Além das concessões aos grandes projetos e multinacionais, a política de deferimentos no Programa de Incentivo ao Investimento no Estado (Invest-ES) durante o governo Paulo Hartung (PMDB) também atuou no varejo para beneficiar projetos com baixa criação de empregos. Entre 2004 e 2011, o governo estadual assinou 90 termos de acordo – cerca de 40% do total – com empresas que estimaram a criação de menos de 28 vagas de emprego. Somente esse grupo vai levar R$ 1,3 bilhão em incentivos dos cofres públicos nos próximos anos.
Baseado nos documentos obtidos pela reportagem, o levantamento levou em consideração os projetos que estimaram a criação de até 28 vagas de emprego – número que é bastante relativo uma vez que fornecidos pelos empresários na ocasião da solicitação dos incentivos. Deste grupo, 33 empresas não chegaram a prever sequer a criação de mais de dez vagas de emprego (veja tabela completa abaixo), justificativa recorrente na defesa dos incentivos.
Apesar desse pequeno contingente de trabalhadores, o valor dos deferimentos concedidos no varejo ultrapassou, individualmente, a casa das centenas de milhões de reais. Neste grupo de 90 termos de acordo do Invest-ES, o governo abriu mão entre R$ 42 mil a R$ 335 milhões em favor da empresas. Mas não se enganem com o valor mais modesto, referente à implantação da empresa Alstom Brasil no Estado (Termo de Acordo nº 057/2006, inicialmente de R$ 5,06 milhões e depois reduzido em quase sua totalidade). Apenas sete empresas receberam incentivos com valor abaixo da casa dos R$ 500 mil.
Deste grupo, 18 empresas receberam mais de R$ 10 milhões em deferimentos – metade dos negócios ligados à indústria de energia, que também figuram entre os principais contemplados no Invest-ES. As oito empresas (Caparaó Energia S/A, Castelo Energética S/A, São Joaquim Energia S/A Santa Fé Energia S/A, São Pedro Energia S/A, São Simão Energia S/A, Termelétrica Viana S/A e Energest S/A, esta última contemplada duas vezes) receberam R$ 868,5 milhões em troca da criação de apenas 87 vagas – média de um emprego a cada R$ 10 milhões em deferimentos.
Para não sair da área de benefícios aos grandes negócios, o varejo dos incentivos também contemplou empresas que atuaram na expansão da Companhia Siderúrgica de Tubarão (antiga CST, que hoje é ArcelorMittal Tubarão), que teve sozinha mais de R$ 4 bilhões em deferimentos. As empresas Lhoist do Brasil e White Martins, que atuaram nas obras, receberam R$ 72,5 milhões e R$ 121,8 milhões, respectivamente, para atuar na empreitada. Juntas, os dois acordos do Invest-ES estimaram a criação de 38 vagas, média de um emprego a cada R$ 5,1 milhões de incentivo.
Destacam-se nesta lista os incentivos para outras empresas, como o Café Número Um Ltda, que recebeu R$ 11,15 milhões para a revitalização de sua planta industrial – mesmo com o decreto do Invest-ES proibindo a simples troca de equipamento, em acordo assinado em junho de 2008. Pouco mais de dois anos depois, outra empresa do mesmo grupo (Buaiz Indústria e Comércio S/A) recebeu mais R$ 5,079 milhões, desta vez, para a ampliação da fábrica de beneficiamento de trigo em grãos. Todos esses deferimentos teriam repercutido, segundo a empresa, na criação de 35 empregos.
Atacadistas entraram no varejo
Esse grupo de operações do Invest-ES também abrigou os chamados Centro de Distribuição (identificados como CDs nas tabelas publicadas por Século Diário), que também fora alvo dos deferimentos. Na prática, o governo Paulo Hartung legalizou a atividade das empresas atravessadoras de mercadorias importadas, graças aos demais incentivos do Estado, como o Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap), hoje desidratado pela unificação da alíquota de importação.
Naquela época, as empresas tiveram o diferimento (prorrogação) do lançamento e do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre as operações de importação, assim como a redução na base de cálculo nas operações internas com a possibilidade de estorno (devolução) de 75% do imposto debitado na forma de créditos de ICMS.
Essa modalidade se revelou tão vantajosa ao empresariado que 43 empresas optaram pela sua utilização, que produz um número bastante reduzido de empregos e não tem sequer um limite para as operações. Desta forma, o valor da renúncia fiscal do governo pode ser muito superior aos R$ 19,83 bilhões, que teriam sido admitidos somente pelos contratos do Invest-ES.
Chama a atenção que mesmo com a vedação imposta pelo regulamento do programa, algumas empresas tinham o Invest-ES e figuram como associadas do Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Estado (Sincades), cujos incentivos ao setor estão sendo alvo de ações na Justiça. Das 43 empresas que optaram pelos benefícios aos CDs, três delas contam como associados da entidade dos empresários atacadistas: GP Universal Importadora E Exportadora Ltda, All Importadora Ltda e Cedisa Central de Aço S/A.
Novos incentivos à porta
A conta dos incentivos da Era Hartung não para nos termos de acordos firmados em seu governo. Uma das heranças da administração passada, assumidas pelo sucessor, que garantiu a manutenção dos antigos responsáveis pelo Invest-ES, é o elevado número de resoluções em aberto. Elas garantem que as empresas possam utilizar os deferimentos no prazo de até dois anos após a publicação dos atos. Em junho de 2011, Século Diário revelou a assinatura de 283 resoluções do Invest-ES, somente no segundo mandato de Hartung. Deste total, 160 deferimentos foram assinados no último ano de governo (2010).
Desses incentivos, a maior parte, foram transportados para o governo de Renato Casagrande, que assinou ou prorrogou o prazo para assinatura dos respectivos termos de acordo dentro do Invest-ES. Entre esses benefícios está o polêmico benefício à empresa Ferrous Resources, que chegou a ser denunciado pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), desembargador Pedro Valls Feu Rosa, no escândalo conhecido como “jabás” do ex-governador, uma vez que a suspeita é de que os deferimentos seriam uma contrapartida a aquisição de terrenos para a implantação do projeto por valores superfaturados no município de Presidente Kennedy (litoral sul do Estado).
As operações de compra e venda das áreas – num total de R$ 121,6 milhões – tiveram a participação da empresa de negócios Éconos, na época comandada pelo ex-secretário de Fazenda, José Teófilo de Oliveira, que deixou o governo em 2008 para atuar como consultor empresarial. Após a saída do Palácio Anchieta, o ex-governador se tornou sócio da Éconos, ao lado de José Teófilo, que chegou a assinar termos de acordos do Invest-ES no período em que esteve à frente da pasta.
Confira abaixo a relação das empresas que foram beneficiadas pelo Invest-ES que apresentaram os menores números de criação de empregos: