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Moradores protestam contra desmatamento em Manguinhos

Mudança em zona de proteção para atender a empreendimento foi denunciada ao MPES

Mariah Friedrich

Moradores de Manguinhos, na Serra, realizaram um novo ato nesta terça-feira (25) para denunciar o avanço do desmatamento em área de mata atlântica situada em uma antiga Zona de Proteção Ambiental (ZPA), que hoje faz parte da propriedade particular onde está previsto o projeto imobiliário Manguinhos Eco Residence, que prevê a construção de 135 lotes residenciais, com áreas de lazer e vias internas.

No mesmo momento do protesto, trabalhadores realizavam o corte das árvores na área. O grupo afirma que a supressão vegetal tem ocorrido sem transparência, com mudanças recentes no mapa de zoneamento ambiental do município e um processo de licenciamento mantido em sigilo pela Prefeitura da Serra – o mesmo já foi citado em nota enviada ao Século Diário pelos responsáveis pelo empreendimento, que não quiseram se identificar, mas apontaram que existe um parecer técnico, sob o número 43.762-2025, de 04/8/202O, que teria analisado o projeto e atestado “o atendimento das solicitações técnicas, sendo favorável à continuidade do trâmite”.

O movimento acompanha a situação desde março, por meio da Comissão Especial para o Acompanhamento das Propostas, Projetos e Intervenções na Área da Bacia Hidrográfica da Lagoa Maringá, formada por moradores que, além de registrar a derrubada de vegetação mês a mês, acionou o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que agora apura a existência de irregularidade no avanço da supressão vegetal e a falta de clareza sobre a delimitação atual da ZPA.

Mariah Friedrich

Segundo relatos de moradores, os responsáveis pelo empreendimento não se apresentaram oficialmente em nenhum momento. Uma empresa chamada Guaxindiba Empreendimentos LTDA chegou a ser identificada por eles como vinculada ao projeto, inclusive por ter contratado uma consultoria que apresentou, no último dia 27 de outubro, um estudo sobre patrimônio cultural da área, mas posteriormente afirmou que não possui mais relação com o projeto, também em nota enviada ao Século Diário. Apesar disso, moradores afirmam que o representante presente na reunião de outubro falava em nome da empresa e citava estudos contratados por ela. Posteriormente, os próprios responsáveis pelo empreendimento reiteraram ao jornal que a obra não é da Guaxindiba, mas novamente não se identificaram.

A principal preocupação do movimento é sobre a falta de transparência em relação à alteração na demarcação da Zona de Proteção Ambiental na base cartográfica oficial da prefeitura, apresentada no sistema GeoSerra. Adelina Gonçalves, integrante da comissão, relata que os moradores tiveram acesso a um parecer técnico da Secretaria de Meio Ambiente, emitido em 25 e 26 de agosto, que ainda utilizava uma imagem na qual a ZPA aparece na configuração antiga, ou seja, incluindo parte da área hoje sendo desmatada.

No entanto, ao consultar o mapa mais recente, a comunidade encontrou uma ZPA reduzida, onde justamente o trecho previsto para o loteamento sofreu alteração para ser excluído da área protegida. Desde então, o movimento tem questionado a falta de consulta pública ou registro que indique como e quando a mesma foi feita. “Acreditamos que essa mudança esteja dentro do processo que está em sigilo. Só ficamos sabendo da existência dele por reportagens e por uma manifestação do próprio empreendedor, que não se identificou”, observa Adelina.

Um dos moradores que mais acompanha a situação é Artêmio Júnior, que vive em uma rua sem saída que termina exatamente na área onde a mata está sendo derrubada. Da janela de casa, ele escuta o barulho constante das motosserras e observa diariamente o avanço da supressão vegetal. Ele aponta que os trabalhadores afirmam seguir uma fita amarela que delimitaria onde devem derrubar, mas que essa fita já foi deslocada outras vezes, sempre expandindo a área desmatada.

