O procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, recomendou a suspensão imediata dos efeitos da Emenda 85, que mudou o foro de julgamento de ações de improbidade contra deputados estaduais e prefeitos capixabas. Em parecer enviado na última semana ao Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa a constitucionalidade da norma, o chefe do Ministério Público Federal (MPF) pede a concessão de medida cautelar, sob alegação de que não há base legal para a extensão do foro privilegiado aos agentes políticos.
No documento, Rodrigo Janot argumenta que a hipótese de prerrogativa de foro – popularmente conhecido como foro privilegiado – deve ser entendida como uma exceção. Hoje, os tribunais superiores reconhecem somente que as ações penais contra prefeitos e deputados devem ser processadas e julgadas pelos Tribunais de Justiça. No caso da Emenda 85, promulgada em julho do ano passado, esse benefício também seria assegurado às ações de improbidade, que têm natureza cível.
“A prerrogativa de foro deve ser entendida como exceção. Como tal, precisa ser interpretada de modo restrito. Só assim o princípio republicano, que dá sentido à estruturação de poderes como autolimite popular, pode ser respeitado. Nesse sentido, não há que falar na extensão da prerrogativa de foro para ações de caráter cível, como é a ação de improbidade. Tal entendimento daria ensejo a tratamento injustificadamente desigual que contribui para habitus institucional que normatiza diferença no acesso a direitos sem respaldo constitucional”, afirma o procurador-geral.
Rodrigo Janot cita ainda os trechos de uma decisão do próprio STF em julgamento sobre a legalidade de norma semelhante no Distrito Federal, que toda exceção ao princípio da isonomia deve estar prevista na Constituição e que é inconstitucional a prerrogativa de foro nos casos de ação de improbidade.
O chefe do MPF também solicitou aos ministros que atendam ao pedido de liminar feito pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a pedido do procurador-geral de Justiça capixaba, Eder Pontes da Silva, com o objetivo de suspender imediatamente os efeitos da Emenda 85. “A concessão de benefício que rompe a lógica do sistema de direitos constitui, por si só, prejuízo relevante para impedir a validade da emenda até que se avalie mais profundamente a questão”, considerou.
Antes da manifestação do procurador-geral, a Advocacia Geral da União (AGU) havia opinado pela rejeição do pedido de suspensão liminar da norma, mesmo entendimento do presidente da Assembleia, deputado estadual Theodorico Ferraço (DEM), que defendeu a manutenção do foro privilegiado aos prefeitos e parlamentares capixabas. A partir de agora, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4870), que tramita na corte desde outubro do ano passado, vai ser analisado pelo relator do caso, ministro Dias Toffoli.
Nos autos do processo, a Conamp pede a declaração da inconstitucionalidade da Emenda 85 baseado em três argumentos principais, como a competência privativa da União para legislar sobre o tema; a natureza reconhecidamente cível das ações de improbidade administrativa,e a existência de restrições na concessão de prerrogativa de foro nas Constituições Estaduais.
Por outro lado, a Assembleia Legislativa capixaba argumenta inicialmente que a entidade ligada ao MP não teria legitimidade para questionar a norma. Sobre o mérito, Ferraço entende que a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 007/2012) não apresentou qualquer irregularidade. “Além disso, a norma impugnada não constitui um benefício aos parlamentares estaduais, mas sim uma prerrogativa de somente serem condenados à perda do mandado eletivo pelo Tribunal de Justiça, órgão máximo do Poder Judiciário estadual”, completou o demista, em manifestação enviada ao STF.
Na época da votação e aprovação da emenda, a Assembleia Legislativa vivia a polêmica em torno da possível cassação do deputado estadual José Carlos Elias (PTB), que havia sido condenado à perda do cargo em uma ação de improbidade no juízo de 1º grau e acabou perdendo o prazo para recorrer ao Tribunal pela não-pagamento das custas processuais. Dessa forma, a condenação contra Elias teria o trânsito em julgado e a Mesa Diretora da Casa deveria dar posse imediata ao suplente do deputado, o ex-governador Max Mauro (PTB).
Entretanto, o caso acabou tendo uma reviravolta no próprio Tribunal de Justiça, que suspendeu o trânsito em julgado da sentença após uma série de acusações feitas pelo parlamentar contra o seu então advogado. Segundo Elias, o antigo defensor teria deixado de efetuar o pagamento – R$ 131,97 – de forma proposital. O caso foi parar na Polícia Civil, que chegou a abrir um inquérito para apurar o episódio. Mais de um ano depois da controvérsia, Elias segue no cargo de deputado e é o atual corregedor-geral da Assembleia.
A demora na resolução do impasse em torno da legalidade da emenda, que também está em discussão no Tribunal de Justiça do Estado (TJES), atrapalha o andamento das ações de improbidade contra deputados estaduais e prefeitos. Na última semana, o TJES suspendeu a tramitação de ações de improbidade contra agentes políticos beneficiados pela norma, até o julgamento de um incidente de inconstitucionalidade (tipo de processo semelhante às ADIs) por uma das câmaras cíveis da corte.