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Vara anticorrupção do TJES deixa Hartung e aliados fora de sua alça de mira

Instalada em fevereiro de 2012 com o objetivo de dar celeridade às ações de improbidade administrativa, a 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual se tornou uma “dor de cabeça” para a classe política. Se antes os processos do tipo ficavam anos a fio nos escaninhos das duas varas de fazenda pública no Fórum de Vitória, abalroadas por milhares de ações envolvendo queixas contra os órgãos do Estado, os casos ganharam uma nova dinâmica com a vara anticorrupção – como foi batizada nos meios jurídicos.

Em seus primeiros momentos, o temor em relação à nova vara até se justificou, sobretudo pelo julgamento de quase 200 ações de improbidade no primeiro ano de funcionamento da vara. Em tempos de Lei da Ficha Limpa, a condenação não produz efeitos imediatos, já que as sentenças cabem recurso, porém, abrevia o caminho para a suspensão dos direitos políticos – uma vez que os recursos são encaminhados para os órgãos colegiados do Tribunal de Justiça, que podem decretar a punição aos condenados.

No entanto, a agilidade na análise dos casos deu lugar a um tipo de julgamento que contraria o rito tradicional de processos dessa natureza. Desde a entrada da juíza Telmelita Guimarães Alves, designada para atuar na vara em substituição ao antigo núcleo de juízes – grupo com 22 togados escolhido pelo ex-presidente do tribunal, Pedro Valls Feu Rosa, para atuar em força-tarefa nos processos – aumentou o número de ações arquivadas – até mesmo antes do recebimento da denúncia.

O Código de Processo Civil (CPC) estabelece que o juiz deve receber a ação quando houver indícios da prática de improbidade. O recebimento do processo não quer dizer, necessariamente, a condenação do acusados. No entanto, a rejeição sumária da denúncia impede a tramitação do processo – o que significa que o caso tem fim antes mesmo de acusados e testemunhas serem ouvidos formalmente, além da fase de produção de provas, como a apresentação de documentos e realização de perícias.

Apesar de não ser possível apontar o número exato de absolvições deste tipo, chamam atenção os casos envolvendo o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) e seus auxiliares. Em duas decisões proferidas em fevereiro e maio deste ano, a juíza Telmelita Alves rejeitou duas ações de improbidade contra Hartung ou aliados de primeira hora do candidato ao governo no pleito deste ano.

Sem dúvidas, o caso de maior repercussão envolve a denúncia sobre o escândalo do posto fantasma, em que foram gastos mais de R$ 25 milhões na construção do Posto Fiscal São José do Carmo, em Mimoso do Sul. Apesar das muitas interrogações sobre a obra que mal passou da fase de terraplanagem – ou sequer a destinação do dinheiro público envolvido na empreitada –, a magistrada concluiu que “não se pode afirmar que a conduta dos requeridos [denunciados pelo Ministério Público] acarretou descrédito do Estado do Espírito Santo, haja vista que a obra, no seu tempo, foi iniciada por ser relevante e necessária”.

Palavras da juíza, que acolheu a tese da defesa do ex-governador e desconsiderou os termos da acusação feita pelo MP. Telmelita Alves considerou que a decisão pela construção do posto era relevante para a população capixaba sob alegação da melhoria na fiscalização dos caminhões de carga que passavam pela divisa com o estado do Rio de Janeiro. A juíza também lembrou que o governo do Estado havia manifestado interesse na criação do posto em 1999, muito embora as obras só tenham sido iniciadas quase seis anos depois.

A decisão também afastou a existência de irregularidades na suplementação de verbas mesmo após a extinção do posto – por decreto assinado pelo então governador do Estado. Telmelita Alves acolheu a justificativa da defesa de que os novos gastos, no valor de R$ 3,06 milhões, teriam sido necessários após as fortes chuvas que atingiram a região no final do ano de 2008. Na denúncia original, o promotor de Justiça, Dilton Depes Tallon Netto, acusou Hartung e mais sete pessoas de seu governo de “torrarem cerca de R$ 25 milhões” nas obras do posto.

