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Em Brasília e Vitória, indígenas lutam por garantias de direitos constitucionais

Direitos constitucionais dos povos indígenas estão sob ameaça por uma conjuntura política contra a democracia, que contamina o Executivo e o Legislativo em níveis federal e estaduais.“Estão querendo tirar tudo, todos os direitos conquistados com a Constituição Federal, nos artigos 231 e 232”, enuncia o cacique Werá Kwaray, o Toninho, da Aldeia Boa Esperança, em Aracruz, no norte do Espírito Santo.  O momento, acentua o líder Guarani, é de “lutar para manter as nossas conquistas, os nossos direitos”.

São muitas emendas no Congresso, relata Werá Kwaray. De fato, segundo levantamento feito pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e divulgado pela Pública – Agência de Jornalismo Investigativo, existem hoje 33 proposições anti-indígenas em andamento na Câmara e no Senado. Somadas às propostas apensadas que tratam de temas semelhantes, elas ultrapassam uma centena.

A demarcação das Terras Indígenas é o ponto primordial, pois o território é parte essencial para a manutenção da cultura e da identidade das populações indígenas. Por outro lado, essas terras são cobiçadas por fazendeiros e empresários do agronegócio, que promovem grilagem e violência no campo, além de uma articulação no Congresso Nacional como não se via desde a Ditadura Militar.

Acompanhando os acontecimentos do Acampamento Terra Livre (ATL) que este ano acontece em Brasilia de 23 a 27 de abril, Werá Kwaray destaca a entrega ao Ministério da Justiça, na manhã desta quinta-feira (26), de um Manifesto que pede o respeito aos direitos indígenas na Carta Magna do país, tendo a não aprovação do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU) como ponto crucial.

O Parecer defende a tese do Marco Temporal, segundo a qual, explica a Agência Pública, “só teriam direito de reivindicar as terras os povos que as estivessem ocupando até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição. Assim, aqueles índios que estavam expulsos dessas áreas à época ficariam impedidos de voltar para os territórios”. “Eles dizem que no Sudeste e no Nordeste não tem mais índio”, reclama Kwaray, referindo-se à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Congresso Nacional.

Conforme veiculado em reportagem da Pública, a FPA conta hoje com mais de 200 deputados e cerca de 20 senadores. Conhecida como bancada ruralista, representa os produtores rurais e latifundiários e costuma votar em bloco em projetos de interesse comum, sobretudo quando o foco envolve a questão indígena e, consequentemente, a proteção do patrimônio natural brasileiro.

Entre as principais está a polêmica PEC 215/2000, que tramitou por mais de uma década sem nenhum consenso até que, em 2015, os ruralistas conseguiram colocá-la novamente em pauta com o auxílio do então presidente da Casa, Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso em seguida por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Em meio a outras mudanças, a proposta sugere que os indígenas não têm direito à terra caso não estivessem em posse dela em 1988, ano em que a Carta Magna foi promulgada. Porém, o texto não considera aqueles que foram expulsos de seus locais de origem por fazendeiros e militares, por exemplo, além de proibir a ampliação de territórios já demarcados.

Artionka Capiberibe, professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), aponta que a guerra declarada dentro do legislativo acaba induzindo a opinião pública a se colocar contra os povos nativos, o que pode agravar as situações de violência. “A prova de que esse discurso de ódio, aliado à inação e omissão dos executivos estaduais e federais, tem um efeito prático são os assassinatos de lideranças indígenas que não cessam ”, enfatiza.

Outro exemplo de proposta anti-indígena é o Projeto de Lei 3.729/2004, que flexibiliza o licenciamento ambiental para obras de infraestrutura, como rodovias e hidrelétricas.

Boi, bala e Bíblia

A atual formação do Congresso Nacional é a mais conservadora desde 1964. A conclusão é de um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). O grande número de policiais, religiosos, fazendeiros e empresários eleitos por partidos de direita e centro-direita em 2014, segundo o Diap, também é tendência para o pleito deste ano.

