segunda-feira, outubro 7, 2024
22.7 C
Vitória
segunda-feira, outubro 7, 2024
segunda-feira, outubro 7, 2024

Leia Também:

Distopia capixaba: siderurgia responde por 31% dos gases de efeito estufa do ES

Maior siderúrgica do Estado, ArcelorMittal lança poluentes que também afetam a saúde em toda a Grande Vitória

Leonardo Sá

Uma única atividade econômica responsável por quase um terço do total de gases de efeito estufa (GEE) emitidos por todo um estado. Atividade, por sua vez, largamente representada por uma única empresa, que mantém instalada, no meio de um denso conglomerado urbano, uma das principais unidades produtivas da segunda maior companhia siderúrgica do mundo.

A distopia poluente e climática acima descrita refere-se à indústria siderúrgica capixaba, que tem como principal produtora a multinacional ArcelorMittal Tubarão, localizada na região metropolitana do Espírito Santo, numa península que separa a capital Vitória da Serra, o município mais populoso do Estado e que recebe constante incidência de ventos durante todo o ano. 

Em números, representa 10,4 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2E) emitidos pela indústria siderúrgica capixaba, o que equivale a 31,16% das emissões brutas totais do Estado, que alcançaram 33,4 Mt em 2021, segundo a 10ª coleção do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima (OC), lançada nesta terça-feira (1). 

No contexto nacional, o Espírito Santo representa apenas 1,4% das emissões brutas e 1% das emissões líquidas do Brasil. Lembrando que as emissões líquidas são o resultado das emissões brutas (total de GEEs lançados na atmosfera) subtraídas das chamadas “remoções”, ou seja, mecanismos de retirada de gás carbônico da atmosfera, por meio, por exemplo, do crescimento das florestas. 

Assim como na média brasileira, as emissões capixabas voltaram a subir em 2021, alcançando patamares de 2014 e 2015, num evidente retrocesso. Em geral, explicou o coordenador geral do SEEG/OC, Tasso Azevedo, durante a live de lançamento da 10ª Coleção, o Brasil viveu um período de franco crescimento das emissões entre os anos de 1990 e 2003, quando iniciou-se um período de forte redução, puxada pela queda do desmatamentos, garantida pelos governos petistas de Lula e Dilma Roussef. “A partir daí, até 2021, houve um sobe e desce, com tendência de subida, principalmente em 2021”.

Diferentemente da composição brasileira, no entanto, que tem quase metade de suas emissões oriundas do desmatamento e outras mudanças no uso da terra, o Espírito Santo tem a Energia e os Processos Industriais empatados, cada um responsável por 32% das emissões.

O impacto da Indústria, no entanto, torna-se o principal quando se somam as emissões por “processos industriais” e a parte industrial do setor de Energia, que é de 17,1%. Juntos, os dois montantes alcançam 12,38 Mt, ou 37% do total do Estado. Nesse contexto, a siderurgia contribui com 84% de todas as emissões industriais capixabas. 

“A indústria emite tanto quando ela queima combustíveis para obter energia, por exemplo, para esquentar alguma matéria-prima ou para girar algum mecanismo, que entram na conta do setor de Energia; quanto quando ela realiza transformações físico-químicas para fabricar seus produtos, como ocorre por exemplo na redução do minério de ferro para obtenção de ferro puro, na siderurgia, e que é considerado ‘processos industriais”, explica Felipe Barcellos, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), uma das entidades que compõem o Observatório do Clima (OC). 

Dissecando cada um dos setores monitorados pelo SEEG/OC, o Espírito Santo tem as seguintes proporções: 

Energia: 42,1% Transportes; 19,7% Produção de Combustíveis; 17,1% Industrial; 5,3% Geração de Eletricidade (Serviço Público).

Uso da terra: 92,5% Alterações de Uso da Terra; 7% Resíduos Florestais.

Agropecuária: 63,1% Fermentação Entérica; 33,4% Solos Manejados.

Resíduos: 71,3% Resíduos Sólidos; 28,7% Resíduos Líquidos.

Indústria: 96,9% Produção de Metais; 3,1% Produtos Minerais.

Pode-se observar que, com exceção de Indústria, as demais fontes registraram aumentos seguidos quando se compara o volume de emissões em três datas: 1990, 2005 e 2021. Energia teve a maior subida, saltando de 4 em 2005 para 11 em 2021. Indústria teve a segunda maior alta, de 6 para 11 em 2021.

Dentro do setor Agropecuária, o SEEG aponta ainda que a maior parte das emissões vem do gado de corte (3,52 milhões), restando parte bem menor para o gado de leite (803,5 mil). 

Já no subsetor de Transportes, o diesel de petróleo atende por 181,6 mil toneladas, seguida de GLP (424) e Biodiesel (244,8). 

Quatro décadas de desmandos

A respeito da especificidade da siderurgia no Espírito Santo, o pesquisador do Iema lamenta que, além da elevada parcela de contribuição para as emissões capixabas de GEEs, essa indústria ainda esteja situada em um endereço tão impróprio. “O ideal é que essas indústrias estejam o mais afastado possível das aglomerações urbanas”, afirma Felipe Barcellos. 

