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ANP segue contra a lei e vende mais dois blocos no ES para Imetame e CE Energia

Mobilização social busca garantir direitos das comunidades já historicamente impactadas pelo petróleo e gás

Região com largo histórico de desastres ambientais provocados pela indústria petrolífera, o norte do Espírito Santo teve mais dois blocos maduros, em terra, vendidos nesta quarta-feira (13), no 3º Ciclo de Oferta Permanente de blocos de exploração e produção de petróleo e gás natural realizado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no Hotel Windsor da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. 

O bloco ES-T-528, com 20,6 quilômetros quadrados, e localizado no setor SES-T6, foi comprado por R$ 151 mil por um consórcio formado pela Imetame (30%), Seacrest (50%) e ENP Ecossistemas (20%). Ele está localizado próximo à Estação de Lagoa Parda, em Linhares, adquirido ano passado pela Imetame por R$ 20 mil, e que registrou vazamento de pelo menos sete mil litros de óleo em fevereiro deste ano. Já o ES-T-399, localizado no setor SES-T4, em São Mateus, com 16 km², foi comprado pela empresa CE Energia, por R$ 204 mil.

Ambos receberam ofertas únicas, destacou a Agência Brasil. O bônus de assinatura que será pago pelos dois blocos soma R$ 355 mil, e o investimento previsto na exploração é de cerca de R$ 2 milhões.

O Consórcio da Imetame também comprou dois blocos na Bacia de Tucano, na Bahia: T140, com 189 km², e o T161, com 188 km², respectivamente pelos preços de R$ 108 mil e R$ 1,2 milhão. 

A sessão foi acompanhada, pelo lado de fora do hotel, por um grupo de ativistas de diversas organizações, que fizeram um protesto alertando para os graves riscos sociais e ambientais que a exploração desses blocos trará para o país e especialmente para as comunidades tradicionais – quilombolas, pescadores e ribeirinhos – que vivem em territórios tradicionais onde os poços voltarão a ser explorados. 

A mobilização contou com ambientalistas do Instituto Arayara, Observatório do Clima, Observatório do Petróleo e Gás, da Coalizão Não Fracking Brasil (Coesus), Coalização Gás e Energia e Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas, Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas, Costeiras e Marinhas (Confrem).

Renata Sembay/Instituto Arayara

Ilegalidades

As entidades alertam que a Oferta Permanente em curso contraria recomendações internacionais que visam acelerar a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia, entre outras medidas, há muito elencadas em tratados mundiais e renovadas no Acordo de Paris, em 2015, e na COP26, no final de 2021. 

Além disso, assinalam que o atual processo de venda é ilegal. A principal irregularidade, presente em todos as bacias que receberam ofertas de compras, é a ausência da consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais afetadas pelos empreendimentos, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

No caso do Espírito Santo, especialmente, há ainda um parecer do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) que reprova a venda dos blocos ofertados nos dois setores no norte do Estado, devido à proximidade de comunidades quilombolas e das Zonas de Amortecimento de diversas unidades de conservação. 

“Vamos entrar judicialmente para barrar essas explorações”, declara John Wurdig, coordenador técnico do Instituto Arayara, em relação à bacia capixaba. Uma ação judicial está em elaboração pela entidade, que também prepara um trabalho de mobilização social com as comunidades, somando esforços com outras entidades que já atuam nesse sentido, como a Campanha Nem Um Poço a Mais. 

“É preciso que seja realizada consulta prévia a essas comunidades, em um processo de licenciamento ambiental prévio à exploração desses blocos. A Arayara tem expertise em litigância em territórios com empreendimentos fósseis que não cumprem as diretrizes estabelecidas na OIT 169”, declara. 

John Wurding destaca ainda a possibilidade de atividades de fracking na região de interesse da Imetame e da CE Energia, visto que ali o petróleo é encontrado a cerca de 700m de profundidade e o fracking já pode ser feito a partir de mil metros. “Há a possibilidade do fantasma do fracking voltar a assombrar o Brasil, com exploração do gás de xisto em bacias como a do Espírito Santo”, alertou. 