A fita amarela seria a delimitação da área que deve ser protegida. Foto: Mariah Friedrich

“Eles falam que a ordem é seguir a fita, mas a fita muda de lugar. E onde ela aparece, a árvore cai”, afirma. Ainda nesta terça-feira (25), ele teve acesso a um parecer técnico (703/2025) apresentado pelos trabalhadores que atuam na derrubada de árvores e assinado pelo engenheiro florestal Luiz Felipe Bernardes e pelo biólogo Edson Batista de Oliveira, ambos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, no início de outubro.

O documento afirma que “a supressão ocorreu fora da ZPA; “foram cortadas apenas árvores frutíferas e exóticas, não pertencentes ao bioma da Mata Atlântica”; “não houve desmatamento de vegetação nativa;” e “a intervenção foi realizada em área urbana consolidada, portanto dispensada de autorização prévia da prefeitura”.

A comunidade, porém, contesta a conclusão, afirmando que a retirada da vegetação, visível em um descampado crescente, avança em direção à mata fechada, onde há registros de fauna silvestre como macacos e até jacaré. “Quando derrubaram os pés de caju, vários macaquinhos ficaram perdidos. Minha esposa chorou”, contou Júnior. O maior foco de desmatamento está nos fundos da casa dele, onde acreditam que será aberta a entrada do condomínio.

Foco do desmatamento, onde moradores acreditam que deve abrir espaço para entrada de condomínio. Foto: Mariah Friedrich

Moradores têm cobrado informações sobre o processo administrativo número 4362/2025, que envolveria a tramitação do pedido de intervenção na área, para compreender se houve mudança oficial na ZPA, quais licenças ambientais foram apresentadas, se o empreendimento possui estudos técnicos válidos, e se a supressão de vegetação obedece às legislações municipal e federal. A Polícia Ambiental esteve no local no último dia 30 de outubro, na ocasião de uma denúncia anterior dos moradores, e concluiu que “as árvores cortadas eram frutíferas e que a supressão ocorria fora da ZPA vigente no mapa atual”.

O movimento também questiona o acúmulo das pastas de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente pelo mesmo secretário, Cláudio Denicoli, o que para eles cria um potencial conflito de atribuições, já que o mesmo gestor responsável pela proteção ambiental é também o responsável por aprovar empreendimentos e alterações urbanísticas. “Não é nada pessoal, mas isso é uma política do município. O mesmo secretário cuida da proteção e da expansão. Nós não vemos preocupação com as agendas ambientais modernas”, avalia Paulo Lopes, também morador de Manguinhos.

Diante da situação, a comunidade cobra a suspensão imediata da derrubada de árvores; acesso integral ao processo 43.762-2025; explicação pública sobre alterações da ZPA no GeoSerra; abertura de diálogo transparente com os órgãos municipais; investigação do MPES sobre possível supressão irregular; e implementação de um Parque Natural Municipal, já indicado para a região nos últimos Planos Diretores Municipais (PDMs), mas nunca executado. O grupo sustenta que, antes de autorizar qualquer supressão, a prefeitura deveria ter discutido com os moradores e com especialistas a possibilidade de criar uma unidade de conservação para preservar o fragmento de mata, já reconhecido por eles como área de interesse ecológico e de uso comum da vizinhança.

Procedimento Preparatório

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça Cível da Serra, informa que recebeu denúncia relacionada ao empreendimento Manguinhos Eco Residence e instaurou um Procedimento Preparatório para apurar os fatos.

Foram oficiados o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) da Serra, “que não constataram irregularidades”, informa o órgão ministerial. “O Idaf manifestou-se favoravelmente à supressão vegetal autorizada, e a Semma informou não ter identificado desmatamento ou ocupação em área de proteção ambiental durante vistoria realizada”, completa.

O MPES diz que segue acompanhando o caso e oficiou a empresa responsável pelo empreendimento para prestar esclarecimentos, que ainda está em prazo de resposta, e também a Semma, solicitando cópia de processo administrativo que tramita internamente a respeito da situação.

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