Denúncias envolvem empreendimento imobiliário anunciado para Manguinhos
Moradores de Manguinhos, na Serra, iniciaram nessa terça-feira (28) mais uma mobilização para denunciar desmatamento de mata atlântica remanescente no local previsto para o empreendimento Manguinhos Eco Residence. O projeto prevê a construção de 135 lotes residenciais, com áreas de lazer e vias internas, o que exigiria a supressão de quase metade dos 130 mil metros quadrados de vegetação remanescente na região.
Uma moradora teria se aproximado do local e constatado o desmatamento. A comunidade, então, arrumou um drone, mas os trabalhadores já haviam interrompido o serviço, e foi possível registrar apenas as árvores já derrubadas. A Polícia Ambiental foi acionada e foi feito um Boletim de Ocorrência (BO) por crime ambiental.
O Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) informou, porém, que “não foram constatadas irregularidades ambientais” nas duas fiscalizações realizadas no terreno – uma no dia 28 de agosto e outra nessa terça-feira. Segundo o boletim assinado pelo tenente-coronel da PM Edinei Balbino de Souza, comandante do BPMA, “nas duas ocasiões constatou-se apenas o corte de árvores exóticas (mangueiras e jaqueiras), sem indícios de desmatamento de vegetação nativa”.
O documento também informa que o local havia sido previamente vistoriado pela Prefeitura da Serra (25/8) e pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf, no dia 27/8), “sem registro de crime ambiental”. Além disso, a consulta ao sistema GeoSerra indicou que a área “não se encontra em Zona de Proteção Ambiental (ZPA)”.
A comunidade contesta e diz que permanece em “estado de atenção”. Em nota divulgada nesta quarta-feira (29), a Comissão Especial para o Acompanhamento das Propostas, Projetos e Intervenções na área da Bacia Hidrográfica da Lagoa Maringá – manancial próximo -, ligada à Associação de Moradores do Balneário de Manguinhos (Amman), afirma reconhecer o trabalho dos órgãos fiscalizadores, mas aponta que “há histórico de ações na área que levantam dúvidas, e a ausência de licenciamento ambiental formal segue sem esclarecimento público”. Lembra, ainda, que o caso já motivou a abertura da Notícia de Fato nº 2025.0005.8681-49 no Ministério Público Estadual (MPES).
O grupo também contesta a afirmação de que a área não está inserida em Zona de Proteção Ambiental. Segundo a Amman, o Plano Diretor Municipal Sustentável da Serra (Lei Complementar nº 05/2023) classificava o terreno como ZPA, “repetindo uma disposição legal vigente desde 1996”. A mudança teria ocorrido em julho de 2025, quando o mapa anexo ao PDM foi alterado, removendo a proteção exatamente na área pretendida para o projeto, sem justificativa técnica pública.
“Essa mudança não foi publicamente justificada com base técnica e ainda carece de total transparência e esclarecimentos oficiais. Nosso papel, enquanto sociedade civil, é garantir que o que está sendo feito hoje não se torne uma porta de entrada para impactos futuros mais graves”, afirma a comissão.
Na noite dessa segunda-feira (27), representantes do empreendimento e moradores se reuniram para discutir o relatório de impactos imateriais do projeto, apresentando as ações planejadas para mitigar os impactos. No entanto, a comunidade contestou a metodologia do estudo, destacando que as entrevistas realizadas não explicavam que se tratava de um empreendimento de grande impacto ambiental.

Durante a reunião, Adelina Gonçalves, representante da Amman, afirma que a vice-presidente da associação, Morena Joffily, reforçou os questionamentos sobre a metodologia do relatório, enquanto o secretário David da Silveira trouxe um histórico detalhado das demandas da comunidade. Um vídeo com entrevistas feitas por moradores foi exibido, demonstrando críticas à forma como a pesquisa foi conduzida. Para evidenciar a importância de preservar os bens culturais e imateriais da região, que são patrimônio reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), uma roda de capoeira também foi realizada no encerramento do encontro.
O condomínio Manguinhos Eco Residence “englobará 135 lotes de baixa densidade, com ocupação de 49% do terreno e preservação de 51% da área, totalizando 73.083 m² preservados”, segundo a empresa. No entanto, moradores alertam que a Bacia da Lagoa Maringá ainda preserva encostas e fundos de vale com vegetação nativa, sendo uma das poucas áreas do litoral urbanizado da Serra com essa característica. Em contraste, outras bacias do município já estão degradadas pela ocupação irregular e poluição.
Além da vegetação, a área abriga lagoas e trechos de cursos d’água, indicada para futura implantação de uma Unidade de Conservação (UC). As associações de moradores e de comerciantes reforçam que não foram consultadas durante o processo de licenciamento e protocolaram ofício no MPES solicitando “fiscalização rigorosa” e medidas para proteger a área.
Adelina enfatiza que a comunidade continuará mobilizada, não apenas para proteger a vegetação, mas também os bens culturais e imateriais da região, como a roda de capoeira e o ofício dos mestres de capoeira, que representam a identidade local. Ela ressalta que a comunidade também cobra a realização de estudos florísticos e inventários florestais, considerados essenciais para avaliar a relevância ambiental da área. A ausência desses dados, acrescenta, “compromete o princípio da precaução”.
Notas
Ao contrário de informação publicada anteriormente por Século Diário, a Guaxindiba Empreendimentos LTDA não é responsável pelo Manguinhos Eco Residence. A empresa diz que “embora tenha estudado e considerado alguns projetos na região no passado recente, atualmente não tem nenhum em andamento e, especialmente, o mencionado na matéria”.
Responsáveis pelo empreendimento, que não se identificam, também enviaram nota para Século Diário, dizendo que o mesmo “está sendo aprovado pelos proprietários da área” e “ainda não existe contrato com construtora”. Acrescentam que “trata-se de uma área privada, sem instituição de unidade de conservação pública ou parque municipal sobre a gleba”.
Apontam, ainda, que “o Relatório de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Imaterial (Raipi) apresentado na segunda-feira (27), conclui que não há impacto direto significativo sobre as manifestações culturais, porque o empreendimento não ocupará locais onde as festas acontecem; as práticas culturais estão consolidadas em núcleos urbanos já definidos e o projeto prevê considerável preservação ambiental”.
Além disso, que “mais da metade do terreno permanecerá verde e protegido” e a “a implantação respeita a legislação ambiental, possui reserva legal registrada e foi delimitada pela prefeitura como passível de urbanização em até 50%, compatibilizando conservação ambiental e uso ordenado do solo”.

