscos e ao caso de Maceió, Alagoas, em decorrência da mineração de sal-gema pela Braskem.

Durante o seminário, João relata que o representante da da Sal-Gema do Brasil, afirmou que a planta industrial seria instalada a cerca de 10 km da comunidade quilombola mais próxima e a 3 km do Rio São Mateus, ocupando uma área de 10 hectares. O empresário teria dito ainda que a operação usará apenas água do mar, sem afetar os poços de água doce, e assegurado que os blocos localizados sob comunidades tradicionais teriam sido “anulados na Justiça por 200 anos”.

As explicações não convenceram as lideranças locais. “Ele disse que o que aconteceu em Maceió não vai acontecer aqui, que agora há tecnologia e monitoramento. Mas não apresentou nada que comprove isso. É o mesmo discurso desenvolvimentista de sempre”, pontuou. “Eles tentam justificar dizendo que o Estado precisa de cloro para tratar água e de sal para o gado. Mas isso é uma cortina de fumaça. Não é desenvolvimento, é destruição”, reforça.

O articulador quilombola afirma que as dúvidas sobre segurança ambiental, geração de empregos e uso da água permanecem. “Perguntamos quem vai trabalhar, quem garante que essa perfuração é segura…ele não deu respostas claras. E ainda disse que vai durar 200 anos. Quem garante isso? Que governo vai estar aqui daqui a 200 anos?”, questionou.

Ao final do seminário, as organizações presentes aprovaram uma carta de recusa ao projeto, dirigida ao governo estadual. “A mensagem das comunidades ao governo é clara: a gente não vai aceitar a perfuração. Vamos continuar fazendo resistência. Há outras soluções possíveis para a cidade”, reafirmou João Batista. Entre essas alternativas, ele cita o fortalecimento da agricultura familiar, a titulação dos territórios quilombolas e a agroecologia. “Os territórios quilombolas titulados têm muito mais condições de gerar riqueza para o município do que perfurar sal-gema num contexto de contaminação”.

A Conaq e as demais organizações pretendem elaborar um protocolo de consulta livre, prévia e informada, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Vamos tentar construir esse instrumento de defesa, mas requer articulação, investimento, formação das comunidades. E o tempo das empresas não é o mesmo que o das comunidades. Para eles, o tempo é o lucro; para nós, é a vida”, enfatizou João.

As comunidades do Sapê do Norte convivem com múltiplos impactos socioambientais, reitera. “Tem o eucalipto, o papel e celulose, o setor sucroalcooleiro, a Petrobras com tubulações e cavalinhos nas comunidades, e ainda a contaminação da Samarco [Vale-BHP]. Estamos lotados de impactos”, enumera. Ele denuncia ainda a vulnerabilidade social e institucional. “O governo não assume a população quilombola de fato. Temos erros de estatística, dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] que não refletem a realidade. As comunidades estão desassistidas”, destaca.

Apesar das incertezas sobre o avanço do projeto, que ainda está em fase de estudos e licenciamento, os movimentos sociais preparam novas mobilizações. “O seminário foi um passo importante, agora queremos ampliar o debate e pressionar o governo a ouvir as comunidades. A proposta é que, antes de qualquer licença, o Estado garanta a consulta e o respeito aos direitos dos povos tradicionais”, reforça.

‘Racismo ambiental’

O Espírito Santo é considerado um ponto estratégico na cadeia produtiva da mineração nacional, com uma exploração que não se limita à extração direta, mas também às suas funções logísticas, sendo um corredor para a exportação de minérios extraídos em Minas Gerais e em outras regiões do país. Um ponto de alerta crescente é a iminente exploração da a maior jazida de sal-gema da América Latina, que em grande parte está no interior da Área de Preservação Ambiental (APA) do município de Conceição da Barra.

No segundo semestre de 2024, três anos após o leilão de onze áreas de sal-gema no norte do Espírito Santo, o zoneamento ambiental da unidade de conservação foi alterado para permitir mineração em locais onde foram identificadas presenças de jazidas.

Três dos locais designados como zona de produção estão próximos a uma área identificada no novo zoneamento como “subzona de sobreposição (quilombos)”, onde há sobreposição do território da unidade de conservação com outras áreas protegidas, como terras indígenas e territórios quilombolas delimitados, entre eles, as comunidades de Porto Grande e Córrego do Alexandre.

Iema

Com a alteração no zoneamento, as empresas vencedoras do leilão realizado pela Agência Nacional de Mineração (ANM) em setembro de 2021 podem agora solicitar a licença ambiental necessária para iniciar a mineração nas áreas classificadas como zonas de produção.

