O Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a nulidade das provas utilizadas pelo Ministério Público Estadual (MPES) nas denúncias do “esquema das associações” durante a chamada Era Gratz. No julgamento realizado nessa quinta-feira (5), os ministros consideraram que a quebra do sigilo fiscal da editora Lineart, que teria sido utilizada para o desvio de verbas da Assembleia Legislativa, foi feita de forma ilegal. A decisão atinge somente uma das 60 ações penal que tiveram o documento como base, porém, a nulidade deverá ser estendida aos demais casos.
A relatora do caso, ministra Maria Thereza de Assis Moura, deu provimento ao recurso em habeas corpus (RHC 41931) interposto pela defesa do ex-diretor-geral da Assembleia, André Luiz Cruz Nogueira. O pedido de nulidade da quebra de sigilo já havia sido negado pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJES), mas a togada entendeu que houve sim violação aos preceitos legais no levantamento de informações fiscais da Lineart e dos supostos beneficiários do esquema de corrupção.
No recurso, o advogado de Nogueira, Antônio Fernando de Lima Moreira e Silva, sustentou que a quebra do sigilo bancário só pode ser feita de duas formas: por ordem judicial ou através de uma Comissão Parlamentar Inquérito (CPI). No caso, a abertura das informações sobre a editora e os beneficiários de transferências com a Lineart teria sido feito de forma unilateral pela Receita Federal. Essa tese já havia levantado no juízo de 1º grau, onde tramitam as ações penais sobre o escândalo, mas o pedido de nulidade acabou sendo rejeitado.
O advogado lembrou, nos autos do recurso, que o juiz do caso teria minimizado a hipótese de violação do sigilo fiscal sob alegação de que teria ocorrido uma troca de dados entre a Receita Federal e as instituições financeiras. Na ocasião, o magistrado teria afirmado que até “o procurador do Rei da Bélgica tem acesso às informações bancárias dos correntes do País”. Para Antonio Fernando, a legislação brasileira é clara quanto à necessidade de atendimentos aos ritos para a abertura deste tipo de informação:
“Como se vê, tentando justificar o injustificável, a autoridade coatora [juiz da 8ª Vara Criminal de Vitória] embola os fatos; diz que as provas obtidas junto às instituições financeiras dizem respeito a empresa Lineart, depois diz que as provas obtidas pela Receita serviram como deflagração das diversas irregularidades, pois depois a Assembleia enviou documentos à Receita, o que se constitui em prova independente”,explicou.
E concluiu: “Ora, se foi a partir de prova (ilícita) obtida pela Receita que houve a deflagração das [investigações sobre] irregularidades na Assembleia, é óbvio que não há que se falar em prova independente. A prova é, no mínimo, ilícita por derivação”. Essa tese foi aceita pelos ministros e deve ser utilizado em outros processos sobre o escândalo, inclusive, nos casos que já tiveram sentença prolatada. Desta forma, todas as denúncias do MPES contra os acusados de corrupção devem voltar à estaca, tendo em vista que os atos judiciais tiveram como base as provas declaradas nulas.
Atualmente, o ex-presidente da Assembleia, o ex-deputado José Carlos Gratz, e o seu ex-diretor-geral André Nogueira respondem a mais de 160 processos judiciais, entre eles, quase uma centena de ações de improbidade por suspeitas de desvio de dinheiro público. Somente no caso Lineart, o Ministério Público acusa a empresa, de propriedade da família Nogueira, de ter atuado na “lavagem” de R$ 26,7 milhões que teriam sido desviados do caixa da Assembleia.
As denúncias apontam a utilização de “laranjas”, que sacavam o dinheiro e entregavam aos supostos beneficiários. No entanto, os acusados contestam as acusações com a justificativa de que os recursos seriam, na verdade, subvenções sociais – isto é, verbas destinadas pelo Legislativo para o apoio a entidades, eventos, veículos de comunicação e até para associações de classe do Judiciário – estes últimos que, coincidentemente, não chegaram a ser denunciados na Justiça.
Entre os processos que devem voltar à estaca zero aparece a ação penal, que resultou na condenação de Gratz e André Nogueira a 25 anos de prisão por fraudes em repasses para a editora. Em julho de 2011, a juíza da 8ª Vara Criminal de Vitória, Cláudia Vieira de Oliveira Araújo, avaliou que o desvio de dinheiro público foi efetivado pela “simulação de pagamentos” a entidades e associações. Segundo as investigações, a Lineart recebeu cerca de R$ 4,1 milhões da Assembleia entre os anos de 1999 e 2002. Foi revelado durante a apuração que a maior parte desse dinheiro entrou na conta de familiares de Nogueira e foram utilizados para a compra de imóveis, automóveis e embarcações, que deveriam ser confiscados após a decisão.