Domingo, 28 Abril 2024

Ministério Público busca retomar exclusividade do poder de investigação

Ministério Público busca retomar exclusividade do poder de investigação

Depois de mirar os trabalhos dos delegados do Núcleo de Repressão ao Crime Organizado e à Corrupção (Nuroc), a pressão do Ministério Público Estadual (MPE) recai sobre todas as investigações conduzidas pela Polícia Civil. A determinação do procurador-geral de Justiça, Eder Pontes da Silva, para a “prestação de contas” de todos os inquéritos abertos pela autoridade policial sob o risco de paralisação das investigações, remete ao período em que a instituição detinha o controle sobre o quê – e quem – deveria ser investigado no Espírito Santo.

 

Na justificativa do pedido, Eder Pontes indicou a prerrogativa do MPE em ter acesso aos autos do inquérito para cobrar o envio, muito embora a promotoria venha se manifestando regularmente durante o curso das investigações. Para isso, o procurador-geral de Justiça já colocou em campo o time de promotores que atuam na Vara da Central de Inquéritos de Vitória, onde tramitaram as primeiras investigações da Operação Derrama – estopim da crise entre o Ministério Público e Polícia Civil. Eles ameaçaram parar de opinar nos processos, caso não recebam a documentação.



Em resposta, o delegado-chefe da Polícia Civil, Joel Lyrio Júnior, anunciou que vai solicitar aos delegados o cumprimento do pedido. Para a imprensa, o delegado alertou sobre o risco de atraso nos inquéritos. No entanto, mais grave do que a demora na apreciação de pedidos de prisão ou até mesmo o risco de não serem feitos, o ultimato dado pelo Ministério Público coloca em xeque todo o funcionamento da Polícia Judiciária – controvérsia que já havia sido levantada pelo delegado Libero Filho, que publicou um artigo rebatendo a tese jurídica de Eder Pontes, limitando o poder de investigação ao órgão ministerial.



Nos bastidores, a investida do chefe do Ministério Público busca a retomada do controle do poder investigatório de fato no Estado, mesmo que não seja totalmente de direito. Tal como ocorria no período do “arranjo constitucional” (entre 2003 e 2010) quando o órgão tinha a palavra final sobre as apurações de casos de corrupção no Estado. Eder Pontes estaria buscando a retomada desse controle, tendo como alvo o poder sobre a continuidade ou arquivamento de investigações contra autoridades com foro privilegiado (prefeitos, deputados e secretários de Estado).



Durante o governo Paulo Hartung (PMDB), esse poder de investigação ficava concentrado no MPE - e no Judiciário, que dava vazão às denúncias, restritas a adversários políticos e figuras ligadas ao que o ex-governador chamava de "retrocesso" ou "agentes do crime organizado". Já a Polícia Civil adotava uma posição mais conservadora, graças ao posicionamento dado pelo chefe do Executivo. Uma prova disso foi o baixo número de investigações contra agentes políticos no período. As primeiras grandes operações começaram a ser desenvolvidas entre 2009 e 2010, quando esse arranjo já dava sinais de fadiga de material.



Neste período, duas operações (Apache e Moeda de Troca) chamaram a atenção da sociedade após a revelação de escândalos de corrupção em prefeituras. A primeira foi conduzida quase em sua totalidade pela Polícia Civil em Aracruz, enquanto a Moeda de Troca foi desenvolvida a partir da Promotoria de Justiça de Santa Leopoldina. Ambos os casos esbarraram quando chegaram à alçada do chefe do MPE - na época, o procurador Fernando Zardini, principal cabo eleitoral de Eder Pontes - que não denunciou o ex-prefeito de Aracruz, Ademar Devens (PMDB), que viria a ser preso na Derrama, e relutou para ajuizar uma ação penal contra o prefeito de Santa Leopoldina, Ronaldo Prudêncio (PDT), cassado pela Câmara municipal.



Logo em seguida, o "arranjo institucional" foi substituído por um período de maior independência entre as instituições, impulsionado por mudanças no comando do Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas, a partir de 2011. Além disso, o governador Renato Casagrande e o então secretário de Segurança Pública, Henrique Herkenhoff - exonerado do cargo na última semana - deram maior liberdade para a equipe de novos delegados (promovidos há pouco mais de cinco anos por concurso público) desenvolverem de fato o papel de Polícia Judiciária, sobretudo, em relação à investigação de agentes políticos. Somados esses fatores contribuíram para a deflagração das operações Lee Oswald, Tsunami, Camaro, Pixote, Hidra e, mais recentemente, a Derrama.



Entretanto, a continuidade deste momento esbarra no próprio procurador-geral de Justiça. O primeiro passo foi dado na manifestação na qual pediu o arquivamento das investigações contra deputados e prefeitos envolvidos na Derrama. No texto, Eder Pontes solicita a remessa de cópias de todos os inquéritos em curso, além de relatórios com interceptações telefônicas obtidos no curso das investigações - sob risco de nulidade de futuras investigações. Fica apenas a dúvida se esses inquéritos vão se tornar processos ou vão terminar nos escaninhos do chefe da instituição, como já acontece com as denúncias contra parceiros do ex-governador na Lee Oswald e autoridades envolvidas em supostas irregularidades flagradas na Pixote.

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