Entre as quatro empresas que adquiriram o direito sobre blocos de sal-gema na região, pelo valor aproximado de R$ 170 milhões, três têm sede no Espírito Santo – Sal-Gema do Brasil LTDA, em Conceição da Barra; SG Brasil Mineração Ltda, em Cachoeiro de Itapemirim (região sul); e Dana Importação e Exportação, em São Mateus – além de uma multinacional, a Unipar Carbocloro S.A. Até então, o órgão federal não permite a operação, apenas a realização de pesquisas, como levantamento geológico e análise laboratriais.

As zonas de produção cercam os territórios quilombolas e indígenas, que têm direito de serem informadas sobre os impactos das atividades que afetam seus modos de vida e culturas e consultadas antes de qualquer decisão ou projeto que incida em seus territórios, conforme o princípio da “consulta livre, prévia e informada”, previsto na Convenção 169 da OIT.

Daniela Meirelles, coordenadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), aponta que o modelo de exploração mineral em curso no país é um reflexo do chamado “racismo ambiental”. “Os territórios pesqueiros, quilombolas e de camponeses são colocados como zonas de sacrifício para manter o modelo de desenvolvimento baseado na mineração e no agronegócio”, critica. Segundo ela, o histórico de exploração de recursos demonstra que os impactos negativos são sempre desigualmente distribuídos, recaindo sobre as populações mais vulneráveis.

A exploração mineral tem se intensificado em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil, onde o aumento do número de requerimentos na ANM reflete a corrida global por minerais estratégicos. Um levantamento do Observatório da Mineração aponta um crescimento exponencial nos pedidos de exploração de minérios no mar brasileiro regustrados nos últimos anos, sendo metade dos 28 pedidos para extração do sal-gema localizados no Espírito Santo.

Impulsos políticos

O projeto de extração do mineral foi um dos principais impulsionadores da primeira campanha para deputado federal do atual secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Felipe Rigoni. Após o colapso da Braskem em Maceió, causado pelo afundamento do solo decorrente da mineração de sal-gema, cujo escândalo eclodiu em 2018, ele identificou uma oportunidade para desbloquear o leilão das jazidas capixabas, descobertas na década de 1980.

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Tati Beling/Ales

Sua atuação junto à Agência Nacional de Mineração foi fundamental para sua vitória eleitoral, na qual se destacou como o segundo mais votado da história e o primeiro deputado federal cego a ocupar a Câmara dos Deputados. O leilão das jazidas aconteceu em setembro de 2021, mas, no ano seguinte, Rigoni foi derrotado nas urnas, já filiado ao União Brasil, onde atualmente preside a seção estadual.

Após sua derrota, Rigoni foi designado pelo governador reeleito Renato Casagrande (PSB) para liderar a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama). Sua nomeação gerou protestos entre os técnicos do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a autarquia vinculada à secretaria, em relação ao desempenho ambiental de Rigoni durante seu tempo no Congresso.

As relações estabelecidas com setores interessados no sal-gema em território estadual foram consideradas uma das questões mais alarmantes, pois indicam uma “submissão flagrante da estrutura governamental aos interesses de grupos econômicos”. A gestão de Rigoni também é criticada por sua abordagem autoritária e falta de diálogo com a comunidade e a equipe técnica do Iema na tomada de decisões.

Colapso em Maceió

A mineração de sal-gema realizada pela Braskem por mais de quatro décadas em Maceió provocou um colapso estrutural que condenou cinco bairros da cidade, afetando quase 70 mil pessoas. A escavação de 35 minas, operando a cerca de 1.200 metros de profundidade desde a década de 1970 até 2019, quando os trabalhos foram interrompidos após os primeiros sinais de afundamento, resultou na formação de crateras subterrâneas do tamanho do Complexo Esportivo do Maracanã. A catástrofe vem ocorrendo em câmera lenta, com o solo progressivamente afundando.

Ao deixarem suas casas, muitas famílias não tiveram outra opção senão aceitar um acordo com a Braskem, que oferece apenas R$ 81 mil para cada uma delas, valor insuficiente para adquirir um novo imóvel e, menos ainda, cobrir todos os danos causados.

O desastre continua a se agravar e “as ações de reparação são absolutamente insatisfatórias”, como aponta o Observatório da Mineração sobre as omissões da empresa, que se mantém blindada, sob o título de maior petroquímica das Américas e uma das mais rentáveis aos investidores nos últimos anos.

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