Infelizmente, a esdrúxula situação é realidade no Estado há 40 anos, quando a então Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) iniciou suas atividades na planta industrial construída ao lado de outra gigante mundial, a então Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), hoje a segunda maior mineradora do planeta. 

Duas gigantes que emitem GEEs e outros poluentes que impactam o clima e a saúde da população, além de demandaram substancial gasto de tempo, energia e dinheiro para limpar o famigerado “pó preto” – partículas sedimentáveis formadas a partir de um conjunto de poluentes que tomam a cor do minério de ferro, matéria-prima trazida pela Vale para a produção do aço pela ArcelorMittal, e armazenada em pilhas gigantescas elevadas em pátios descobertos, onde o vento marítimo sopra incessante durante todo o ano, espalhando o pó negro e brilhante sobre as cidades. 

Distopia real, graças à omissão histórica de governos e órgãos de controle e fiscalização em âmbito federal, estadual e municipais. Somente por um único dia, em setembro de 1990, na gestão de Max Mauro, as duas gigantes tiveram suas atividades suspensas por problemas ambientais. No mais, antes e depois, o que prevalece é sempre os interesses das duas poluidoras, que continuam expandindo suas atividades, mesmo sem o cumprimento das condicionantes estabelecidas nos licenciamentos ambientais anteriores. 

Um episódio icônico recente, em meados de outubro, foi o acordo firmado entre a ArcelorMittal Tubarão, o Ministério Público Estadual (MPES) e a Prefeitura da Serra, que arquivou quatro processos de investigação por poluição ambiental em troca de recursos da ordem R$ 4 milhões para construção ou reforma/ampliação de uma unidade de saúde na região de Carapebus, vizinha direta do empreendimento. 

Além da interrupção dos processos, o acordo traz ainda em sua redação a garantia de que a empresa não precisa vincular a transferência de dinheiro como forma de compensação dos danos provocados pela poluição que emite e que gerou os processos de investigação até então em curso. 

E isso, um mês depois da anulação de uma multa de R$ 9 milhões que o município havia expedido, após uma “chuva de pó preto” que cobriu bairros vizinhos à siderúrgica, na região de Carapebus, onde até o “ronco” das máquinas pode ser ouvido nas noites em geral silenciosas do bairro Praia de Carapebus. 

Emissões aumentam em todo o mundo

Em âmbito mundial, o Observatório do Clima ressaltou que os níveis dos três principais gases de efeito estufa bateram novo recorde em 2021, conforme o boletim da Organização Meteorológica Mundial divulgado na última quarta-feira (26).

Após uma queda pontual registrada no auge da pandemia de Covid-19, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera aumentou de 2020 para 2021 a uma taxa maior do que a média de crescimento anual da última década. O nível de CO2, o gás de efeito estufa mais importante, já é 149% maior do que na era pré-industrial, principalmente por causa das emissões da combustão de combustíveis fósseis e da produção de cimento.

No caso do metano, o segundo maior contribuinte para as mudanças climáticas, o salto na concentração em relação a 2020 é o maior desde o início das medições sistemáticas, há quatro décadas. A razão para este aumento excepcional não está totalmente clara; pode ser resultado de processos biológicos e induzidos pelo homem, aponta a entidade.

Já o aumento do óxido nitroso de 2020 para 2021 também foi superior à taxa média de crescimento anual dos últimos 10 anos.

De 1990 a 2021, o efeito de aquecimento do clima por gases de efeito estufa de longa duração aumentou quase 50%, com o dióxido de carbono respondendo por cerca de 80% desse aumento.

“Estamos no caminho errado. As mudanças necessárias são economicamente acessíveis e tecnicamente possíveis, mas o tempo está se esgotando”, disse o secretário geral da WMO (na sigla em inglês), Petteri Taalas.

“Como prioridade máxima e mais urgente, temos que reduzir as emissões de dióxido de carbono, que são o principal motor das mudanças climáticas e condições climáticas extremas, e que afetarão o clima por milhares de anos por meio da perda de gelo polar, do aquecimento dos oceanos e do aumento do nível do mar”.

A entidade disse esperar que a informação “galvanize os governos para uma ação climática mais ambiciosa na COP27”, a conferência do clima da ONU, que começa em nove dias no Egito.

A temperatura média global hoje está 1,1°C acima da média pré-industrial (de 1850 a 1900) – os últimos sete anos foram os mais quentes já registrados.

A OMM mede as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa: o que permanece na atmosfera depois que os gases são absorvidos por sumidouros como o oceano e a biosfera. A entidade alerta que a capacidade dos ecossistemas de absorver o CO2 da atmosfera está em risco. “Em algumas partes do mundo, a transição do sumidouro para fonte de CO2 já está acontecendo”, afirmou Taalas, em referência a estudos recentes que mostraram esse efeito na Amazônia.

Mais Lidas