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Cimi apresenta relatório sobre violências sofridas pelos povos indígenas em 2020

Os Tupinkim e Guarani do Espírito Santo relatam casos de óbito por Covid e desassistência à saúde

Leonardo Sá

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançou o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2020”. Em um cenário de aumento da violência contra os povos originários no Brasil, o documento publicado anualmente também traz registros de violações às comunidades tradicionais no Espírito Santo, com casos de desassistência na área de Saúde, violência contra o patrimônio e pendências na demarcação de terras.

Em todo o Brasil, foram registrados 89 casos de desassistência à saúde dos povos indígenas em 2020, realidade que atingiu pelo menos 66 povos em 38 terras indígenas. O Espírito Santo é um deles. O relatório descreve o caso da Tupinikim Jacieli Pego, da aldeia Caieiras Velha, em Aracruz. No ano passado, a indígena foi contaminada pela Covid-19, sofreu um aborto espontâneo, e recebeu o feto em um frasco de soro para levar para casa.

“Ela e o esposo relatam várias situações em que foram negligenciados e desrespeitados, mas o que os levou ao desespero foi o fato de uma profissional do hospital ter entregado à mãe um frasco de soro fisiológico com o material expelido no aborto (placenta e feto). Jacieli, aos prantos, perguntou o que faria com o feto, ao que a profissional de saúde respondeu: ‘A única coisa que a gente pode fazer é te dar uma sacolinha pra senhora levar consigo’, descreve o relatório.

Além do Espírito Santo, foram registrados casos de desassistência à Saúde nos estados de Alagoas, Amazonas, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins.

“Os casos de desassistência na área de saúde, que atingiram pelo menos 66 povos em 38 terras indígenas, referem-se principalmente à falta de adoção de ações emergenciais, por parte do governo federal, para minimizar os efeitos do coronavírus sobre as comunidades indígenas. As comunidades indígenas também reclamam que surtos de malária têm sido recorrentes devido a invasões de garimpeiros em suas terras; há falta de água potável, o que tem causado muitos casos de diarreia; faltam medicamentos ou são ofertados medicamentos vencidos; além da falta de saneamento básico em muitas comunidades”, aponta o relatório.

O levantamento também apresenta o número de mortes causadas pela Covid-19 entre os povos indígenas. Com base em dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o documento registra um óbito causado pelo coronavírus nas aldeias do Espírito Santo em 2020.

Já os casos de contaminação pela Covid-19 estão divididos por Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei). O Dsei de Governador Valadares, responsável pelas comunidades de Minas Gerais e do Espírito Santo, registrou 288 casos de Covid-19 entre indígenas no ano passado.

Violência contra o patrimônio

O relatório também aborda a paralisação dos procedimentos demarcatórios no Brasil, determinada pelo governo Jair Bolsonaro, bem como a violência contra o patrimônio indígena e o direito à terra. O Espírito Santo está entre os estados que possuem terras indígenas com alguma pendência administrativa.

No Estado, três terras indígenas estão na categoria “Sem providências”, que são aquelas reivindicadas pelas comunidades sem nenhuma providência administrativa para sua regularização: Aldeia Ita Pará (Caparaó), do povo Guarani, localizada nos municípios de Divino de São Lourenço e Dores do Rio Preto; a Chapada do A, dos povos Tupinikim, localizada em Anchieta, sul do Estado; e a Serra Caparaó, dos povos Guarani-Mbyá, também localizada em Dores do Rio Preto e Divino São Lourenço.

“Com o pior desempenho desde o fim da ditadura militar, o governo de Jair Bolsonaro não demarcou e nem ao menos iniciou nenhum processo de demarcação de terra indígena ou quilombola. O presidente da República continua cumprindo a sua promessa eleitoral de ‘não demarcar um centímetro de terra indígena’ – ainda que regularizar e proteger as terras indígenas seja uma obrigação constitucional do poder Executivo. Como fez com outros órgãos federais, militarizou a Funai [Fundação Nacional do Índio] e nomeou um delegado para presidir o órgão indigenista”, diz o relatório.

Desencarceramento

Outro apontamento do relatório é o encarceramento em massa no Brasil e os impactos desse problema para as comunidades indígenas. Em 2020, 1,2 mil indígenas estavam em privação de liberdade no país, sendo três no Espírito Santo. Para o Cimi, um dos fatores que contribuem para a inserção destas pessoas nas malhas do sistema de justiça criminal brasileiro é a falta de políticas públicas básicas para indígenas e a não garantia das demarcações de terras.

“É urgente intensificar o envolvimento dos movimentos indígenas e indigenistas à questão antiprisional no Brasil. Assim, conjuntamente, uniremos nossas forças em prol do desencarceramento e em busca do respeito a formas próprias de resolver problemas coletivos sem recorrer ao cárcere e à privação de liberdade”, aponta o documento.

A falta de políticas públicas básicas também contribui para o alto índice de suicídio entre jovens. Em 2020, foram registrados 110 suicídios de indígenas em todo o país, enquanto um caso foi registrado no Espírito Santo.

No Brasil, 2020 também foi o ano que apresentou um aumento de casos de violência contra a pessoa, com 304 registros que incluem casos de abuso de poder, ameaça de morte, ameaças várias, assassinatos, homicídio culposo, lesões corporais dolosas, racismo e discriminação étnico cultural, tentativa de assassinato e violência sexual.

“As violências contra os povos indígenas repetiram-se com uma dolorosa gravidade. Propagadas, incentivadas ou naturalizadas por agentes do Estado, explicitam que a opção pela violência se faz necessária para atender às pretensões econômicas e políticas em vigor no país. A crise sanitária expôs a vulnerabilidade a que estes povos estão submetidos – em seus territórios, pressionados por invasores, ou em luta pela terra, resistindo em condições precárias”, alerta o documento.

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