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MPF quer impedir avanço irregular de monocultivos da Suzano no sul da Bahia

Objetivo é proteger territórios tradicionais. Empresa traz parte dos eucaliptos da Bahia para Aracruz, norte do Estado

Fase/ES

O Ministério Público Federal (MPF) da Bahia ajuizou ação civil pública para assegurar proteção aos territórios e ao modo de vida dos povos originários e tradicionais do extremo sul da Bahia, que há décadas são impactados pelo plantio de eucalipto na região. A medida cobra providências urgentes para conter o avanço irregular da atividade econômica e reparar os danos causados às comunidades quilombolas de Cândido Mariano, Helvécia, Volta Miúda, Mutum, Mota, Naiá, Vila Juazeiro e Rio do Sul, bem como às comunidades indígenas de Comexatibá e Barra Velha do Monte Pascoal.

A ação foi proposta contra a União, o Estado da Bahia, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e as empresas de celulose e papel Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) e Veracel. Segundo o MPF, a expansão da eucaliptocultura vem ocorrendo com o fomento do poder público e a completa ausência de medidas de proteção socioambiental e cultural. A ação aponta ainda a omissão do Estado no cumprimento de tratados internacionais e de normas de caráter constitucional e legal que asseguram o direito dos povos tradicionais à consulta prévia, livre e informada sobre atividades, empreendimentos e decisões que os afetem.

Parte dos eucaliptos plantados pela Suzano na região são trazidos para a fábrica de Aracruz, no norte do Estado. Conforme conta Célio Leocádio, presidente da Associação Quilombola de volta Miúda Caravelas (APRVM) e da Cooperativa Quilombola do Extremo Sul da Bahia (Coopqes), essa madeira era levada por transporte fluvial, mas voltou a ser transportada por caminhões. “No tempo da Fibria, ela contratava as balsas, mas na fusão pra virar Suzano, ela não quis mais pagar o preço que a empresa de balsas cobrava e voltou a levar tudo pelas estradas”.

Quilombolas do extremo sul da Bahia e norte do Espírito Santo têm trabalhado juntos para reduzir os danos causados pelo deserto verde de eucaliptais das indústrias papeleiras. Uma das estratégias é elaborar o protocolo de consulta, nos moldes da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), estabelecendo que nenhum empreendimento ou obra pode ser realizado em seus territórios tradicionais, titulados ou não, sem a devida consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas.

No Espírito Santo, o MPF também ajuizou uma ação civil pública em favor dos quilombolas do Sapê do Norte, território localizado entre Conceição da Barra e São Mateus, e contra a Suzano (então Fibria) e o governo do Estado e o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Uma primeira decisão judicial, em outubro de 2021, atendeu aos pedidos do órgão ministerial, determinando a anulação das matrículas de imóveis em nome da empresa, cujo processo de emissão apontou irregularidades, com base nos dados apurados pela CPI da Aracruz, realizada pela Assembleia Legislativa em 2002.

A violência cometida pela atual Suzano vem desde os seus tempos de Aracruz Celulose, conforme evidenciou a reportagem “Aracruz Celulose teria usado prisões arbitrárias para obter terras indígenas na ditadura”, publicada pela Agência Pública, no final de junho, como parte da série especial “Empresas cúmplices da Ditadura”. Assinada pelo repórter Dyepeson Martins, a reportagem se baseia em entrevistas e dados levantados pelo projeto “A responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”, que reuniu 55 pesquisadores, sob a condução da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), através do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP).

Danos ambientais e sociais

Segundo o MPF da Bahia, o monocultivo de eucaliptos gera degradação ambiental e afeta diretamente o modo de ser, viver e se relacionar das comunidades tradicionais. A atividade causa, entre outros problemas, escassez de água, improdutividade do solo, diminuição da biodiversidade e prejuízo à saúde da população, em razão da pulverização excessiva de veneno. A falta de oportunidades e a ampliação da pobreza obrigam as pessoas a deixarem a região para sobreviver. Nesse movimento, duas comunidades quilombolas já desapareceram – Naiá e Mutum – e outras estão ameaçadas de extinção.

A ação também destaca a inexistência de medidas para proteção e conservação de sítios arqueológicos identificados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) nas comunidades quilombolas do extremo sul da Bahia. E afirma que o recuo mínimo das plantações de eucalipto de rios e nascentes, estradas, perímetros urbanos e das próprias comunidades indígenas e quilombolas, não tem sido cumprido.

De acordo com o documento, a prática é encorajada por órgãos estatais como o Inema, que concede licenças às empresas sem exigir o cumprimento das exigências legais, especialmente a consulta prévia às populações afetadas. As indústrias de papel e celulose também contam com incentivos fiscais e apoio financeiro do poder público. Em 2004, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) repassou R$ 1,4 bilhão à Veracel para a implantação da fábrica em Eunápolis (BA). Já em 2006, a Suzano recebeu R$ 2,6 bilhões para a expansão da fábrica em Mucuri (BA).

Além de apontar o descumprimento da legislação ambiental e a violação de direitos dos povos e comunidades tradicionais, a ação civil reúne elementos que indicam possível desrespeito às normas legais previstas para a ocupação de áreas por empresas estrangeiras. De acordo com as investigações, a Veracel Celulose, cujos acionistas são a empresa brasileira Suzano e a sueco-finlandesa Stora Enso, possui 293 propriedades na Bahia, totalizando mais de 200 mil hectares. De acordo com a lei, ela não poderia ocupar mais de 25% da área de um município, o que, segundo a ação, não ocorre em Eunápolis.

Pedidos 

Autor da ação, o procurador da República Ramiro Rockenbach sustenta que “é absolutamente necessário que o poder público atue e cumpra o seu dever de identificar as terras públicas para que, em hipótese alguma, empreendedores privados se utilizem indefinidamente daquilo que pertence à sociedade como um todo e, em especial a povos originários e tradicionais”.

Destaca também que, de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a consulta não pode ser instrumento homologatório de uma decisão previamente tomada. Para ser considerada válida, ela deve ser formal e realizada de boa-fé, de maneira prévia, livre e informada, e sob as diretrizes consolidadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Em caráter urgente, o MPF pede que a Justiça determine à União que analise a regularidade de todos os imóveis rurais registrados em nome da Suzano e da Veracel Celulose, ou utilizadas por elas para atividades de eucaliptocultura no sul da Bahia. Além disso, os governos federal e estadual devem discriminar e arrecadar todas as terras devolutas da região, regularizar os territórios tradicionais e suspender qualquer tipo de financiamento ou incentivo às empresas de papel e celulose.

O MPF também requer que o Inema seja condenado a suspender as licenças ambientais concedidas às empresas Suzano e Veracel até que sejam realizados os devidos processos de consulta prévia, livre e informada. Além disso, o órgão ambiental estadual deve solicitar anuência ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em relação às áreas onde há sítios arqueológicos.

Por fim, o MPF pede que a Justiça determine às empresas Suzano e Veracel a paralisação imediata de todas as atividades de eucaliptocultura realizadas em áreas de comunidades tradicionais, bem como o recuo progressivo dos plantios próximos a nascentes, lagos e rios, residências ou prédios históricos, culturais ou de uso comum, respeitando as distâncias previstas legalmente.

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