O presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB-ES), Homero Junger Mafra, condenou, nesta quinta-feira (24), a atitude de juízes que autorizam a quebra do sigilo telefônico de advogados, atitude que classificou como “fato grave”. Mas diferentemente do que se poderia esperar, a reação do presidente da OAB-ES nada tem a ver com os recentes casos de violações de prerrogativas dos advogados capixabas, provocadas pelos juízes Carlos Magno Moulin Lima e Flávio Jabour Moulin.
Na verdade, a fala de Homero Mafra – registrada na abertura de um encontro nacional de advogados realizado em Vitória – é voltada ao caso dos advogados de ativistas presos por suposta participação em atos de vandalismo em protesto no Rio de Janeiro. Eles teriam sido grampeados ao conversar com os clientes durante as investigações, que culminaram na prisão do grupo na véspera da final da Copa do Mundo, no último dia 12, e soltos nessa quinta-feira.
Durante sua fala, o presidente conclamou o Conselho Federal da Ordem, instância máxima da entidade, a condenar os juízes do estado do Rio de Janeiro pela quebra e autorização da escuta telefônica de conversa de advogados com militantes presos. Coincidentemente, o mesmo colegiado determinou ao presidente da OAB-ES que processasse o pedido de desagravo aos dois advogados capixabas – Karla Cecília Luciano Pinto e Marcos Dessaune –, cujas prerrogativas funcionais foram violadas pelos primos Moulin.
Caso não identificasse que o discurso era direcionado ao episódio envolvendo os advogados fluminenses, as palavras de Homero Mafra poderiam ser perfeitamente adaptadas aos casos locais. Entretanto, ele preferiu o caminho do silêncio em relação às situações que estariam sob sua responsabilidade, para a tomada de providências pela seccional do Espírito Santo.
Sobre o caso envolvendo o advogado Marcos Dessaune, que foi alvo de comentários injuriosos na Internet por meio de perfis falsos feito pelo juiz Flávio Moulin, o presidente da OAB-ES afirmou somente que o pedido de desagravo está “tramitando” – desde setembro do ano passado. Já a situação mais recente envolvendo a advogada Karla Pinto, que está sendo alvo de “evidente perseguição judicial” por parte do juiz Carlos Magno Moulin, não foi comentada por Homero Mafra. A reportagem de Século Diário tentou localizar o presidente da entidade, mas as ligações caíram na caixa postal.
Em duas decisões, com direito à ampla defesa por parte dos juízes capixabas, a Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia (CNDPVA) da OAB nacional identificou duas claras violações às prerrogativas de Karla Pinto: a quebra sigilo telefônico da advogada, determinada pelo magistrado sem o pedido formal da autoridade policial ou do Ministério Público; bem como o abuso do direito de processá-la, praticado em conjunto com o primo, Flávio Moulin.
No caso dos advogados dos ativistas no Rio, Homero Mafra disse que a entidade tem que “dizer não à censura feita por magistrados despreparados” para o exercício da função. Em nota publicada no site da OAB-ES, o presidente afirmou: “Sou de um tempo que ser juiz era vocação e talento, hoje virou emprego, então, temos uma justiça de classe e temos a violação corriqueira dos direitos básicos do cidadão. É preciso que tenhamos a clareza de dizer que este não é o tempo da liberdade, pois a liberdade aparente esconde hoje a dura ditadura e a dura ação de forças conservadoras e reacionárias que a pretexto de preservar a ordem violam a lei”.
E continuou: “Tendo um discurso conservador e ultrapassado de segurança pública dizem que não há direitos absolutos. Aqueles que compõem o elenco das garantias individuais são direitos absolutos e por isso o sigilo entre advogado e cliente não pode ser quebrado […] Erra o Superior Tribunal de Justiça quando diz que este direito pode ser mitigado, não pode. Quando se diz que não há direitos absolutos está se concedendo um habeas corpus para que venha a violação dos direitos básicos e fundamentais do ser humano. Ou construímos uma democracia neste país ou não teremos nada”, afirmou.
Palavras que não diferem muito da posição do membro do CNDPVA da OAB Federal, Evânio José de Moura Santos, que analisou as violações contra a advogada Karla Pinto: “Com efeito, às razões de defesa apresentada pelos magistrados representados, apesar de traçarem um perfil da advogada, apontando irregularidades profissionais por ela praticadas, não refuta suficientemente os documentos, argumentos jurídicos e demais provas existentes nos autos que apontam de forma clara e indiscutível que a advogada requerente teve suas prerrogativas profissionais violadas, especialmente em razão do afastamento do sigilo telefônico da advogada em conversas mantidas com seu cliente, configurando evidente menosprezo ao artigo 7º, II, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia)”.
Ponto central dos dois casos – dos advogados do Rio e de Karla Pinto, que teve até o telefone do escritório grampeado –, o artigo citado lista os direitos dos advogados. O inciso mencionado diz o seguinte: “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.