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O que os inimigos do clima fazem para limpar sua imagem e lucrar na crise?

Evento no ES reúne empresas e governadores que mais atacam povos indígenas e lançam gases de efeito estufa

Giovani Pagotto/GovES

A empresa responsável por emitir 31% de todos os gases de efeito estufa lançados diariamente nos céus do Espírito Santo. A multinacional que expulsou povos indígenas, quilombolas e camponeses de seus territórios tradicionais para implementar um deserto verde que é há meio século o uso do solo que mais cresce no Espírito Santo. A mineradora corresponsável pelo maior crime ambiental do país. Dois dos governadores que mais invadem Terras Indígenas em diversas biomas brasileiros. A federação que dita as regras no Espírito Santo para que o poder econômico e político continue nas mãos dos principais algozes da natureza, do clima e das comunidades tradicionais capixabas, sustentando um modelo econômico ultrapassado, que mantém a riqueza produzida às margens da sociedade, sendo guiada pelo mercado internacionalRespectivamente: ArcelorMittal Tubarão, Suzano (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose), Vale, os governadores do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), e do Paraná, Ratinho Junior (PSD); e Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes). 

Seis algozes do clima, da natureza e dos povos tradicionais que estão entre os patrocinadores e os principais painelistas de um evento sobre crise climática que acontece no Espírito Santo na próxima semana. O Sustentabilidade Capixaba – Mudanças climáticas e impactos na sociedade vai se estender entre os dias 26 e 28 de junho na Praça do Papa, em Vitória, e é um emblemático exemplo de “lavagem verde” (greenwashing, no termo original em inglês), estratégia largamente utilizada por empresas e personalidades que lucram com a destruição da natureza e dos territórios dos povos tradicionais para limpar sua imagem e, via de regra, continuarem lucrando nas crises que fomentam.

As pessoas jurídicas citadas compõem o time de patrocinadores, que é complementado pela Cesan, Prefeitura de Vitória e Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA-ES). Já os dois chefes de Estado serão painelistas da atividade que se seguirá à solenidade de abertura, esta, feita pelo governador Renato Casagrande (PSB), a ministra Marina Silva (Rede) e a presidente da Findes, Cris Samorini.

O painel Ações dos governos estaduais diante dos impactos das mudanças climáticas: o que o que está sendo feito e os próximos passos necessários, será moderado pelo secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo, Felipe Rigoni (União), e terá a participação de quatro governadores: o capixaba, o paraense Helder Barbalho (MDB) e os dois já citados no início da matéria, apontados como invasores de terras indígenas pela dossiê Os Invasores – Parte II – Os Políticos, publicada pelo De Olho nos Ruralistas – Observatório do agronegócio no Brasil, que tem como um dos destaques o deputado federal Evair de Melo (PP)

Nos três dias de programação técnica, com exceção do Encontro Estadual da Defesa Civil (com o Corpo de Bombeiros Militar do ES) e de algumas palestras sobre Educação Ambiental e sobre impactos das mudanças climáticas na Saúde, as atividades tratam do que há de mais celebrado no  universo da lavagem verde política e empresarial, apresentadas, em grande parte, por profissionais de áreas diversas que prestam serviços aos patrocinadores e outras grandes empresas poluidoras e por gestores de ONGs financiadas por elas.

Ratinho Junior

Ratinho Junior é filho de Carlos Roberto Massa, o Ratinho, um dos comunicadores mais famosos do país, e tornou-se governador do Paraná aos 38 anos, sendo reeleito em 2022. A fortuna da família, segundo o dossiê, é avaliada em R$ 530 milhões, incluindo a Rede Massa de rádio e televisão e 19 fazendas de pecuária, soja, milho e café. Duas dessas propriedades rurais ficam no Acre, no município de Tarauacá, e “envolvem um conflito histórico com o povo Huni Kuin (também conhecido por Kaxinawá), além de disputas com os posseiros que permaneceram na região após a dissolução dos seringais”.

O relatório ressalta também acusações contra o governador paranaense por colaborar com os atos terroristas de oito de janeiro por meio de sua Rede Massa. “Ratinho Jr. foi alvo de notícia-crime por se utilizar dos sistemas de comunicação da Paraná Inteligência Artificial (PIA) e do Detran-PR, órgãos públicos, para disparar mensagens de apoio a Bolsonaro via SMS na tentativa de angariar eleitores. A mensagem dizia “Vai dar Bolsonaro no primeiro turno! Senão, vamos à rua para protestar!”

Ainda sobre os indígenas, a publicação cita reportagem de 2022 do jornal Brasil de Fato que narrou a grave insegurança alimentar vivida por indígenas da região devido à suspenção do fornecimento de alimentos por parte do governo estadual e a Fundação Nacional do Índio (Funai). “Segundo o MPF, os Guarani seriam mais afetados pela fome por não terem seus territórios declarados e homologados, encontrando-se em áreas reduzidas que inviabilizam a agricultura”. O dossiê revela ainda outros elos entre a família Massa e fazendeiros e políticos que fazem fortunas sobre territórios indígenas.

Eduardo Riedel

O estado do Mato Grosso do Sul, hoje governado por Eduardo Riedel, é, segundo De Olho nos Ruralistas, “uma terra de conflitos agrários” e detém “a maior desigualdade fundiária do país, com 92% das terras agrícolas em mãos privadas [e a liderança do] ranking geral de sobreposições de fazendas em terras indígenas registradas pelo projeto Os Invasores”. Dos 1.692 casos analisados no estudo do Observatório do agronegócio no Brasil, 640 estão no Mato Grosso do Sul, que concentra também “o maior número de políticos envolvidos em disputas territoriais contra povos indígenas”, com 17 dos 42 casos identificados.

