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Novo licenciamento ambiental facilita avanço de monocultivos no Estado

Camponeses alertam para conflitos e riscos à agua e à soberania alimentar

Leonardo Sá

O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) alerta para um novo retrocesso ambiental e ataque às comunidades tradicionais, à agricultura familiar e à soberania alimentar, com a aprovação, pela Assembleia Legislativa, do Projeto de Lei (PL) 835/2025, que reduz o rigor do licenciamento ambiental no Estado. A matéria, de autoria do presidente da Casa, deputado Marcelo Santos (União), foi acolhida por maioria, em sessão extraordinária realizada na última terça-feira (2), e aguarda sanção do governador Renato Casagrande (PSB).

O projeto altera dispositivos da Lei Estadual nº 4.701/1992 para adequá-los às diretrizes da Lei Complementar nº 1.073/2023, novo marco do licenciamento ambiental capixaba, além de incorporar mudanças recentes da Lei Federal 14.876/2024. Com isso, permite que atividades agrossilvipastoris que desmatem até mil hectares deixem de apresentar Estudo Prévio de Impacto Ambiental (Epia) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) e passem a seguir um procedimento simplificado.

Para o coordenador estadual do MPA, Valmir Noventa, a alteração abre brechas para a expansão de monocultivos, especialmente o eucalipto, em novas áreas do Estado. Embora o modelo agrossilvipastoril combine agricultura, pecuária e florestas plantadas, para ele, na prática, o que tende a predominar é a atividade florestal de grande escala.

“Falam em diversidade, mas quem manda é o eucalipto. Essa é a nossa grande preocupação”, destaca. Ele acrescenta que a mudança no limite de exigência de EIA/Rima para supressão acima de mil hectares abre margem para uma política de destruição contínua da vegetação nativa.

Rede Bem Viver

O texto aprovado estabelece que empreendimentos que não envolvam supressão de vegetação nativa, incluindo grande parte da silvicultura, poderão ser licenciados pela modalidade simplificada de Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Além disso, processos em curso deverão ser reenquadrados automaticamente, sem necessidade de ato regulamentar adicional.

A proposta foi apresentada “por solicitação da Federação da Agricultura do Estado do Espírito Santo (Faes)”, segundo a justificativa apresentada no projeto, e tem como objetivo “harmonizar a legislação estadual com as mudanças nacionais, especialmente a desclassificação da silvicultura como atividade potencialmente poluidora pela Lei 14.876/2024, que modificou Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA)”.

Marcelo Santos argumentou que a mudança garantiria “segurança jurídica”, evitaria “processos longos e incompatíveis com a natureza das atividades” e contribuiria para atrair investimentos ao setor florestal e rural do Espírito Santo. Ele alega que o PL “não significa flexibilização indevida, porque a supressão de vegetação nativa permaneceria submetida a controles mais rigorosos”.

A proposta recebeu votos favoráveis de Adilson Espindula (PSD), Alcântaro Filho (Republicanos), Alexandre Xambinho (Podemos), Allan Ferreira (Podemos), Bispo Alves (Republicanos), Callegari (DC), Capitão Assumção (PL), Coronel Weliton (PRD), Dary Pagung (PSB), Danilo Bahiense (PL), Bruno Resende (União), Fábio Duarte (Rede), Gandini (PSD), Janete de Sá (PSB), Lucas Polese (PL), Marcelo Santos (União), Marcos Madureira (PP), Mazinho dos Anjos (PSDB), Raquel Lessa (PP), Sergio Meneguelli (Republicanos), Toninho da Emater (PSB), Vandinho Leite (PSDB) e Zé Preto (PP).

Camila Valadão (Psol), Iriny Lopes (PT), e João Coser (PT) foram os únicos contrários e criticaram o que consideram um afrouxamento do controle ambiental em um momento de crescente pressão sobre os recursos naturais do Estado. Os deputados José Esmeraldo (PDT), Denninho Silva (União), Hudson Leal (Republicanos) e Pablo Muribeca (Republicanos) faltaram à sessão.

Valmir alerta que existe uma forte articulação do setor agroindustrial, especialmente o de celulose, para expandir áreas de plantio. Ele lembra que a multinacional Suzano S.A (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria) tem anunciado planos de ampliação de produção. Há uma grande mobilização desse setor para avançar sobre novas áreas. Isso vai agravar ainda mais três impactos: o social nas comunidades, o impacto econômico nos municípios e o impacto ambiental e climático”, enumera.

