Ministério Público busca retomar exclusividade do poder de investigação
Depois de mirar os trabalhos dos delegados do Núcleo de Repressão ao Crime Organizado e à Corrupção (Nuroc), a pressão do Ministério Público Estadual (MPE) recai sobre todas as investigações conduzidas pela Polícia Civil. A determinação do procurador-geral de Justiça, Eder Pontes da Silva, para a “prestação de contas” de todos os inquéritos abertos pela autoridade policial sob o risco de paralisação das investigações, remete ao período em que a instituição detinha o controle sobre o quê – e quem – deveria ser investigado no Espírito Santo.
Na justificativa do pedido, Eder Pontes indicou a prerrogativa do MPE em ter acesso aos autos do inquérito para cobrar o envio, muito embora a promotoria venha se manifestando regularmente durante o curso das investigações. Para isso, o procurador-geral de Justiça já colocou em campo o time de promotores que atuam na Vara da Central de Inquéritos de Vitória, onde tramitaram as primeiras investigações da Operação Derrama – estopim da crise entre o Ministério Público e Polícia Civil. Eles ameaçaram parar de opinar nos processos, caso não recebam a documentação.
Em resposta, o delegado-chefe da Polícia Civil, Joel Lyrio Júnior, anunciou que vai solicitar aos delegados o cumprimento do pedido. Para a imprensa, o delegado alertou sobre o risco de atraso nos inquéritos. No entanto, mais grave do que a demora na apreciação de pedidos de prisão ou até mesmo o risco de não serem feitos, o ultimato dado pelo Ministério Público coloca em xeque todo o funcionamento da Polícia Judiciária – controvérsia que já havia sido levantada pelo delegado Libero Filho, que publicou um artigo rebatendo a tese jurídica de Eder Pontes, limitando o poder de investigação ao órgão ministerial.
Nos bastidores, a investida do chefe do Ministério Público busca a retomada do controle do poder investigatório de fato no Estado, mesmo que não seja totalmente de direito. Tal como ocorria no período do “arranjo constitucional” (entre 2003 e 2010) quando o órgão tinha a palavra final sobre as apurações de casos de corrupção no Estado. Eder Pontes estaria buscando a retomada desse controle, tendo como alvo o poder sobre a continuidade ou arquivamento de investigações contra autoridades com foro privilegiado (prefeitos, deputados e secretários de Estado).
Durante o governo Paulo Hartung (PMDB), esse poder de investigação ficava concentrado no MPE - e no Judiciário, que dava vazão às denúncias, restritas a adversários políticos e figuras ligadas ao que o ex-governador chamava de "retrocesso" ou "agentes do crime organizado". Já a Polícia Civil adotava uma posição mais conservadora, graças ao posicionamento dado pelo chefe do Executivo. Uma prova disso foi o baixo número de investigações contra agentes políticos no período. As primeiras grandes operações começaram a ser desenvolvidas entre 2009 e 2010, quando esse arranjo já dava sinais de fadiga de material.
Neste período, duas operações (Apache e Moeda de Troca) chamaram a atenção da sociedade após a revelação de escândalos de corrupção em prefeituras. A primeira foi conduzida quase em sua totalidade pela Polícia Civil em Aracruz, enquanto a Moeda de Troca foi desenvolvida a partir da Promotoria de Justiça de Santa Leopoldina. Ambos os casos esbarraram quando chegaram à alçada do chefe do MPE - na época, o procurador Fernando Zardini, principal cabo eleitoral de Eder Pontes - que não denunciou o ex-prefeito de Aracruz, Ademar Devens (PMDB), que viria a ser preso na Derrama, e relutou para ajuizar uma ação penal contra o prefeito de Santa Leopoldina, Ronaldo Prudêncio (PDT), cassado pela Câmara municipal.
Logo em seguida, o "arranjo institucional" foi substituído por um período de maior independência entre as instituições, impulsionado por mudanças no comando do Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas, a partir de 2011. Além disso, o governador Renato Casagrande e o então secretário de Segurança Pública, Henrique Herkenhoff - exonerado do cargo na última semana - deram maior liberdade para a equipe de novos delegados (promovidos há pouco mais de cinco anos por concurso público) desenvolverem de fato o papel de Polícia Judiciária, sobretudo, em relação à investigação de agentes políticos. Somados esses fatores contribuíram para a deflagração das operações Lee Oswald, Tsunami, Camaro, Pixote, Hidra e, mais recentemente, a Derrama.
Entretanto, a continuidade deste momento esbarra no próprio procurador-geral de Justiça. O primeiro passo foi dado na manifestação na qual pediu o arquivamento das investigações contra deputados e prefeitos envolvidos na Derrama. No texto, Eder Pontes solicita a remessa de cópias de todos os inquéritos em curso, além de relatórios com interceptações telefônicas obtidos no curso das investigações - sob risco de nulidade de futuras investigações. Fica apenas a dúvida se esses inquéritos vão se tornar processos ou vão terminar nos escaninhos do chefe da instituição, como já acontece com as denúncias contra parceiros do ex-governador na Lee Oswald e autoridades envolvidas em supostas irregularidades flagradas na Pixote.
Veja mais notícias sobre Justiça.
Comentários: