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Fundação Renova quer pagar indenizações menores às mulheres pescadoras

O Registro Geral de Pesca (RGP) das mulheres pescadoras ao longo do Rio Doce vale pouco mais da metade do valor do RGP dos homens, na avaliação da Fundação Renova, criada pela Samarco/Vale-BHP para executar os programas de compensação e reparação dos danos provocados pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG, no dia cinco de novembro de 2015.

Esse é o entendimento de homens e mulheres que estão recebendo, da Renova, as propostas de indenização por danos morais, materiais e lucro cessante advindos da impossibilidade de exercitar sua profissão após o derramamento de rejeitos de mineração na calha do rio.

Rosilene da Silva Carvalho, pescadora em Baixo Guandu, conta que ela e o esposo possuem o RGP e trabalhavam da mesma forma. A proposta da Renova para seu marido, porém, foi de aproximadamente R$ 78 mil e a dela, de R$ 42 mil, pouco mais da metade.

“A mesma coisa que o marido faz a esposa também faz. Eu acho isso um absurdo! A pessoa tem a carteira de pesca, mexe com peixe, e fazer isso!”, reclama a pescadora profissional, que conta fazer todo o serviço, da mesma forma que o esposo: armar a rede, pescar de vara e molinete, limpar e vender o peixe. “Trabalhava igual a ele, mas estão nos colocando como ajudantes de pesca. Eu falei pra ela [representante da Renova, em reunião sobre as indenizações]: então a minha carteira de pesca pra vocês não vale nada, eu não sou profissional?”, relata Rosilene.

Na cidade vizinha de Aymorés, já em Minas Gerais, o pescador Vagner Aparecido de Souza conta que sua esposa sequer conseguiu se cadastrar, e a indenização foi proposta apenas para ele, e num valor muito inferior à renda que a família obtinha antes da chegada da lama. “Estão discriminando as mulheres, sim!”, denuncia.

Vagner conta que a esposa limpava e comercializava o peixe que ele pescava. Mas ela foi totalmente excluída do cadastramento. “Não estão cadastrando as mulheres, colocando só como dependente, pagando 20%“, conta.

O cálculo para as indenizações, explica Vagner, é feito a partir do valor atualmente pago nos auxílios emergenciais. A proposta da Renova é pagar de uma única vez o valor equivalente a cinco meses de auxílio emergencial, descontando os meses já pagos, os honorários dos advogados – que variam de 20% a 30%, dependendo do contrato feito entre a associação/colônia/sindicato de pesca e o escritório de advocacia – e o imposto de renda; e acrescendo de indenizações por danos morais (R$ 10 mil em média) e dos barcos que ficaram parados (R$ de 8 mil a R$ 10 mil).

“É muito menor do que o orçamento que a gente tirava”, reclama Vagner, que hoje recebe um auxílio de pouco mais de R$ 1.300,00, quase metade do que conseguia quando podia pescar.

E quem garante que em cinco anos o rio voltará a ser piscoso? Que os rastros da lama terão desaparecido e os peixes voltarão a ser saudáveis e seguros para o consumo? Ninguém tem a resposta precisa, por isso, os pescadores e pescadoras estão receosos em assinar um acordo de indenização que, além de se basear em valores inferiores aos rendimentos anteriores ao crime, discrimina as mulheres e ainda pode lhes deixar completamente sem renda em um futuro próximo, quando o dinheiro antecipado do auxílio emergencial e das indenizações acabar e a pesca continuar inviável.

“Mataram nosso rio e querem pagar essa indenização e acabar o cartão. Eles acabaram como o rio, não dá mais pra viver da pesca, aqui em Baixo Guandu ninguém compra mais peixe, estão cheios de machucado. Agora querem pagar essa mixaria. Eu não pego. E não quero exercer outra atividade. Como eu vou largar a minha profissão de pescadora para tentar fichar agora em outro serviço, perto de me aposentar?”, desabafa Rosilene.

A discriminação contra as mulheres pescadoras é uma das sete pautas enviadas para a Defensoria Pública do Espírito Santo e para o Comitê Interfederativo (CIF), após reunião realizada no dia 13 de setembro, no Centro de Treinamento Dom João Batista, na Praia do Canto, em Vitória, a convite da Comissão Pastoral da Pesca (CPP), ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

O encontro reuniu dez associações, colônias e sindicatos de pesca capixabas, além do Fórum Norte da Foz, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP) e a Federação das Associações de Pescadores do Espírito Santo (FAPAES).

Lama ainda desce

Vagner conta que, para conseguir o peixe para a família comer, percorre cerca de 33 km para chegar na região de Santa Aninha, acima da barragem velha, que não foi afetada. Mas é só para subsistência, porque ninguém acredita que o peixe vem de uma região não contaminada. No Rio Doce, há cerca de vinte dias, decidiu “dar uma tarrafada” e só encontrou peixes doentes, “todo cheio de lepra”.

Acima de Governador Valadares, alerta que há uma barragem com muita lama, que vai descer a qualquer momento, assim que cair a próxima chuva forte. “E um colega meu que mora perto diz que a lama ainda tá descendo de Mariana no Rio Doce”. Os pescadores, lamenta Vagner, “ou estão na droga ou estão nos botecos bebendo cachaça”. “Não tem pesca, acabou”.

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