Mais de 1,7 mil blocos à venda

Ao todo, conforme noticiou a Agência Brasil, o 3º ciclo teve 59 blocos arrematados em seis bacias, somando R$ 422 milhões em bônus de assinatura, o que representa um ágio médio de 854% em relação às propostas mínimas exigidas pelo leilão. Os blocos foram contratados por 13 empresas, que devem investir R$ 406 milhões em atividades de exploração nos próximos anos. Resultado que foi considerado um sucesso pela ANP e o Ministério das Minas e Energia. 

O formato utilizado, de Oferta Permanente, é, segundo o diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, o que vai prevalecer daqui para frente, substituindo o sistema antigo, de leilão. Os três ciclos de OF até agora adotaram a modalidade de concessão, mas há uma outra modalidade prevista, de partilha, que será voltada à exploração do pré-sal, cujas regras estão em elaboração pelo governo federal. 

A previsão é que mais de 1,7 mil blocos estarão em Oferta Permanente no país a partir dos próximos ciclos de OP, sublinha o coordenador técnico do Arayara. Segundo os cálculos do Instituto, já havia 666 blocos que sobraram do primeiro e segundo ciclo. Deste terceiro, mais 320 não foram arrematados. E há ainda mais 800 que o presidente da ANP anunciou que colocará à venda em breve. 

Para esses novos 800, explica, a regra para a dimensão socioambiental estabelecida pela Portaria Interministerial MME/MMA nº 1, assinada pelos ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia em 22 de março passado, em relação à dimensão socioambiental, obriga apenas a apresentação de uma manifestação conjunta das duas pastas, excluindo a necessidade de consulta às populações tradicionais, conforme reza a OIT 169. 

Sustentabilidade? 

Serão, portanto, sublinha John, tempos de intensa luta em prol do clima, da biodiversidade e das comunidades tradicionais invisibilizadas e agredidas pela indústria petroleira. Afinal, é gritante o contraste entre as recomendações internacionais e os relatos dos povos tradicionais, de um lado, e a postura do governo federal brasileiro. 

Ao abrir a sessão desta quarta-feira, por exemplo, o diretor-geral da ANP destacou que “a transição energética precisa ser feita de forma equilibrada. É necessário, sem dúvida, aumentar o investimento em energias renováveis, para garantir a ampliação da oferta de combustíveis limpos, mas, ao mesmo tempo, é imprescindível continuar atendendo à demanda por hidrocarbonetos de forma sustentável e eficiente, até que as novas soluções sejam capazes possam substituí-lo”, disse Saboia. “Especialmente no Brasil, temos ainda muita riqueza a ser gerada pela indústria de petróleo e gás natural em benefício da sociedade”.

Ofertas anteriores

O modelo de licitação dos blocos oferecidos no 3º Ciclo é o de concessão, que se aplica a licitações que não incluam o polígono do pré-sal. Os dois ciclos anteriores da Oferta Permanente, também realizados apenas sob o mesmo regime, ocorreram em 2019 e 2020. No primeiro ciclo, em setembro de 2019, foram arrematados 33 blocos e 12 áreas com acumulações marginais. Já no segundo, em dezembro de 2020, 17 blocos exploratórios. 

Desde o fim do ano passado, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) estabeleceu a Resolução nº 27/2021, que permite que blocos do pré-sal e de áreas estratégicas sejam incluídos na oferta permanente, sob regime de partilha.

A partir disso, estão em fase de elaboração o edital e os modelos de contrato da Oferta Permanente de Partilha de Produção (OPP). O leilão ainda não possui data para ser realizado, mas, na abertura da sessão pública realizada nesta quarta, o diretor-geral da ANP previu que isso pode ocorrer ainda este ano.

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