Entre os denunciados pelo escândalo, figuram ex-auxiliares de Hartung, como os ex-secretários da Fazenda, José Teófilo de Oliveira (que foi sócio do peemedebista no escritório de consultoria Éconos) e Bruno Pessanha Negris (ex-presidente do Banestes) e o ex-secretário de Governo e de Transportes e Obras Públicas na gestão passada, Neivaldo Bragato. Não por coincidência alguns desses nomes aparecem relacionados a outra ação de improbidade que também foi arquivada sumariamente pela mesma juíza.

No final de maio, a magistrada inadmitiu a denúncia contra Neivaldo Bragato e Sérgio Aboudib – ex-secretário-chefe da Casa Civil e atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), indicado pelo ex-governador – sobre o pagamento de uma multa imposta a ex-dirigentes do Banestes com recursos da própria instituição, no ano de 2007. Além da dupla, a juíza também mandou arquivar a queixa contra outras três pessoas, entre eles, o ex-secretário de Educação, Haroldo Correa Rocha, que também faziam parte do Conselho de Administração do banco, à época.

A denúncia ajuizada pelo Ministério Público aponta a existência de irregularidades na concessão do benefício para quatro ex-dirigentes do banco – Roberto da Cunha Penedo, ex-presidente do banco; José Teófilo, ex-presidente do Conselho; Ranieri Feres Doellinger, ex-diretor de Relações com Investidores (RI); e Paulo Roberto Mendonça França, ex-diretor jurídico da instituição –, que seguem respondendo ao processo. Antes, eles já haviam sido condenados a ressarcir os cofres públicos em cerca de R$ 600 mil por conta de uma ação popular que está sendo discutida hoje em sede de recurso.

Diferentemente do pronunciamento sobre a ação popular, a juíza da 3ª Vara da Fazenda optou por retirar os membros do Conselho de Administração da ação de improbidade, deixando somente os ex-dirigentes pegos em flagrante. Foi o colegiado responsável pela administração do banco que aprovou a certidão de indenidade, em que o banco “assume” a dívida dos então diretores. A multa foi imposta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2007 após uma investigação sobre o vazamento de informações sobre a venda do banco.

No entendimento da Comissão, o então presidente e o diretor de R.I. do banco deveriam ter divulgado um fato relevante sobre a transação, enquanto José Teófilo deveria guardar sigilo sobre informações às quais tinha acesso privilegiado até a publicação do fato relevante. Naquela época, o ex-secretário da Fazenda de Hartung teria concedido entrevistas à imprensa local sobre a possível operação. No período, foi registrada uma variação significativa no valor das ações do banco, medida que pode ter proporcionado ganhos às pessoas que tiveram acesso à informação de forma antecipada.

Todos esses casos tiveram a manifestação da juíza Telmelita Alves, que será encarregada do julgamento de outros casos envolvendo o ex-governador. Segundo consta no sistema processual do TJES, Hartung figura como parte em 11 processos, sendo que nove deles estão tramitando na Vara da juíza. Além da ação de improbidade sobre o “posto fantasma” – cujo Ministério Público já apresentou recurso contra a decisão da magistrada –, o ex-governador aparece em nove ações populares relacionadas a incentivos fiscais concedidos durante seu governo.

Fazem parte desse rol de ações, os dois processos ajuizados pelo bacharel em Direito, Sérgio Marinho de Medeiros Neto, que pede a nulidade dos benefícios fiscais do setor atacadista. Antes da designação da magistrada, o então responsável pela Vara, Manoel Cruz Doval, determinou a suspensão dos incentivos e do fundo cultural Instituto Sincades, de forma liminar. No entanto, a decisão foi derrubada por liminar do desembargador Fábio Clem de Oliveira. Por conta dessa decisão, o juízo de 1º grau só poderá se pronunciar sobre o pedido na ocasião do julgamento de mérito – as ações já haviam sido recebidas antes da troca de comando da Vara.

Nos meios jurídicos, a expectativa é sobre o pronunciamento da juíza em relação a esses processos, que se encontram na fase de alegações finais. Dentro do rito processual, essa é a última possibilidade de manifestação das partes antes da prolação da sentença. Além das renúncias fiscais bilionários, o litígio também invade a esfera do pacto federativo. Isso porque os mesmos incentivos são alvo de questionamento pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

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