Argumentação é de que registro do terreno do condomínio Manami é baseado em falsificações
A Mitra Arquidiocesana de Vitória defende que seja anulado o registro de propriedade da área do Morro de Guaibura, em Guarapari, na região metropolitana do Estado, na qual a empresa Design 16 constrói o condomínio de luxo Manami Ocean Living. A argumentação é de que o registro imobiliário é baseado em falsificação de documentos.
A posição da Mitra consta no processo em que requer a reintegração de posse de uma área no Morro de Guaibura, na qual tenta, há décadas, erguer uma capela. Uma primeira liminar em favor da Igreja foi provisoriamente derrubada em segunda instância. Na próxima terça-feira (1º), o julgamento do caso será retomado na 2ª Câmara Cível de Vitória, e a expectativa é de que seja fixada uma decisão colegiada sobre a controvérsia.
A disputa sobre a posse do Morro de Guaibura, local de uso público pela comunidade do entorno, remete aos anos 1950. Na época, segundo relatos de moradores, um grupo de Minas Gerais liderado por José da Cunha Lima reivindicou a propriedade, mas a comunidade os impediu. Em 1964, foi aprovado o loteamento de Enseada Azul, ignorando as comunidades de pescadores e nativos da região, e dando início a um processo de especulação imobiliária.
Morador de Guaibura e advogado da Mitra, Luiz Roberto Teixeira de Siqueira conta que o projeto de implantação de novos imóveis na Nova Guarapari, hoje um bairro que abrange a Vila de Guaibura, foi iniciada pela Companhia Espírito-Santense Industrial e Agrícola (Cesia), que tinha entre seus sócios João Punaro Bley, interventor do Espírito Santo de 1930 a 1943, durante a Era Vargas.
Cerca de 80% dos lotes da Nova Guarapari foram vendidos pela Cesia para uma firma francesa, e José da Cunha Lima adquiriu lotes e quadras dentre os 20% restantes, com total de 136 mil metros quadrados. Em 1964, Lima vendeu um “terreno de maior porção” em Guaibura, de 20,5 mil metros quadrados, para outra pessoa.
Em réplica do agravo judicial interno contra a suspensão da liminar de reintegração de posse, os advogados da Mitra notam que há uma divergência entre o que foi adquirido por José da Cunha Lima – lotes e quadras especificados – e o que ele vendeu para terceiros – uma área com delimitação questionável. Toda a documentação referente ao registro imobiliário consta no processo como prova.
“Se o Sr. José da Cunha Lima tivesse certeza de que a área comprada por ele e vendida para terceiros seria a mesma vendida pela Cesia para ele, venderia lotes e quadras especificadas na escritura de compra e venda, não uma montagem unilateral de área diferente do que havia adquirido da Cesia”, afirma a defesa da Mitra no processo.
“Portanto, o adequado é tornar nula a referida matrícula CRGI 3.456, da área de 20.532,00m2 no Pontal de Guaibura, ante as evidências e provas apresentadas, para que se faça justiça e não prejudique compradores de boa-fé, que têm adquirido apartamentos vendidos no Condomínio Manami”, defende a Mitra.
Família Siepierski
Em 1976, um homem chamado Jan Siepierski Filho adquiriu a área de 20,5 mil metros quadrados. Ele também passou a reivindicar a posse de um terreno de marinha de 25 mil metros quadrados, junto com a empresa Carlos Guilherme Lima Construtora. Jan Siepirski Neto e Luiz Eduardo Siepierski foram os responsáveis pelo recurso contra a liminar a favor da Mitra, uma vez que venderam a área do Morro de Guaibura para a Design 16.
Entretanto, em 1992, a inscrição do terreno de 25 mil metros quadrados foi cancelada pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), pois foi identificada uma adulteração no documento. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no Espírito Santo remeteu o processo para a Justiça estadual, mas a defesa da Mitra não localizou documentos relativos ao desfecho – restando, portanto, o reconhecimento da situação judicialmente para que o cancelamento se efetive.
Enquanto isso, a Design 16 tem anunciado que o condomínio Manimi possui uma área de 45 mil metros quadrados. Mas o que Mitra questiona é: como atestar a propriedade do terreno em Guaibura, sendo que não é possível identificar com exatidão a localização da área de 20,5 mil metros quadrados adquiridos pelo primeiro comprador, e diante da falsidade do documento relativo ao terreno de marinha de 25 mil metros quadrados? Todo o processo está cheio de vícios, defendem.
Igreja
Construída no Morro de Guaíbura, a Igreja de Santo Agostinho foi demolida em 1993, após os membros da família Siepierski ganharem um processo de reintegração de posse. Após a reviravolta com o cancelamento do registro do imóvel, porém, quem se considerava dono do morro nunca se apossou de fato da área.
Segundo a Mitra, uma nova capela foi erguida e, em 1997, a Prefeitura de Guarapari passou a considerar a área de responsabilidade da igreja. Isso se deu após um abaixo-assinado na comunidade, que reuniu 134 assinaturas. Essa segunda capela também foi destruída, de acordo com a defesa da Mitra, por membros da família de Hanna Samaan Haddad, que receberam o aforamento da área, ou seja, a transferência do domínio útil do imóvel.
Mesmo com a destruição, a Mitra continuou tomando conta do terreno, com o sonho de reerguer a igreja, e mantendo em dia o pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o que lhe dá, no seu entendimento, a posse da área. Ao tomar conhecimento da iminente construção do Manimi em Guaibura, foi feito contato com o advogado da Design 16, que relatou na ocasião que a área do condomínio não incorporaria o espaço da igreja – o que não se confirmou, uma vez que toda a área foi cercada com tapumes.
A alegação da Design 16 é de que o cercamento se deu para preservar os recursos ambientais do espaço. Mas foi a própria construção do condomínio que resultou na retirada da vegetação do morro – inclusive, britadeiras foram utilizadas para perfurar o costão rochoso e permitir erguer as bases da construção.
Mais ações contra o condomínio
Outras ações judiciais e extrajudiciais questionam a construção do condomínio em Guaibura. O Conselho Estadual de Cultura (CEC) encaminhou um parecer com notificação de embargo das obras, tendo em vista os impactos ao patrimônio natural cultural. Apesar disso, a Prefeitura de Guarapari alega que o CEC não tem legitimidade para tratar do assunto.
Também está em curso na Justiça Federal uma ação civil pública ajuizada pela Organização Não Governamental (ONG) Gaya Religare, que demanda a paralisação das obras e a recuperação dos danos ambientais já causadas pela construção. Causa envolve, ainda, direitos indígenas, tendo em vista a presença de remanescentes do povo Borum M’nhang Uipe em Guaibura.
A Associação de Moradores da Enseada Azul (Ameazul) publicou em suas redes sociais, em dezembro de 2023, que havia obtido uma liminar judicial contra as obras do condomínio. Em julho deste ano, a Ameazul teve que publicar uma nota pública de retratação, na qual informou que recebeu informações falsas do escritório de advocacia Bastos Porto e Polastreli Advogados.