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Juízo federal do caso Samarco acolhe demandas da ocupação indígena na ferrovia

Vinícius Cobucci irá solicitar às empresas que atendam à pauta das comunidades para viabilizar a desocupação

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O juiz federal Vinicius Cobucci, da 4ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG), responsável pelos processos relativos ao caso da Samarco/Vale-BHP, acolheu as pautas das comunidades indígenas que ocupam a linha férrea da Vale que passa por seu território e irá solicitar às empresas responsáveis pelo crime contra o Rio Doce – Vale, BHP Billiton e Samarco – que se comprometam com o atendimento às pautas das comunidades, de forma a viabilizar a desocupação.

O anúncio foi feito em reunião remota realizada nessa quinta-feira (28), com acompanhamento de dezenas de Tupinikim e Guarani reunidos na ocupação. “O juiz disse que irá solicitar às empresas que sinalizem de forma concreta sobre nossa proposta”, relata Joel Monteiro, presidente da Associação Indígena Tupinikim de Caieiras Velha (AITCV).

A decisão se deu após o magistrado entender que essa é uma condição mínima exigida pelas comunidades para suspender a ocupação, que já chega ao seu 13º dia. “O juiz perguntou se teria um ponto específico da reivindicação que faria a comunidade liberar a linha férrea, nós falamos que isso é uma decisão da comunidade e será colocado na assembleia sábado [30], mas que se caso as empresas dessem um retorno concreto e positivo sobre as Indenizações individuais e o tratamento isonômico no território, poderia ser um caminho para a comunidade liberar a linha”, explica Joel.

Outro encaminhamento do encontro é a realização de uma nova reunião em 5 de outubro, dias antes da data marcada pela Polícia Federal para cumprir a sentença de reintegração de posse, em 9 de outubro, conforme sentença do juiz da 1ª Vara de Linhares, Gustavo Moulin, que atendeu ao pedido da Vale. “Ele vai verificar se consegue vir a Aracruz para essa reunião, caso não seja possível, vai acontecer no mesmo formato, remoto”.

Em paralelo à atuação do juízo responsável pelo caso Samarco/Vale-BHP, a liminar de reintegração de posse é questionada no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) pelo Ministério Público Federal (MPF), por meio de agravo que expõe a legitimidade da 4ª Vara mineira tratar do assunto e destaca a complexidade do caso, muito além da mera discussão sobre propriedade em relação à linha férrea.

“A presente causa não pode ser analisada tão somente pelo ponto de vista civilista de posse privada, tratando-se de verdadeira disputa sobre Direito Indígena (“disputa sobre direitos indígenas” – art. 109, XI da Constituição), necessitando ser examinada considerando as especificidades e o caráter multifatorial do caso. Trata-se de mais um momento de crise, do estopim de um processo longo e contínuo de violação de direitos dos povos originários localizados no Espírito Santo”, explana o procurador de Justiça Jorge Munhós, da procuradoria do MPF de Linhares, que acompanha o caso.

Para a assembleia deste sábado, que acontece a partir das 13h na Aldeia Córrego do Ouro, o Conselho Territorial de Caciques convida a participar todos os moradores das aldeias Tupinikim e Guarani de Aracruz, no norte do Estado, além das instituições e empresas envolvidas: MPF, Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Vale, BHP Billiton e Samarco.

Pauta

São três os pontos principais da pauta da ocupação dos trilhos, estabelecidos pelas comunidades e informadas às empresas e à Justiça Federal por meio de carta enviada pelo Conselho Territorial de Caciques. O primeiro, “que sejam imediatamente reestabelecidas as negociações diretas entre as mineradoras e esses povos originários, no formato que vinha sendo praticado, determinando que as mineradoras apresentem sua contraproposta aos termos que já lhes enviamos”.

O segundo, “que a Justiça Federal suspenda todos os processos, inclusive a ação anulatória e o processo de reintegração de posse, até o final das negociações”, e, em terceiro, afirmam: “desejamos ser considerados legítimos para estar e falar nos processos judiciais, conforme nos garante a lei”, numa referência à decisão do atual juiz da 4ª Vara Federal, Vinícius Cobucci, que, sem entrar no mérito, negou o pedido feito pela Associação Indígena Tupinikim Guarani de Caieiras Velha (AITGCV) para a revisão do acordo assinado pelas comunidades com a Fundação Renova, em 2021.

A revisão desse acordo foi o motivo da ocupação dos trilhos realizada durante 43 dias há um ano, que resultou na saída da Fundação Renova das tratativas com as comunidades, que passaram a ser feitas diretamente com as mineradoras mantenedoras, e com a retomada do pagamento do Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE), equivalente ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), pago aos atingidos não-indígenas. Os outros pontos de pauta, no entanto, não foram cumpridos pelas mineradoras, que suspenderam as negociações que vinham acontecendo desde então, sob intermediação da 4ª Vara Federal, o que motivou essa segunda ocupação.

‘Acordo-desastre’

O acordo de 2021, explicam os caciques, foi “uma imposição e uma violência” que precisam ser sanadas. “A Fundação Renova, que tinha obrigação de garantir um acordo justo e igualitário, fez o exato oposto, transformando o acordo contra o qual lutamos em um novo desastre (…) Tivemos um acordo injusto, ilegal e violador de direitos, que resultou na pior indenização de toda a Bacia do Doce. Não houve consulta livre, prévia e informada [conforme determinada a Convenção 169 da OIT], na verdade as pessoas foram obrigadas a aceitar os termos do acordo-desastre porque ‘ou era aquilo ou nada’ (…) Todos os demais problemas surgem dessa violação, desse desrespeito. E nós, povos originários, não temos opção: só nos resta lutar contra essa violação continuada”.

Enquanto isso, acrescentam as comunidades: “nosso mangue e nosso rio estão envenenados, nossas praias estão poluídas, nossa pesca está proibida, e o único meio de vida que temos hoje, o Auxílio Subsistência Emergencial, está ameaçado. Perguntamos: como poderemos sobreviver? Teremos de pescar, infringindo a lei apenas para nos envenenar com um peixe contaminado? Quando nossa terra, nossas águas, nosso mangue vão estar limpos?”.

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