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Líder nas negociações climáticas, ES mantém privilégios do petróleo e monoculturas

Postura ignora recomendações do último relatório do IPCC/ONU e exclui sociobiodiversidade da meta de carbono zero

A mais recente publicação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), lançado nessa segunda-feira (4), mostra que o Espírito Santo, mesmo despontando na liderança das negociações climáticas brasileiras, continua longe de promover as transformações estruturais necessárias na economia, ao manter privilégios de setores anacrônicos, como a indústria fóssil, inimiga número um do clima, e de celulose e papel, cujos monocultivos são destruidores vorazes da sociobiodiversidade.

Leonardo Sá

Organização científico-política criada em 1988 no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e sediado no prédio da Organização Meteorológica Mundial, em Genebra, na Suíça, o IPCC lançou o terceiro e último volume de seu AR6 (Sexto Relatório de Avaliação). 

Conforme noticiou o Observatório do Clima (OC), o relatório tem 8,5 mil páginas que expõem o estado da arte do conhecimento humano sobre a crise do clima e é, nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres, “um rosário de promessas climáticas quebradas”, pois “alguns governos e líderes empresariais dizem uma coisa e fazem outra. Ou seja, eles mentem”. 

Entre os muitos números que mostram a contradição entre a necessidade urgente e a prática cotidiana, está a previsão de que é preciso reduzir em 43% as emissões de gases de efeito estufa até 2030, mas, nos últimos vinte anos, o aumento foi o maior já registrado, desde a Revolução Industrial, em meados do século XVIII.

“A principal conclusão do novo relatório: para que a humanidade tenha uma chance maior do que 50% de manter o aquecimento da Terra no limite de 1,5ºC preconizado pelo Acordo de Paris, será preciso que as emissões de gases de efeito estufa cheguem ao pico em algum momento dos próximos três anos e caiam 43% até 2030. Na última década elas subiram 12%”, contrapõe o Observatório do Clima, acrescentando que as duas últimas décadas registraram o maior aumento da história da humanidade. 

O relatório também destaca a importância dos povos indígenas e “a necessidade de garantir os seus direitos territoriais e de incorporar os conhecimentos indígenas às políticas de redução de emissões de gases de efeito estufa”.

Matemática medíocre de carbono

A medíocre matemática de sequestro de carbono feita pelos governos estaduais e federais, no entanto, ainda não conseguiu incorporar a necessária proteção da biodiversidade e dos povos tradicionais, que, no caso do Espírito Santo, incluem não só indígenas, mas também quilombolas e camponeses massacrados pelos desertos verdes de eucaliptais. As monoculturas de eucalipto são o uso do solo que mais cresce no Espírito Santo pelo menos desde 2007, segundo o Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo. 

Para que o aumento da temperatura média global não ultrapasse 1,5ºC é preciso reduções “profundas” imediatas. “Do contrário, a humanidade precisará recorrer maciçamente a tecnologias caras de retirada de carbono da atmosfera, enquanto encara um fenômeno que os cientistas dos grupos 1 e 2 do IPCC já previram e temem: o overshoot, nome dado à ultrapassagem temporária do limite de 1,5ºC, que pode ter consequências duradouras para a sociedade e os ecossistemas”, sublinha o Observatório do Clima. 

Para atingir a meta “sem ‘overshoot’ ou com um ‘overshoot’ limitado, o uso de carvão mineral precisa cair 95%, o de petróleo 60% e o de gás natural 45% até 2050”, pontua a publicação. O que significa que “a indústria fóssil poderá ter ‘ativos encalhados’, ou seja, investimentos que não poderão chegar ao mercado”. 

Os números são “um alerta para o Brasil, que vem ampliando investimentos no pré-sal e neste ano sancionou uma lei permitindo a construção de novas termelétricas a carvão até 2040”, aponta o OC.

A crítica se assenta perfeitamente à estrutura econômica mantido no Espírito Santo por subsídios fiscais e acordos que beneficiam a indústria petroleira e papeleira. “A frase que caracteriza a indústria petroleira neste contexto é: ‘Vamos saquear e extrair tudo o que podemos, enquanto podemos. Pois sabem que vai ser cada vez mais difícil manter a expansão'”, afirma Marcelo Calazans, coordenador regional da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional no Espírito Santo (Fase/ES), uma das entidades à frente da Campanha Nem Um Poço a Mais, que denuncia a necessidade de parar a expansão da exploração petrolífera no Brasil.

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Fórum Capixaba

O socioambientalista também enxerga o baixo alcance efetivo da atuação do Fórum Capixaba de Mudanças Climáticas, lançado em 2020, no segundo ano da atual gestão de Renato Casagrande, após dez anos paralisado. “Esse Fórum é uma farsa. Nada fazem contra a expansão da indústria petroleira no Espírito Santo. Estão mais interessados é na expansão do eucalipto, que consideram uma solução para a crise climática. Por detrás deles atuam a Suzano [ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose] e o Ibá [Indústria Brasileira de Árvores, associação das empresas de silvicultura do país], do Paulo Hartung”.

Avaliação semelhante é feita pelo cientista político José Marques Porto, conselheiro em diversos colegiados ambientais, um dos mais antigos ativistas do clima no Estado e autor do documento “Preparar o ES para enfrentar os desafios do aquecimento global”, em 2008, que foi o embrião da atual Política Estadual. 

A legislação climática capixaba, assim como a brasileira, não possui “engenharia constitucional”, afirma Porto. “Não tem metas nem prazos, recompensas ou punições”. Além disso, após uma década inativo, o Fórum Capixaba retornou num formato excessivamente governamental, “chapa branca”, critica. 