Os três grupos são conhecidos como bancada BBB, por fazerem a união entre a bancada armamentista (“da bala”), ruralista (“do boi”) e evangélica (“da Bíblia”). Cerca de 81% dos deputados federais da Amazônia Legal, responsável por abrigar o bioma com a maior diversidade de espécies do planeta, compõem pelo menos uma dessas bancadas.

Mesmo sem tanta visibilidade, há também uma parcela de congressistas esforçados em conter os ataques às minorias. Desde 2011 existe uma Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, relançada na atual legislatura, em 2015, por iniciativa do deputado Ságuas Moraes (PT-MG). Apesar de reunir a assinatura de 211 parlamentares, são poucos os que, de fato, intervêm de forma mais ostensiva.

Um dos principais desafios da equipe é colocar em votação o Estatuto dos Povos Indígenas, matéria que aguarda aprovação do Congresso Nacional há mais de 20 anos e reúne um conjunto de interesses dos indígenas relacionados à saúde, educação, preservação cultural, assim como a demarcação de terras, tão atacada por boa parte dos setores econômicos.

Roda de Conversa na Assembleia

Todos esses assuntos foram abordados em Vitória, na última quarta-feira (25), durante uma Roda de Conversa sobre “A questão indígena no Brasil e seus desafios na atualidade”, realizada pela Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa.

Os palestrantes convidados desta edição do projeto foram o educador indígena da Aldeia Caieiras Velha Jocelino Tupiniquim, e o cacique da Aldeia Nova Esperança, Marcelo Werá Djekupé.

Em consonância com a luta nacional, enfatizaram o processo de demarcação das terras no Espírito Santo, destacando a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que transfere da União para o Congresso Nacional a demarcação das terras indígenas e a educação nas aldeias.

“Nos anos 40 ocorreram os grandes empreendimentos no Estado. Eles derrubaram a mata para fazer carvão. Primeiro foi a Companhia Ferro e Aço, depois a Vale, até chegar a Aracruz Florestal. Apenas em 1973 a Funai [Feundação Nacional do Índio] chegou lá e, em 1979, reconheceu as terras. Em 1998 foi assinado um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta]. Com o tempo fomos perdendo direitos e em 2005 a luta voltou e durou até 2010, quando conseguimos a homologação das terras”, contou Jocelino.

Ele destacou que a Constituição Federal de 1988, em especial em seus artigos 231 e 232, contribuíram para o fortalecimento da causa indígena. “Antes da Constituição o indígena só se manifestava pela Funai, depois conseguimos pela lei”, explicou. “Juntos com os demais povos, temos conseguido vitórias na demarcação de terras, mas ainda temos questões ligadas à agricultura, educação e saúde”, pontou Marcelo.

A preocupação com a PEC 215/2000 foi outro assunto em debate no encontro. Para os indígenas, a mudança na Constituição “tira o poder [de demarcar terras] do Executivo e passa para o Legislativo. Os maiores latifundiários são legisladores. Temos dificuldade de lidar com o governo de hoje. A bancada BBB quer retroceder os direitos indígenas”, alertou Jocelino.

Outra preocupação dele gira em torno da educação nas aldeias. Atualmente, eles possuem uma escola de ensino fundamental, mas a implantação do ensino médio, que tinha avançado no governo anterior, de Renato Casagrande (PSB), foi paralisada na atual gestão. “O governo atual invalidou a escola que o anterior aprovou. Temos ação no Ministério Público. Temos uma fundamental com 340 crianças, porque não podemos ter de ensino médio?”, questionou.

Por fim, Jocelino falou que as pessoas precisam olhar para as necessidades dos índios de modo diferente do senso comum. “As pessoas acham que temos muitos direitos, mas foram 43 anos de luta e sangue para demarcar nossas terras. (…) A ideia sempre foi tentar integrar os índios à sociedade, mas somos diferentes”, ressaltou. “Estamos com a terra demarcada e os jovens estão aprendendo a lutar. Estamos estudando para defender nossos direitos”, finalizou Marcelo.

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