O governo do Estado pode abrir mão de até meio bilhão de reais na arrecadação de impostos somente com a concessão de benefício fiscal à mineradora Samarco. Esse cenário é o resultado da publicação do Termo de Acordo nº 001/2014 entre a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) e a empresa, que autoriza a utilização de créditos tributários da mineradora na compensação do imposto devido na importação de máquinas e equipamentos.
No início do ano passado, o estoque de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) declarado pela empresa era de R$ 473 milhões. Hoje, o número deve ser ainda superior. Para efeitos de comparação, no início de 2012, o estoque registrado era de R$ 382 milhões, o que representa uma alta de 23% por ano.
Apesar de serem declarados como papel podre no restante do mercado, os créditos de ICMS – gerados a partir da exportação de commodities e produtos semi-elaborados em função da Lei Kandir – se transformaram em uma nova fonte de receitas para os grandes projetos instalados no Espírito Santo. Além do grande balcão de negociação dos créditos com terceiros (devedores do Fisco) – aberto com anuência do próprio governo –, as grandes empresas também contam com a possibilidade de utilização na compra de equipamentos.
Pela legislação, o maquinário novo só pode desembarcar nos portos capixabas após o pagamento do tributo, que varia entre 12% e 17% do total do produto. Em alguns casos, peças e equipamentos prontos chegam a custar dezenas de milhões de dólares. Neste momento, o governo do Estado entra em cena e permite a utilização integral dos créditos de ICMS acumulados pela empresa, que são negociados no mercado com deságio de 75% a 80%. Com isso, o governo abre mão da arrecadação direta em troca da redução do estoque de papéis da mineradora.
O termo de acordo, assinado pelo secretário da Fazenda, Maurício Duque, estabelece que o prazo de vigência do benefício vai desde o último dia 1ª até o dia 31 de janeiro de 2016. Não há maiores detalhes sobre a existência de limites na compensação de créditos ou a possibilidade de utilização em empresas controladoras.
Durante o governo Paulo Hartung (PMDB) um acordo semelhante beneficiou a Aracruz Celulose (Fibria), que perdura na atual administração. No caso da empresa de celulose, ela pode utilizar os seus créditos na compensação de equipamentos para outras unidades industriais do grupo Votorantim, que adquiriu a empresa após a crise internacional de 2008. A Aracruz já havia adotado esse expediente na construção da Veracel, unidade no sul da Bahia, que era uma joint venture com a empresa finlandesa Stora Enso.
De acordo com o último balanço da Aracruz, a empresa registrava um estoque de R$ 667 milhões em créditos de ICMS ao final de 2013. A empresa também anunciou que espera realizar um total de R$ 829 milhões em créditos até o final de 2020, ou seja, transformar os papéis sem quase valor de mercado em dinheiro no caixa da companhia.
No caso da Samarco, o controle acionário da empresa é dividido entre duas mineradoras: a ex-estatal Vale e a australiana BHP Billiton. Chama atenção que a primeira está em vias de iniciar um processo de expansão com a construção da Oitava Usina, que está em fase de licenciamento ambiental. Já a própria Samarco está concluindo o Projeto Quarta Pelotização, que prevê a expansão da capacidade de produção na planta industrial no polo de Ubu, em Anchieta (litoral sul capixaba).
O chamado P4P também estima a realização de obras no complexo portuário no local para atender à nova demanda. Ao todo, o investimento anunciado é da ordem de R$ 5,4 bilhões. Em seu site, a empresa menciona a arrecadação de R$ 590,8 milhões em impostos (federais, estaduais e municipais) como uma das formas de “retorno” às comunidades atingidas. No entanto, o novo incentivo fiscal com o governo capixaba revela que nem tudo ao redor de um projeto industrial desse porte deve ser considerado apenas como boas intenções.