Segunda, 29 Abril 2024

Acusados de crime de racismo contra professor da Ufes são condenados

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A juíza Gisele Souza de Oliveira, da 4ª Vara Criminal de Vitória, decidiu pela condenação de Antônio Jacimar Pedroni e Kennedi Fabrício dos Santos, que cometeram racismo contra Gustavo Forde, professor e pró-reitor da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Cidadania (Proaeci) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). O crime ocorreu em 2019, quando, em uma matéria sobre o protagonismo do negro na atualidade, veiculada pelo jornal A Gazeta, Antônio e Kennedi fizeram comentários como "volta para a África", além do questionamento sobre a competência profissional do professor. Há, ainda, um terceiro acusado, Wagner Rodrigues, que não foi encontrado para citação pessoal.

Ambos foram condenados à pena base de um ano e três meses de reclusão e pagamento de 53 dias-multa, "que, à míngua de circunstâncias atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou aumento é transformada em definitiva".

Contudo, foi fixado o regime aberto para início do cumprimento da pena para os dois, além da substituição da pena privativa de liberdade por outras restritivas, que são prestação pecuniária em favor da vítima, no valor de cinco salários mínimos - R$ 6,6 mil  - e prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período da pena substituída em entidade com foco de atuação na intervenção social em favor de adolescentes e jovens em situação de risco e vulnerabilidade social.

Em virtude dos transtornos causados à vítima, foi fixado o valor mínimo indenizatório, a título de danos morais, em R$ 10 mil, para cada um dos réus. "Nos termos do disposto no parágrafo 1º do artigo 45, do CPB, o valor eventualmente pago a título de prestação pecuniária será deduzido do montante da condenação em reparação de danos", diz a sentença.

Sobre as consequências do crime, a juíza afirma que "foram especialmente danosas, não só para a própria vítima, que passou a enfrentar forte abalo psicológico e à saúde mental, bem como porque extrapolaram a pessoa do ofendido, vindo a atingir outras pessoas da coletividade negra".

A decisão judicial aponta que a materialidade do delito é comprovada por meio dos prints dos comentários realizados pelos réus na postagem da matéria no Facebook. "No que tange à autoria delitiva, as provas produzidas são suficientes para sustentar um decreto condenatório em relação aos réus Antônio Jacimar Pedroni e Kennedi Fabrício dos Santos, destacando-se que ambos admitiram e reconheceram a realização dos comentários que lhes foram imputados na denúncia, embora tenham apresentado justificativas próprias, as quais serão devidamente analisadas", aponta.

Antônio confirmou que fez o comentário "tá insatisfeito, vaza daqui, volta para a África!", "negando, contudo, o intuito de praticar discriminação ou preconceito de raça, justificando que a postagem foi feita em um momento de insatisfação com o radicalismo que estava observando nos últimos tempos e com o excesso de vitimização, ressaltando ainda que considerava o Brasil um bom país para se viver".

Com base nas afirmações do réu em sua defesa, a juíza destaca que "apesar das justificativas apresentadas, a análise das declarações do referido acusado em ambas as esferas da persecução penal demonstra que ele agiu de maneira livre e consciente, com plena ciência do contexto de seus comentários, do significado de suas palavras e da potencialidade ofensiva delas para a vítima".

Outro argumento do réu foi de que estava passando por problemas pessoais. Quanto a isso, a magistrada afirma que "essa análise feita em retrospectiva pelo próprio réu apenas reforça a percepção de que ele agiu dolosamente, com plena consciência, sendo despiciendo tecer maiores comentários sobre a lamentável escusa, uma vez a situação de estar enfrentando problemas pessoais não se configura em salvo-conduto para a prática de insultos raciais contra outro ser humano".

O texto prossegue afirmando que "o réu Antônio Jacimar Pedroni admitiu que sequer leu a entrevista concedida pelo Professor Gustavo Henrique Araújo Forde, o que robustece a percepção de que os comentários não foram realizados em um contexto de debate de ideias, pois ele não teria como manifestar opinião sobre algo que não leu. Isso situa o seu comentário, repita-se, no plano da discriminação e preconceito racial contra a vítima".

Quanto a Kennedi, conforme consta na sentença, ele "recordava de ter feito o comentário 'o cara é doutor em educação. Não me admira nossos resultados em exames Educacionais', tentando justificar que não se referia propriamente à pessoa do professor, afirmando que nem se lembrava que era negro, mas apenas fez uma crítica à entrevista, que segundo seu entendimento, possuía um viés ideológico descolado da realidade".

Entretanto, a juíza salienta que, assim como Antônio, "Kennedi Fabrício dos Santos tentou justificar o teor de seus comentários alegando a emissão de uma simples opinião política. Contudo, de maneira contraditória, ao longo de suas declarações, passou a se desculpar por ter feito um comentário 'infeliz'. Apesar do eufemismo, eis que não se trata apenas de um comentário 'infeliz', mas sim racista, discriminatório e preconceituoso. Ele também admitiu não ter lido na íntegra a entrevista do professor, o que demonstra que se expressou apenas com base na sua aparência física (fotografia que ilustrava a entrevista). Como bem ressaltado na denúncia, o referido réu se referiu às características físicas do entrevistado, em especial, ao cabelo rastafári, relacionando-o com falta de higiene pessoal".

A juíza destaca, ainda, que "as diversas tentativas desse réu de se eximir da responsabilização criminal apenas reforçam a motivação racista de seus comentários, como, por exemplo, quando afirmou que a melhor amiga de sua filha é uma menina negra, um clássico do racismo à brasileira, expressão utilizada pelo ministro Luís Roberto Barroso [do Supremo Tribunal Federal] no julgamento da ADC 41". De acordo com a decisão, nesse julgamento, cujo relator foi o ministro, foi citado o ex-senador, escritor e ativista Abdias do Nascimento, que afirmou que "o racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica".

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