quinta-feira, dezembro 5, 2024
24.9 C
Vitória
quinta-feira, dezembro 5, 2024
quinta-feira, dezembro 5, 2024

Leia Também:

Artigo científico confirma extensão da lama da Samarco/Vale-BHP desde Abrolhos até o Rio de Janeiro

Elaborado por acadêmicos de Portugal e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o artigo Fundão Dam collapse: Oceanic dispersion of River Doce after the greatest Brazilian environmental accident confirma as afirmações que vêm sendo feitas pelos pesquisadores de várias universidades brasileiras, bem como de órgãos ambientais federais e estaduais: a lama já extrapolou a divisa do Espírito Santo, tanto para o norte quanto para o sul. O artigo foi publicado no Marine Pollution Bulletin, nessa quarta-feira (24).

Nos mapas constantes no artigo, é possível ver que, entre novembro e janeiro, empurrada pelo vento nordeste, a lama chegou até a cidade do Rio de Janeiro e adjacências. E a partir de maio, com o vento sul ganhando força, ela foi tomando a direção norte, chegando até Abrolhos. O quanto desse sedimento permaneceu no extremo sul depois que o vento nordeste cessou ainda não se sabe, mas certamente ele não foi todo empurrado para o norte.

No mesmo dia, o Centro Tamar-ICMBio enviou uma nota técnica ao Ministério Público Federal de Minas Gerais (MPF-MG) respondendo se a região ao norte da Foz do Rio Doce realmente pode ser considerada área atingida pelo crime. A pergunta dirigida ao Tamar, por sua vez, foi motivada por pressão da comunidade de Urussuquara, para que o MPF-MG apoie as comunidades do norte, abandonadas pelo Estado e pela empresa, que insiste em negar o impacto sobre a região.

Ainda na quarta-feira (24), à noite, uma reunião convocada às pressas pela empresa revoltou as comunidades. Convocados apenas na véspera, lideranças comunitárias tiveram que ir a Linhares para ouvir as regras da Samarco/Vale-BHP para mais um cadastramento. Apenas as associações – de moradores, pescadores, comércio, artesanato e cultura – de Regência e Povoação foram convidadas.

“É revoltante. Nós continuamos sendo ignorados”, reclama Mônica Silva de Jesus Pazinatto, presidente da Associação de Moradores do Pontal do Ipiranga, referindo-se a todas as comunidades diretamente impactadas ao norte da Foz, desde Pontal até Barra Nova.

A reunião faz parte do programa de “Diálogo Social” da empresa, previsto no acordo firmado com a União e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, cuja homologação foi suspensa pela Justiça Federal, mas que, na falta da homologação do seu substituto, proposto em ação civil pública do Ministério Público Federal de Minas Gerais ainda sem julgamento, continua sendo executado pela empresa.

A ideia, em andamento, é criar uma “matriz de danos e indenizações”. Na reunião desta quarta (24), foi apresentada às entidades qual a metodologia que será usada no processo de recadastramento. Em resumo, os dados das pessoas já cadastradas serão cruzados com dados oficiais. Em seguida, serão agendadas novas entrevistas e, então, as visitas técnicas.

Com isso, a Samarco alega querer retirar o benefício de quem não atende aos novos critérios, pois há denúncias de fraudes de muita gente que não é morador das comunidades afetadas ou que não é profissional de atividades afetadas, mas que estaria recebendo os benefícios do cartão. 

Há porém um número, tudo indica bem maior, de pessoas que são sim afetadas mas que não conseguiram receber o cartão. Essas terão que se dirigir ao escritório da Samarco em Linhares ou aguardar a visita das consultorias contratadas por ela.

O cartão hoje dá direito a um salário mínimo por pessoa cadastrada, mais R$ 400,00 de cesta básica e 20% por dependente menor de idade. É bem menos do que a renda que um pescador tinha antes da lama, mas para quem estava desempregado, é a garantia de subsistência.

Desustruturação social

Esses cadastramentos atabalhoados que as consultorias da Samarco estão fazendo têm gerado ainda uma desestruturação social das comunidades. “Tem pai brigando com filho porque um recebeu e o outro não, gente que era amiga e parou de conversar um com o outro por causa disso. E a violência e o consumo de drogas aumentaram”, observa Carlos Sangalia, educador ambiental do Centro Tamar-ICMBio e diretor social da Associação de Moradores de Regência (Amor).

O cenário que o educador ambiental descreve se encaixa bem no alerta feito continuamente pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), de que a empresa tem como estratégia incentivar a discórdia entre as pessoas, as disputas entre comunidades e a competição entre os setores de uma mesma comunidade.  

Uma orientação geral, repetida insistentemente pelo MAB, é em favor da união entre as pessoas e a construção de uma pauta única, envolvendo todas as comunidades atingidas, desde Mariana até a Foz, pois juntos, ganham mais força para lutar por seus direitos.

O novo prazo dado pela empresa para iniciar o pagamento das indenizações, materiais e morais, é novembro. Até lá, nova correria para fazer novo cadastro, embromando novamente a população.

'Cor de fanta'

Enquanto isso, a lama tóxica se espalha. Cobrindo o fundo do mar e vindo à tona ao sabor dos ventos. Na véspera da mesma fatídica quarta-feira, moradores registraram uma cena que há muito não se via: o mar com “cor de fanta” numa extensão muito grande. Do alto do helicóptero, a equipe que realiza os sobrevoos divulgados pelo site Governância pelo Rio Doce visualizou a mancha incomum, cerca de 50 quilômetros mar adentro. Os mapas saem nos próximos dias. 

Mais Lidas