Quase seis anos antes da atual polêmica sobre os supersalários no Ministério Público Estadual (MPES), o pagamento dos chamados penduricalhos legais a promotores e procuradores de Justiça já eram questionados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Há mais de quatro anos, o órgão protela o julgamento da legalidade de pagamentos na ordem de R$ 43,6 milhões realizados no ano de 2005. Na média, cada membro recebeu em torno de R$ 130 mil.
Dos atuais 315 membros ativos da instituição, pouco mais de 200 tiverem acesso aos benefícios que ainda não foram considerados legais pelos conselheiros. O processo foi a julgamento em março de 2008, quando o então relator, conselheiro Mário Alves Moreira, já aposentado, considerou os repasses irregulares. Após o debate entre os conselheiros, o caso foi retirado de pauta para a realização de novas diligências.
Atualmente, o processo passou pelo gabinete do conselheiro Sebastião Carlos Ranna, atual presidente do órgão, que sequer participou do julgamento inicial. Consta na tramitação processual do processo TC 1574/2006 que o caso esteve no gabinete do conselheiro no dia 22 de novembro do ano passado e foi encaminhado no mesmo dia para o Ministério Público de Contas (MPC). Por força regimental, o caso passará a ser relatado pelo conselheiro Sérgio Aboudib, que antecedeu Ranna no cargo.
Os repasses questionados fazem parte da restituição do Imposto de Renda supostamente recolhido após o pagamento de diferença do abono variável em função de mudanças na remuneração entre janeiro de 1998 e maio de 2002. No total, os pagamentos a 331 membros da instituição entre ativos, aposentados e até exonerados totalizou R$ 43,68 milhões.
O valor recebido pelos promotores e procuradores de Justiça variou em função do tempo de serviço no período, quando foram recalculadas as diferenças da URV, PAE e o recálculo das representações – até então incorporadas no conjunto remuneratório. No ano de 2000, por exemplo, os salários eram bem inferiores aos valores recebidos a título de indenização.
Em fevereiro de 2000, o promotor Eder Pontes da Silva recebeu R$ 6.022,22 – divididos entre o vencimento básico (R$ 2.712,71), a verba de representação (no mesmo valor) e uma gratificação por tempo de serviço (R$ 596,80). No entanto, o atual chefe da instituição chegou a receber R$ R$ 6.365,73 em um só mês a título do pagamento das diferenças salariais.
O mesmo ocorreu com os demais membros do Ministério Público capixaba. Consta na relação de pagamento, que faz parte dos autos do processo no TCE, os nomes dos procuradores José Paulo Calmon Nogueira da Gama, então chefe da instituição (que recebeu R$ 160 mil), e Fernando Zardini (R$ 152 mil).
Na classe dos promotores, por exemplo, Fábio Vello Correa recebeu R$ 152 mil, Evaldo França Martinelli R$ 134 mil e Marcelo Barbosa de Castro Zenkner R$ 156 mil – ele chegou a dar um parecer pela legalidade dos pagamentos com base em repasses semelhantes ocorridos no âmbito do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
De acordo com planilha dos repasses, a previsão dos pagamentos foi dividida para ser liquidado em 24 até 60 parcelas mensais – respectivamente, de dois a cinco anos. No entanto, a liquidação dos créditos variou em função das verbas disponíveis no caixa da instituição.
Os primeiros repasses das restituições caíram na conta dos membros do MPES junto com a folha de pagamento de maio daquele ano. Naquele mês, o então chefe da instituição recebeu o valor de R$ 7.102,80, enquanto Zardini faturou R$ 6.714,52. Entre os promotores, os repasses giravam entre R$ 4 mil e R$ 5 mil, como nos casos de Marcelo Zenkner (R$ 4.783,63) e Evaldo Martinelli (R$ 4.994,66).
O pagamento dos penduricalhos durou até dezembro daquele ano, quando foi paga a última parcela. Mesmo com a divisão por parcelas, o custo mensal dos benefícios apresentou variações. Nos primeiros meses, os repasses foram de R$ 1,78 milhão a cada trinta dias. Em outubro, os penduricalhos alcançaram R$ 10,67 milhões, enquanto a última parcela paga foi de R$ 824,9 mil.
Além do questionamento sobre a legalidade dos repasses, um outro ponto polêmico é a origem dos recursos para os pagamentos. Do total repassado aos membros do MPES, mais da metade (R$ 31,1 milhões) saiu do caixa de outros poderes. Os valores foram encaminhados para a instituição após a edição de decretos pelo então governador Paulo Hartung (PMDB) com a liberação de créditos suplementares.
Foram baixados quatro decretos no ano de 2005 para fornecer os recursos necessários ao pagamento após manifestação escritas do entendimento entre a cúpula do Ministério Público e do governo estadual. As principais “fontes” para o custeio dos penduricalhos saíram das verbas da reserva de contingência do Estado (R$ 8,5 milhões), do Fundo Estadual da Saúde (R$ 6,7 milhões) e até mesmo do orçamento do Poder Judiciário, que custeou R$ 3,6 milhões.
Errata: A assessoria de comunicação do TCE esclarece que o processo TC 1574/2006 não se encontra no gabinete do conselheiro Carlos Ranna, diferentemente do que havia sido publicado. Em nota, o órgão afirma que o processo foi encaminhado pelo conselheiro ao Ministério Público de Contas (MPC) no mesmo dia de recebimento dos autos vindos da área técnica do tribunal, em novembro do ano passado. “Aproveitamos para informar também que o presidente não relata processos. Quando assume a cadeira, eles são transferidos para o ex-presidente, no caso de Ranna, o conselheiro Sergio Aboudib (artigo 76 do regimento interno)”, explica a nota. O texto da matéria já foi corrigido.