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‘Não mais plantios de eucaliptos nos territórios quilombolas certificados!’

Comunidades reafirmam: governo do ES já pode titular áreas devolutas e Incra deve concluir demarcação das demais

Como ocorre há mais de cinquenta anos nas terras quentes e planas do norte do Espírito Santo usurpadas pela Aracruz Celulose (hoje Suzano e ex-Fibria), mais uma safra de eucaliptos está madura, pronta para o corte. Neste inverno de 2021, os talhões em vista estão dentro das áreas de quatro das 32 comunidades reconhecidas há mais de uma década pela Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cidadania.

Reconhecidas, certificadas, mas ainda não titularizadas devido à morosidade do poder público, seja em âmbito estadual, no caso das terras devolutas, que já poderiam ser formalmente entregues aos quilombolas, seja em âmbito federal, no caso das demais áreas, que aguardam conclusão do processo administrativo que tramita vagarosamente no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).


Nesse ínterim de estagnação da máquina estatal, a Suzano continua a exaurir o solo, atacar a biodiversidade, contaminar a água e obstruir o acesso das comunidades quilombolas ao seu território tradicional. Há mais de meio século, o deserto verde só cresce em todo o território capixaba – há muito, não mais apenas na porção acima do Rio Doce – sendo o uso do solo que mais cresce no Estado, segundo o Atlas da Mata Atlântica do Espirito Santo, que mediu, em 2018, mais de 6% de cobertura do solo com os monocultivos de eucalipto, algo próximo a 300 mil hectares.

No Sapê do Norte, que compreende os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, o deserto verde oprime as comunidades quilombolas, obrigadas a conviver com a falta de água e solos exaustos. O corte dos eucaliptais plantados nas áreas das quatro comunidades – Angelim 2, Coxi, São Domingos e Linharinho, todas com processo administrativo aberto no Incra – é uma oportunidade de vencer a inércia e fazer a justiça necessária.

O processo, no entanto, começou do jeito truculento de sempre. Em meados de junho, cerca de dez máquinas de corte adentraram o território do Angelim 2 numa sexta-feira à noite, sem qualquer aviso prévio. Assustados, os moradores conseguiram, no dia seguinte, barrar o maquinário e reunir os órgãos de justiça, que convocaram uma reunião com a empresa para determinar o cumprimento de algumas regras de respeito e segurança.

Várias outras reuniões aconteceram desde então, mas a proposta de garantia dos direitos das comunidades não foi cumprida pela empresa, que ainda atua no sentido de desarticular a luta quilombola.

“A Suzano trouxe uma proposta de governança que teria uma mesa pequena, onde tudo seria discutido apenas entre ela e as comunidades, e só depois incluiria as assessorias jurídicas das comunidades, os órgãos de Justiça. Nos sentimos desrespeitados, pois novamente ela tentou desarticular uma mesa já posta. Mais uma vez posterga e tenta desarticular um movimento legítimo”, repudia a advogada popular quilombola Josilene Santos.

A última reunião da chamada Comissão Permanente de Conciliação e Acompanhamento dos Conflitos Fundiários (CPCACF) – vinculada à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (SEDH) e composta também pelo Ministério Público, as Defensorias Públicas da União e Estadual, o Incra e outras entidades – aconteceu nessa quarta-feira (14), quando as entidades de justiça e as comunidades “reafirmaram que o Estado é que tem o poder jurídico de fazer a mediação entre as comunidades e a empresa”, relata.

“O que a comunidade quer é que a Suzano cesse o plantio de eucaliptos em uma parte de terra, que já é identificada nos processos que caminham no Incra, para desenvolver suas atividades ancestrais, até que haja efetivamente a titulação”. A medida é necessária para que as comunidades possam se expandir. Hoje, as famílias estão impossibilitadas de expandir os plantios de subsistência alimentar e de restauração do solo e dos corpos d’água destruídos pelos monocultivos de eucaliptos, trabalho iniciado há alguns anos, homenageando os ancestrais.

“A gente só vai permitir o corte das árvores no nosso território mediante a garantia de que não vai haver mais plantios”, afirma a advogada. “Não queremos a madeira, só a terra que é nossa”.
Além do Incra, Josilene ressalta que as comunidades aguardam também iniciativa do governo do Estado, que “tem autonomia para indicar em campo quais são as terras devolutas e fazer a titulação. Já há uma lei estadual que contempla isso, promulgada quando o governador [Renato] Casagrande [PSB] era secretário”, salienta, referindo-se à Lei n.º 5.623, de 9 de Março de 1998, último ano de governo de Vitor Buaiz, tendo Renato Casagrande como secretário de Agricultura e Perly Cipriano à frente da pasta de Justiça e Cidadania.

A lei afirma que “o governo do Estado reconhece a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos Quilombos, em atendimento ao artigo 68 do ATO das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal” e estabelece a obrigação do Poder Executivo em “emitir os títulos respectivos aos proprietários remanescentes de quilombos que comprovem a ocupação das terras devolutas”, devendo os órgãos estaduais da administração direta, incumbidos das políticas agrárias e agrícolas, destinarem “parte dos respectivos orçamentos para o cumprimento do disposto nesta lei”.

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