O governador Renato Casagrande defendeu a manutenção dos incentivos fiscais concedidos pelo Estado ao setor atacadista. Em resposta à ação do governo de São Paulo contra os benefícios perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o socialista utilizou uma série de argumentos na tentativa de convencer os ministros sobre a legalidade dos incentivos. Além do aspecto jurídico, Casagrande relembrou o histórico de perdas do Estado e até a falta de infraestrutura para sugerir uma possível evasão das empresas, no caso do fim das vantagens.
No documento de 22 páginas, protocolado nessa terça-feira (18), o mandatário do palácio Anchieta pede que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 4935), movida pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), seja julgada improcedente. O texto é assinado também pelo procurador-geral do Estado, Rodrigo Marques de Abreu Júdice. Eles pedem a rejeição do pedido de liminar pela suspensão imediata de todos os benefícios, que deve ser apreciado em regime de urgência pelo relator do caso, ministro Gilmar Mendes.
Inicialmente, Casagrande sustenta que o governo paulista não teria atribuição de mover o processo contra as normas de outro estado. Para o socialista, a validade dos incentivos – dentro dos chamados Contratos de Competitividade (Compete-ES) – não estaria condicionada à aprovação unânime pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), principal tese do governo paulista.
“A exigência de unanimidade no Confaz acaba por inviabilizar um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja: a redução das desigualdades regionais, que no campo tributário encontra previsão específica. […] Ora, se é reconhecida a fragilidade sócio-econômica dos Estados da região Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País, além do Espírito Santo, parece não existir dúvida de que a instituição de incentivos, benefícios ou quaisquer vantagens fiscais pelos entes hipossuficientes não pode ficar condicionada à vontade política de um único ente da região Sul ou Sudeste”, afirma o governador.
Segundo Casagrande, ele poderia até admitir à unanimidade dos votos dos representantes de Estados com condições financeiras semelhantes, porém, “jamais dos entes federados cuja economia ostenta solidez e maturidade suficiente para dispensar os incentivos fiscais, situação à qual se amolda o Estado de São Paulo”. Na opinião do socialista, a chamada guerra fiscal – disputa entre os estados para garantir condições mais competitivas para atração de investimentos – é fruto da “falência da democracia no Confaz”, circunstância que justificaria a concessão da vantagem até mesmo sem previsão em lei específica.
“Ou seja, são legítimos os incentivos fiscais que, ao fomentar a economia de determinado ente público notoriamente submetido a situação de desvantagem logística e de infraestrutura, engendram condições de competitividade pela remoção de desigualdades. Para estes incentivos, exatamente porque voltados ao objetivo fundamental da República (reduzir as desigualdades sociais), não há necessidade de convênio, notadamente quando a lei exige unanimidade dos Estados mais desenvolvidos”, sustenta.
Apesar da contradição entre a legislação vigente e a concessão dos incentivos sem aprovação do Confaz, o governador pediu a modulação dos efeitos da decisão, isto é, a partir de qual momento o julgado passa a vigorar. Neste caso, Casagrande pede que, se a ação do governo paulista for julgada procedente, os incentivos em vigor sejam mantidos. Para isso, o socialista lançou mão de um discurso emocional, onde cita desde fatos históricos até a “discriminação” por parte da União na tentativa de evitar a evasão das empresas que se instalaram no Estado a partir da condição privilegiada.
“Para compensar problemas que impediam (e continuam a impedir) o crescimento socioeconômico do Estado do Espírito Santo (início tardio da colonização do território capixaba, que servia de barreira para impedir invasões em Minas Gerais; economia marcada pela exploração agropecuária; infraestrutura precária, por conta dos diminutos investimentos do Governo Federal; dentro outros) e diante da cognominada ‘guerra fiscal’ entre entes federados é que foi fixada a política de incentivos fiscais do Estado, tendo especial destaque a concessão do incentivo fiscal para o setor atacadista”, justificou o socialista.
O governador Casagrande mencionou dados do setor na tentativa de justificar a possibilidade de perda de até 20 mil empregos na cadeia produtiva do setor. Ele cita que a maior parte das 676 empresas atacadistas que aderiram ao Compete-ES se instalou no Estado graças aos incentivos fiscais:
“De fato, o benefício fiscal é concedido há, ao menos, dez anos ao setor e há cinco anos com a modelagem vigente. Sua abrupta retirada após esse lapso gerará consequências para as empresas atacadistas em funcionamento no Espírito Santo, como o comprometimento da saúde financeira das empresas, podendo culminar com o fechamento de estabelecimentos comerciais. […] Essa parca infraestrutura [do Estado] afasta empresas, sendo necessária a utilização do mecanismo tributário para atrair as sociedades empresariais para o território capixaba. A retirada do benefício irá trazer resultar incalculáveis para o Estado”.
Pela fórmula do incentivo, as empresas do setor recolhem apenas 1% dos 12% da alíquota normal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Na ADI, o governador paulista sustenta que o benefício causa lesão aos cofres dos outros estados, já que as empresas atacadistas recolhem apenas 1% de tributo em operações interestaduais, mas tiram a nota fiscal com a alíquota normal. A seguir, as empresas compradoras das mercadorias apresentam essa nota ao Fisco dos seus estados para exigir a compensação sobre o crédito de 12%, lesando o erário em 11% do imposto devido.
Nos autos do processo, o governador paulista classifica essa diferença nas alíquotas do imposto como uma “odiosa discriminação tributária” em relação ao índice cobrado nos demais estados. “O estorno de débito do imposto veiculado pelos dispositivos ora atacados causa insegurança jurídica na medida em que contribuintes de ICMS outros estados, poderão efetiva e concretamente migrar para o Estado do Espírito Santo, introduzidos por políticas tributárias que operam contra os princípios conducentes à superação das desigualdades regionais”, critica Alckmin.
De acordo com dados do próprio governo capixaba, o Espírito Santo também não fica com o seu quinhão. Isso porque o setor atacadista é responsável por quase 75% de toda renúncia fiscal concedido pelo Estado. Entre os anos 2014 e 2016, o governo deve abrir mão de R$ 2,77 bilhões em tributos por conta dos incentivos. Deste total, as empresas atacadistas vão deixar de recolher R$ 2,057 bilhões aos cofres públicos.
Somente este ano, as empresas do segmento devem deixar de arrecadar R$ 650,64 milhões. A título de comparação, o valor é superior aos gastos previstos com a reconstrução do Estado após as chuvas de dezembro passado – estimado em R$ 540 milhões.