O camponês destaca exemplos de conflitos já existentes no Estado, como na região do Sapê do Norte, em São Mateus e Conceição da Barra, onde comunidades quilombolas enfrentam há décadas a presença de empresas de celulose. Para ele, esses conflitos tendem a se multiplicar com a flexibilização do licenciamento. “Tem o conflito grande, que vira notícia, mas tem milhares de conflitos que ninguém fica sabendo: um agricultor pressionado a vender um sítio cercado por eucalipto, uma escola que fecha porque a comunidade se dissolve”, descreve.

MST

Impactos em cadeia

Valmir destrincha impactos que, segundo ele, são inegáveis quando o monocultivo de eucalipto avança. Na esfera comunitária, a vida social, cultural e política das comunidades rurais é profundamente alterada. Campos de futebol, igrejas, escolas e estradas são afetados ou eliminados, destruindo identidades e vínculos sociais.

Na esfera econômica, municípios que apostam na diversificação e na agricultura familiar apresentam indicadores de qualidade de vida superiores, afirma. Já localidades dominadas por monocultivos sofrem empobrecimento e dependência econômica. “Não é só dinheiro no bolso; é autonomia, é território, é vida”, enfatiza.

Há ainda os impactos ambiental e climático, que incluem os danos ao solo, à água e ao microclima local. “O que se faz aqui interfere no mundo inteiro”, lembra Valmir, em referência ao alerta de especialistas sobre como modelos intensivos de produção afetam ciclos ambientais e climáticos.

O dirigente também critica o argumento de que a silvicultura teria potencial de proteção ambiental. “Eles virão com um apelo ambiental muito forte, dizendo que é o oposto do que estamos falando. Nós não condenamos o modelo em si, mas a forma como querem implementar. A intenção que está por trás”, observa.

Diante disso, a soberania alimentar, já fragilizada no Brasil, como reforça o dirigente, tende a piorar com o avanço de monoculturas, à medida que as comunidades camponesas se tornam vulneráveis quando perdem território, deixam de produzir seus alimentos e passam a depender do mercado convencional.

A proximidade entre pequenas propriedades e extensos plantios de eucalipto provoca impactos diretos, indica Valmir: redução de disponibilidade de água, deterioração do solo e perda de biodiversidade agrícola. “A produção de alimentos vai cair e encarecer. E quando uma comunidade depende de comprar tudo, já perdeu o controle sobre o próprio território, ou seja, perdeu sua resistência”, resume.

Ele destaca que o avanço de monocultivos e a flexibilização do licenciamento ampliam conflitos territoriais e cita casos em que agricultores se veem isolados, pressionados e sem apoio institucional para resistir a grandes empreendimentos. “Tem agricultor que perde sua terra sem ninguém ficar sabendo. Isso também é conflito”, reitera.

Influência de corporações

O coordenador do MPA alerta ainda para o impacto político da presença de grandes empresas no campo institucional. Para o dirigente, corporações do agronegócio exercem forte influência sobre governos, parlamentos e órgãos ambientais. “Isso afeta decisões que deveriam ser de interesse público. Não é diferente no Congresso, nem nos estados”.

Um ponto central da crítica do movimento é que o discurso da agrosilvopastorilidade, ou mesmo da agrofloresta, é positivo em si, mas o problema é como o conceito é instrumentalizado politicamente para encobrir projetos de expansão do agronegócio exportador. “Não temos problema com o modelo, mas com a intenção. É como o uso de drones na agricultura. O problema não é a tecnologia, é o modelo de produção que ela serve. Aqui é igual: dizem que é agroflorestal, mas o que vai predominar é o eucalipto”, avalia.

Para o porta-voz do movimento camponês, o texto aprovado pela Assembleia não é um fato isolado, mas parte de um processo mais amplo de reorganização do setor agroexportador. “Esse projeto é só mais um empurrão. Isso já está na pauta há anos”. Ele acrescenta que a conjuntura política nacional também favorece mudanças dessa natureza, alertando que um eventual governo federal mais alinhado ao agronegócio poderia intensificar ainda mais a flexibilização ambiental.

“No Espírito Santo, a situação não é diferente. A rota é a mesma. A questão ambiental não é pauta prioritária nos municípios nem nas câmaras. A prioridade são obras, máquinas. A política ambiental fica no fundo da gaveta”, critica.

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