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Gasto da Fundação Renova com propaganda é suficiente para construir 146 casas

Instituições de Justiça ajuizaram pedido de remoção das propagandas, consideradas ‘enganosas e abusivas’

Leonardo Sá

Os R$ 28,1 milhões gastos pela Fundação Renova com propaganda nos últimos seis anos equivalem ao valor necessário para construir 146 casas de dois quartos ou 80 casas de três dormitórios.

A comparação consta na ação civil pública ajuizada pelas instituições de Justiça que atuam no caso Samarco/Vale-BHP e que prevê a retirada de todas as campanhas publicitárias veiculadas pela Fundação Renova desde o rompimento da Barragem de Fundão, em novembro de 2015 em Mariana/MG, e que lançou 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração sobre o Rio Doce, matando 19 pessoas e destruindo mais de 600 km do leito do rio em Minas Gerais e no Espírito Santo.


Na ação, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPMG)e as Defensorias Públicas da União, do Espírito Santo e de Minas (DPU, DPES e DPMG) classificam as propagandas de “enganosas e abusivas”. Além da retirada das peças, pedem que a Justiça Federal exija a produção de material de contrapropaganda e o pagamento de indenização por danos morais coletivos em valor equivalente ao dobro dos gastos efetuados até o momento, ou seja, R$ 56 milhões.
O objetivo é impedir a divulgação de todo e qualquer material publicitário ou propagandístico pela Fundação Renova, em especial as divulgadas sob as rubricas “Da reparação até aqui”, “Expedição Rio Doce” e “Conteúdo de marca – site UOL”, e quaisquer outras assemelhadas que ainda se encontrem no site da fundação.
A ação é impetrada seis meses depois de uma Recomendação feita à Fundação Renova pela Força-Tarefa Rio Doce, com indicações de ajustes e exclusões das peças em desacordo com a verdade.
“Como entendemos que essas propagandas e divulgações tiveram compromisso maior em autopromover a imagem das empresas que são mantenedoras da Renova ao invés de informar os atingidos e a sociedade em que pé está a reparação, fizemos uma recomendação, acabamos de enviar para as empresas, tratando sobre cada ponto de cada propaganda, de cada fala, de cada folder e anúncio, recomendando medidas de reajuste e retirada dessas propagandas”, explicou, na ocasião, a coordenadora-geral da Força-Tarefa Rio Doce, a procuradora da República Silmara Goulart.
Diante da inação da Fundação e das suas mantenedoras, as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, o pedido foi ajuizado. Dos R$ 28 milhões apurados pela Força-Tarefa e Defensorias Públicas, R$ 0,3 milhões foram gastos em publicidades durante o ano de 2018, outros R$ 6,7 milhões em 2019, mais R$ 17,8 milhões em 2020 e R$ 3,3 milhões em 2021.
A comparação com o valor de construção de casas é emblemática, destacam as instituições de Justiça, visto que o reassentamento pleno das famílias que tiveram seus lares destruídos pela lama ainda não aconteceu, passados mais de cinco anos do crime.
A ação faz ainda outras analogias: somente os R$ 17,4 milhões gastos em 2020 são superiores ao valor individualmente gasto em 13 dos 42 programas previstos no acordo que criou a entidade, conforme dados apresentados no site da própria Fundação. Entre eles, o Programa de Proteção Social (PG005), com gastos de R$ 12,8 milhões; o Programa de Reparação para emergências ambientais (PG034), com R$ 8,9 milhões; o Programa de Retomada das Atividades Agrícolas e Pesqueiras (PG016), com R$ 5,3 milhões; o Programa de Recuperação da Fauna Silvestre (PG029), com R$ 1,9 milhão; e o Programa de Gestão de Riscos Ambientais (PG 037), com R$ 169,4 mil.
Esse valor, sublinham as entidades, foi gasto em pouco mais de um mês [6 de setembro a 11 de outubro de 2020], em um único contrato de publicidade, para a produção de 861 inserções em TVs e 756 em emissoras de rádio, sem incluir o material divulgado em veículos impressos e portais de notícias, “cujo objetivo foi tão somente o de promover uma imagem positiva da entidade e de suas mantenedoras”.
As características das peças, salientam os autores da ação, evidenciam que o verdadeiro público-alvo das inserções publicitárias da Fundação Renova não é a população atingida, mas investidores e a sociedade em geral. Tanto  que os dados veiculados, além de omitirem completamente toda e qualquer informação técnica considerada “negativa” à imagem das empresas, não atendem às demandas dos diretamente afetados pelo crime.
Mentiras e danos
O material questionado, afirmam os procuradores, promotores e defensores, contém “informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas, noticiando o restabelecimento de uma ‘normalidade’ inexistente, em temas fundamentais para a população, como a qualidade da água e do ambiente aquático, recuperação de nascentes e bioengenharia, recuperação econômica, indenização, reassentamento e concentração de rejeitos”.
Os autores da ação explicam que os estudos científicos, perícias e trabalhos de campo realizados por especialistas demonstram que, ao contrário do que apregoa o material propagandístico da Renova, menos de 20% da reparação prometida foi realizada até agora.
“Passados mais de cinco anos do desastre do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015, persistem a insegurança no consumo da água e dos peixes, a espera por indenizações, as ameaças de interrupção no pagamento dos auxílios de subsistência, a ocorrência de trincas e rachaduras em casas, o atraso nas obras de reassentamentos e um enorme número de famílias ainda vivendo em locais provisórios”, relatam.
Tal situação, acentuam, aliada à falta de participação social dos atingidos nos processos decisórios, à resistência ao reconhecimento de territórios e pessoas atingidas e à falta de suporte físico e emocional às vítimas do crime, tem originado ainda o aumento da violência doméstica, o agravamento de problemas de saúde, dúvidas, conflitos e insegurança alimentar.
Essa realidade, ressaltam, é vivida diuturnamente pelas comunidades ribeirinhas de Minas Gerais e do Espírito Santo, que não encontram correspondência com o conteúdo do material publicitário produzido pela Renova, no qual “vídeos de qualidade hollywoodiana” e textos laudatórios afirmam que, hoje, “o dano ambiental seria imperceptível” e “cinco anos depois, a vida de todos voltou ao normal”.

Ampliação do desastre
De acordo com a ação, ao veicular informações que, total ou parcialmente, não correspondem à realidade, “a Fundação Renova contribui para a disseminação de desinformação, colocando em risco a segurança e a saúde física e mental das pessoas ali presentes”, e, ao ignorar a observância dos princípios da precaução e prevenção ambiental, contribui para a ampliação dos efeitos do crime.

E ainda, considerando-se que, frente à sua vulnerabilidade econômica e social, aplica-se aos atingidos a condição jurídica de consumidores, consequentemente, aplicam-se ao material publicitário da Renova as mesmas regras impostas à propaganda abusiva e enganosa pela Lei 8.078/90, incluindo o direito à reparação por dano moral.

Pedidos

No pedido de veiculação de material de contrapropaganda, as instituições de justiça pedem que seja feito na mesma forma, frequência, dimensão, e, preferencialmente, nos mesmos veículos, local, espaço e horário, para esclarecer todas as impropriedades existentes nos conteúdos anteriormente divulgados.

É pedido ainda a inclusão de uma nota oficial, de que as campanhas publicitárias “A reparação até aqui”, “Expedição Rio Doce” e “Conteúdo de marca-site UOL” e seus congêneres, foram embasadas em conclusões técnico-científicas parciais e divergentes de estudos e laudos periciais produzidos ao longo dos últimos anos.

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