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Procurador-Geral de Justiça se manifesta contra dispositivo do PL Antifacção

Francisco Berdeal, do MPES, assinou manifesto em defesa do Tribunal do Júri

MPES

Mais de mil promotores e procuradores de Justiça do Brasil assinaram um manifesto contra o que chamam de esvaziamento da competência do Tribunal do Júri previsto no Projeto de Lei 5.582/2025, mais conhecido como PL Antifacção, que tramita no Congresso Nacional. Entre eles está Francisco Martinez Berdeal, procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo (MPES).

Em um breve comentário publicado nessa segunda-feira (1) pelo colunista Fausto Macedo, do Estadão, Berdeal defendeu a eficácia do Tribunal do Júri na condenação de integrantes de facções. “Tem sido decisiva para a obtenção de um elevado índice de condenação dos réus levados a julgamento. A Justiça tem sido feita, e grandes lideranças de organizações criminosas vêm recebendo penas à altura da gravidade de seus crimes”, afirmou.

No manifesto, os integrantes do Ministério Público destacam “veemente oposição” à tentativa de retirar “da competência constitucional do Tribunal do Júri o julgamento de homicídios dolosos praticados em contexto de organizações criminosas, milícias e facções”. Ao mesmo tempo, reafirmam “compromisso com o aperfeiçoamento de instrumentos já existentes”, como o desaforamento, e com a “criação de mecanismos eficazes de proteção dos jurados”.

De acordo com o documento, o Tribunal do Júri é uma das formas de exercício de democracia direta no Poder Judiciário, e se impõe como cláusula pétrea na Constituição Federal. “Isso significa que não é dado ao legislador ordinário escolher, casuisticamente, quais homicídios permanecerão com o povo e quais serão retirados para órgãos togados, tal como não seria admissível limitar, por lei ordinária, quais atos do Poder Público podem ou não ser objeto de controle pela ação popular”, diz o texto.

Aponta, também, que uma pesquisa em mais de 4 mil processos do Ministério Público de São Paulo (MPSP) atestou a eficácia do Tribunal do Júri na condenação de integrantes de facções criminosas. Segundo o levantamento, na primeira do julgamento, de formação da culpa os homicídios com relação ao tráfico de drogas tiveram uma taxa de pronúncia (convicção do juiz sobre indícios) maior do que os assassinatos sem essa ligação (aproximadamente 77,7% contra 76,5%).

“E na fase de julgamento em plenário, a diferença se acentua: cerca de 82,6% de condenações nos homicídios ligados ao tráfico, contra em torno de 77,1% nos homicídios sem vínculo com tráfico. Em termos simples: o júri condena mais justamente nos casos de homicídios relacionados ao tráfico, isto é, exatamente naqueles em que agora se pretende afastar a sociedade do julgamento”, aponta.

Os membros do MP apontam ainda como “incongruente” a vinculação do afastamento do júri a certas motivações típicas, como disputa de território, cobrança de dívida de droga e “tribunal do crime. De acordo com eles, o que provoca temor nos jurados é a “figura concreta que se senta no banco dos réus”, que frequentemente também está envolvido em outros crimes, como feminicídios, homicídios em brigas de trânsito, discussões de bar, conflitos de vizinhança ou rixas pessoais.

“Por isso, o critério do PL é internamente incoerente: retira do júri apenas alguns homicídios dolosos ligados ao crime organizado, mas deixa sob o mesmo regime processual outros homicídios praticados pelos mesmos agentes, com idêntica ou maior carga de intimidação. O resultado prático é perverso: esvazia-se o Júri exatamente nos casos mais graves e simbólicos, sem resolver o problema real da intimidação sobre os jurados”, explicam.

O texto também defende que é errônea a analogia que tem sido feita com o roubo seguido, no sentido de que “nem toda morte é julgada pelo júri, como no latrocínio”. Ao contrário, os integrantes do MP explicam que o centro da conduta do latrocínio é o roubo, sendo a morte um agravante da infração patrimonial. Já nos homicídios, “o dolo de matar nasce na origem da conduta”.

“Usar o latrocínio como ‘precedente’ para esvaziar a competência do Júri nesses homicídios é misturar planos normativos distintos e, na prática, abrir caminho para retirar do povo justamente a decisão sobre as mortes mais graves e simbólicas do ponto de vista da ordem pública”, defendem.

Em contraposição, o manifesto aponta quatro medidas para o fortalecimento do Tribunal do Júri, em vez de sua substituição: o desaforamento, ou seja, o afastamento do julgamento do ambiente dominado pela facção; lista específica de jurados para julgamentos de crimes ligados a organizações criminosas, reduzindo a exposição prévia; sistema próprio de proteção aos jurados, com articulação de diversas medidas; e garantias de condições básicas para quem julgar facções e milícias.

O PL Antifacção foi elaborado pelo governo do presidente Lula (PT) e encaminhado ao Congresso em meio à repercussão da chacina que resultou em 121 mortos em outubro, no Rio de Janeiro. Entretanto, na Câmara dos Deputados, o projeto acabou recebendo a relatoria de Guilherme Derrite (PP-SP), secretário de Segurança Pública de extrema direita de São Paulo. O substitutivo de Derrite, aprovado por ampla maioria, tem recebido críticas de governistas e de organizações de direitos humanos, e o governo agora tenta reverter a derrota no Senado.

Eleição

Francisco Berdeal foi escolhido procurador-geral de Justiça pelo governador Renato Casagrande (PSB) em março de 2024. Ao optar por ele, Casagrande quebrou com a tradição de mais de uma década de sempre escolher o primeiro colocado da lista, que perpassou os seus mandatos anteriores e os do ex-governador Paulo Hartung (PSD).

Berdeal foi o segundo colocado na eleição da lista tríplice do MPES, com 132 votos, e representou a continuidade do grupo da então procuradora, Luciana Andrade. Na época, ele já atuava como secretário-geral do Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ).

Nessa terça-feira (2), o Diário Oficial do MPES publicou edital da eleição interna da categoria. Os candidatos a procurador-geral para o biênio 2026-2028 deverão se inscrever entre 19 e 26 de janeiro, e a votação para formação da lista tríplice está prevista para o próximo dia 6 de março. Francisco Berdeal é cotado para tentar a recondução e apontado como favorito.

Os promotores Pedro Ivo de Souza e Maria Clara Perim, que ficaram em primeiro e terceiro lugar, respectivamente, na eleição passada também são cotados para a nova disputa.

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