“A ONU declarou a emergência climática em 2019 e o Espírito Santo está numa situação gravíssima, com grande vulnerabilidade socioambiental e climática. A Serra é o município que mais emite gases de efeito estufa no Estado e no setor metalmecânico brasileiro, e está em 10º geral no Brasil, estando atrás apenas dos municípios amazônicos. Essa inação do governo e das empresas capixabas é fatal”, expõe o especialista, ressaltando que “políticos são serviçais bem remunerados das grandes corporações que vivem da indústria fóssil, além de mineradoras e papeleiras. Essas empresas elegem os políticos, pagam suas campanhas”. 

Lembrando que a redução da poluição atmosférica é essencial para a redução da emissão de gases de efeito estufa, Porto pergunta: “Quando o governo do Estado vai fazer cumprir os padrões de qualidade do ar da OMS?”, e afirma que o Plano Estadual de Mudanças Climáticas, em elaboração atualmente, precisa contemplar estudos de vulnerabilidade da região metropolitana e priorizar a elaboração de um plano de adaptação a eventos climáticos extremos. Além disso, o governo precisa ter orçamento para fazer as obras necessárias, como programas de drenagem, muros de contenção e estações de bombeamento. 

Para além do carbono e desmatamento zero

Segundo o governo do Estado, os principais componentes que precisam estar presentes no futuro Plano Estadual de Mudanças Climáticas são: “a identificação de cenários climáticos futuros para o Espírito Santo, o inventário de emissões de gases de efeito estufa e o Plano de Neutralização de Emissões dos Gases de Efeito Estufa”.

Secom

Durante a 26° Conferência das Nações Unidas para a Mudança Climática (COP-26), realizada em novembro passado na cidade de Glasgow, na Suécia, Renato Casagrande se destacou ao coordenar a Coalização de Governadores pelo Clima (CGC)/Consórcio Brasil Verde, que se colocou como aliado no esforço brasileiro de cumprir as metas internacionais de redução de emissão de gases. E afirmou que é preciso ser mais audacioso nos objetivos.

“Eu ajudei na construção de uma proposta que a sociedade civil está debatendo na Conferência, que a gente possa ser mais audacioso, o Brasil zerar o desmatamento até 2030, que com certeza se tiver decisão política, consegue. Não é decisão política só do governo federal, é também dos estados, governadores, prefeitos, deputados, sociedade brasileira. Se a gente conseguir zerar o desmatamento, já permite que o Brasil reduza até 2030 mais de 60% de suas emissões”, disse, na ocasião. 

Durante toda a COP26, o debate sobre os monocultivos de eucalipto, que ocupam entre 260 mil e 300 mil hectares no Espírito Santo, não apareceu nos pronunciamentos oficiais. Mas foi levantado pelas delegações indígena e quilombola. “Como quilombola que vive nessas zonas de sacrifício, a gente não pode falar que o eucalipto vai diminuir o que o petróleo impacta. E as pessoas? E as crianças, os mais velhos? Não adianta pensar o clima sem as pessoas e a biodiversidade. Aqui em Glasgow estão negociando recursos naturais em nome de pessoas”, apontou Katia Penha, uma das integrantes da delegação quilombola brasileira no evento.

Cleiton Lucas Purificação

Liderança no Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte entre São Mateus e Conceição da Barra, norte do Estado, e atual coordenadora nacional da Coordenação das Comunidades Quilombolas do Estado do Espírito Santo ‘Zacimba Gaba’ (CONAQ/ES), Katia Penha alertou sobre a matemática ecocida do sequestro de carbono defendido entusiasticamente pelos governadores e chefes nacionais ao redor do mundo. 

“Quer dizer que a Suzano pode plantar mais eucalipto, porque ela tá fazendo bem pro clima? E a Petrobras pode perfurar mais poços, porque tem plantação de eucalipto que reduz o impacto dela? É uma conta que não fecha, que vai dar sempre em mortes de quem está lá dentro dos territórios impactados. Para onde vão as 32 comunidades do Sapê do Norte e dos outros cinco estados em que a Suzano planta eucalipto? Maranhão, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia? Não vai ter mais regularização fundiária desses territórios porque o eucalipto faz bem para o clima?”, questionou. 

“Antes de negociar em nome do Estado, em cima das nossas terras, dos territórios quilombolas, Renato Casagrande precisa descer para o quilombo e nos ouvir. Porque a gente também tem um plano para o clima e queria que ele trouxesse esse plano com o olhar quilombola aqui pra COP”, pediu Katia, citando a necessidade de “reduzir o plantio de eucalipto, a exploração de petróleo e de minério; reduzir as construções de hidrelétricas; e pensar o meio ambiente com as pessoas”.

Biodiversidade 

A proteção da biodiversidade, princípio norteador do modo de vida das populações tradicionais, foi exaltada pelo saudoso Alfredo Sirkis, presente no lançamento do Fórum Capixaba de Mudanças Climáticas, em setembro de 2019, como diretor-executivo do think tank Centro Brasil no Clima (CBC).

Na solenidade, ele ressaltou três ações fundamentais para o Espírito Santo: aumentar a taxa de reflorestamento (com espécies nativas e comerciais); controlar as emissões fugitivas de metano durante a exploração de poços de petróleo; e substituir cada vez mais os combustíveis fósseis por biocombustíveis. 

Questionado sobre o risco de o Fórum dar aval para a expansão do deserto verde no Estado ao se comprometer com o aumento dos monocultivos, Sirkis afirmou a necessidade da questão ser tratada no âmbito do Fórum, para que sejam tomadas as decisões mais apropriadas para a realidade do território capixaba. 

“O Fórum é exatamente o lugar para discutir esse tipo de problema, para que o governador tome decisão a partir das questões levantadas”. Até porque, declarou, “não se pode fazer só reflorestamento econômico, pois traz prejuízos à biodiversidade”, salientou.

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