As ligações entre a empresa Delta Construções S/A e o Espírito Santo vão muito além dos contratos firmados no governo Paulo Hartung (PMDB). De acordo com o relatório final da CPI do Cachoeira, que investiga o tráfico de influência da empreiteira com políticos, a empresa laranja Garra Transportadora e Locação Logística de Veículos Ltda, registrada no município de Viana, foi uma das principais operadoras do sistema de lavagem de dinheiro pela empresa carioca. A Garra foi a terceira empresa laranja investigada com maior movimentação financeira oriundas da Delta: R$ 23,507 milhões dos R$ 173 milhões registrados em transações feitas pela empresa.
Nos últimos dois anos, a empresa laranja capixaba foi responsável por 25% do repasse de dinheiro, que somaram pouco mais de R$ 92 milhões, para empresas classificadas pela CPI como “suspeitas” (confira mais detalhes sobre a empresa abaixo).
No texto, o relator dos trabalhos, deputado Odair Cunha (PT-MG), sugere o aprofundamento das investigações em relação aos repasses. No relatório final, o parlamentar sugere que as 77 empresas laranjas identificadas teriam sido utilizadas para lavar o dinheiro da Delta Nacional no pagamento de propinas a políticos, financiamento de campanhas eleitorais e repasses para a organização criminosa encabeçada pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira.
As relações comerciais da Delta Construtora no Espírito Santo giram em torno do governo estadual e o mercado imobiliário local. A estrutura da empresa no Estado passa pelo engenheiro José Maria Oliveira Filho, irmão do atual sócio do ex-governador, o ex-secretário de Fazenda José Teófilo de Oliveira. José Maria responde como gestor comercial da Delta Incorporação – um dos braços da empresa que era chefiada por Fernando Cavendish, um dos indicados pelo relator da CPI.
No organograma do grupo, o irmão do sócio de Hartung aparece abaixo apenas do diretor regional Luiz Henrique da Cunha Borges, responsável pelos estados do Espírito Santo e Minas Gerais. No entanto, as principais atribuições pela atuação do Grupo Delta em solo capixaba ficavam com o engenheiro. Tanto que a empresa iniciou sua relação com o governo capixaba ainda no primeiro mandato do peemedebista, no final de 2005.
A empresa foi a principal beneficiária dos contratos para obras do programa de pavimentação de estradas vicinais, batizado como Caminhos do Campo. Até o encerramento dos acordos, em 2007, a Delta faturou cerca de R$ 23 milhões com os serviços. Apesar das denúncias da baixa qualidade na execução das obras, conhecidas popularmente como “asfalto sonrisal”, em alusão ao rápido desgaste do asfalto utilizado, a empresa carioca só ampliou a sua participação no governo Hartung.
Entre os anos de 2006 e 2010, a Delta faturou lucrativos acordos no Departamento de Estradas de Rodagem do Estado (DER-ES) e a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), relações que foram explicitadas no relatório da CPI. No primeiro órgão, a empresa arrematou seis contratos de obras de pavimentação e reabilitação de trechos das rodovias estaduais, no total de R$ 118 milhões.
Desde 2008, a empresa figura em contratos na Cesan para a prestação dos serviços de manutenção das redes de esgoto na Grande Vitória. Ao todo, os ganhos do acordo com a empresa ultrapassam R$ 90 milhões com a companhia. Nem mesmo a mudança de governo influiu nessa relação comercial entre a Delta e a Cesan, que é dirigida por aliados de primeira hora do ex-governador.
Em abril deste ano, o diretor-presidente da Cesan, Neivaldo Bragato – que foi secretário de Governo na gestão passada –, assinou um novo aditivo com a empreiteira carioca, ignorando o desenrolar das investigações pela CPI em Brasília. O atual número dois na companhia é o diretor administrativo e de Meio Ambiente, Anselmo Tozi, que foi titular da pasta de Saúde no governo Hartung.
Nos meios políticos, essa relação entre a Delta e o governo estadual reforça a necessidade do aprofundamento nas investigações sobre a Garra Transportadora, como sugerido pelo relator. Durante os trabalhos da CPI, o deputado federal Paulo Foletto (PSB) chegou a anunciar que pediria a convocação de José Maria, mas a solicitação não foi levada a cabo pelo deputado – que pediu afastamento dos trabalhos da CPI sem uma justificativa clara.
Enquanto o socialista recuava na intenção de aprofundar as apurações das relações da Delta Construtora no Espírito Santo, outro membro da bancada capixaba na CPI passou a ter uma atuação mais aguda: o senador Ricardo Ferraço (PMDB), que chegou a ser apontado pela imprensa nacional como um dos integrantes da comissão com ligações com a Delta. Já que na época da chegada da empresa ao Estado, o peemedebista – então vice-governador – ocupava a pasta de Agricultura, que era responsável pelas obras do Caminhos do Campo.
Conheça uma “empresa de fachada”
No relatório final da CPI, a Garra Transportadora foi apontada como uma das principais companhias que receberam dinheiro vindo das contas da Delta Construtora. No entanto, a movimentação de R$ 23 milhões entre 2011 e 2012 parece não ter chamado atenção dos vizinhos do local onde está registrada a suposta empresa, na rua Coronel Laurentino Pimentel, número 170, no centro de Viana (região Metropolitana da Grande Vitória).
Nos últimos meses, a reportagem de Século Diário visitou o local apontado como a sede da empresa que recebeu o dinheiro da Delta. No endereço, ao invés de um prédio comercial ou galpão de uma transportadora, a suposta sede da Garra se resume a uma residência com dois pavimentos, espaçosa garagem no térreo, em uma rua pouco movimentada, com calçamento de paralelepípedos – ao lado da rua que dá acesso à Igreja Matriz do município.
O imóvel denunciava a presença de moradores por conta de um lençol pendurado em um varal no terraço, porém, ninguém atendeu a campainha. Poucas pessoas circulavam pela rua. Moradores das casas ao lado não faziam ideia que o local seria a sede de uma empresa que movimentou R$ 23 milhões nos últimos dois anos.
A reportagem do jornal Folha de S. Paulo, que revelou a existência do esquema das empresas laranjas pela Delta Nacional, localizou Gláucio Barcelos no subúrbio do Rio, distante mais de 500 quilômetros da sede da Garra. Ela declarou à Folha que trabalhava como pedreiro e não quis dar mais detalhes sobre o fato de aparecer como sócio da empresa laranja.
De acordo com o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, a empresa enviou R$ 7,27 milhões, no período de 01/02 a 30/04/2012, para a Conta Corrente nº 176905, na agência 525 do banco HSBC, na cidade do Rio de Janeiro, titulada pela empresa Garra Transp. e Loc. Logística de Veículos.
Segundo o registro na Junta Comercial do Espírito Santo (Jucees), a Garra iniciou suas atividades no dia 25 de outubro de 2010, com um capital social de apenas R$ 10 mil. Eliandro aparece com R$ 9,9 mil das cotas sociais, enquanto Gláucio fica com apenas R$ 100. O objetivo social lista como atividades: transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças; intermunicipal, interestadual e internacional; locação de automóveis sem condutor, e locação de veículos com equipamentos de movimentação de carga com operador.