“Os casos englobam o Palácio do Governo, em Campo Grande, as câmaras municipais, a Assembleia Legislativa, a representação do estado no Congresso, prefeituras, associações do agronegócio e até postos de fiscalização agropecuária. Qualquer trajetória política no Mato Grosso do Sul é necessariamente marcada pela dor — e pelo sangue — indígena”, afirma o dossiê.

A narrativa sobre o terrível histórico mato-grossense começa com a família Pedrossian, passa pelo ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB) e nomes como o da ex-ministra de Jair Bolsonaro (PL) e atual senadora Teresa Cristina (PP-MS) e dos senadores Jaime Bagatolli (PL-RO) e Luis Carlos Heinze (PP-RS). Este, “inimigo histórico dos povos indígenas e autor de um famoso discurso chamando ‘quilombolas, índios, gays e lésbicas’ de ‘tudo que não presta’ e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), onde hoje atua como “vogal”, cargo equivalente ao de conselheiro. Esses e outros políticos lideraram e/ou tiveram suas carreiras catapultadas pelo Leilão da Resistência, realizado em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul em 2013 e arrecadou R$ 640,5 mil para armar seguranças contratados por fazendeiros para impedir as retomadas de território do povo Guarani Kaiouwá no sul do estado.

É nesse “caldeirão”, situa o dossiê, que desponta também a figura de Eduardo Riedel, então presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) e “principal mentor por trás da iniciativa de formar milícias rurais para combater as retomadas Guarani Kaiowá e Terena”. Riedel também foi “um dos primeiros nomes chamados por Azambuja [após a repercussão política do Leilão da Resistência], assumindo a Secretaria de Governo”. Após dois mandatos do tucano e padrinho político, Riedel é eleito governador em 2022.

A publicação também posiciona o Leilão da Resistência como “embrião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra, instaurada cinco meses após o impeachment de Dilma Rousseff, em outubro de 2016, [que indiciou] 96 servidores públicos, indigenistas e membros de ONGs ambientais, em um caso histórico de criminalização da luta pela terra — hoje reprisado pela CPI do MST”.

Eventos greenwashing x eventos climáticos extremos

Enquanto eventos greenwashing como o que ocorrerá na capital capixaba na próxima continuam cumprindo com a lavagem verde dos algozes do clima, os eventos climáticos extremos se tornam cada vez mais severos e frequentes, inclusive no Espírito Santo, conforme constatou um estudo inédito realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, no final de abril, com o título The increase in intensity and frequency of surface air temperature extremes throughout the western South Atlantic coast, o estudo avaliou as ondas de calor ao longo da costa brasileira pela variação na intensidade e frequência de eventos extremos de temperatura, por meio da análise da série histórica de temperatura do ar observados a cada hora do dia ao longo dos últimos 40 anos em cinco regiões costeiras do país: MA (São Luís), RN (Natal), ES (São Mateus), SP (Iguape) e RS (Rio Grande).

Uma das conclusões é que “nos litorais de RS, SP e ES, a frequência de ocorrências diárias de extremos máximos de temperatura e das ondas de calor, caracterizada por dias consecutivos de extremos máximos de temperatura, tem aumentado ao longo dos anos”. Além disso, no Espírito Santo, “a frequência de ocorrências diárias e de eventos de ondas de frio tem aumentado”.

“Identificamos o litoral do ES como a região mais afetada dentre as que estudamos, pois além das ondas de calor, foi a única região onde a frequência de ondas de frio é cada vez maior”, destacou um dos autores da pesquisa, o pós-doutorando pelo Instituto do Mar (IMar/Unifesp) Fábio Sanches.

“Nos últimos 40 anos, a ocorrência de eventos extremos de temperatura quase dobrou em SP (84%), dobrou no RS (100%) e quase triplicou no ES (188%)”, acrescenta a Unifesp, em reportagem publicada à época. “Se considerarmos uma média, no ES, a taxa de aumento de eventos extremos é, em média, de 4,7% ao ano, enquanto em SP é, em média, de 2,1% e, no RS, de 2,5% ao ano”, complementa.

As regiões de ES, SP e RS apresentaram ainda um aumento na intensidade da variação térmica diária, “o que significa que é cada vez mais frequente encontrar dias cada vez mais variáveis na temperatura”.

A reportagem menciona a gravidade dos efeitos dessas variações térmicas intensas sobre a população. “O aumento de ondas de calor e de frio tem vários impactos na sociedade em todo o mundo, que vão desde o desconforto térmico até o aumento de incêndios florestais, problemas de saúde e da mortalidade de animais, plantas e dos seres humanos, especialmente, idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade. Estudos recentes demonstram um aumento de quase 70% na mortalidade de idosos devido ao calor intenso. Ao longo dos últimos anos, foram vários casos de mortalidade por ondas de calor como vistos na Espanha, Canadá e Portugal, por exemplo”, relata Ronaldo Christofoletti, coordenador da pesquisa, bolsista produtividade do CNPq e professor do IMar/Unifesp.

Os impactos das variações de temperatura também impactam a biodiversidade, conforme explica Sanches. “Diversas espécies de animais marinhos têm apresentado alterações fisiológicas, de mudança de comportamento e até da distribuição de onde vivem em função das ondas de calor e frio. Eventos extremos de temperatura podem ocasionar mortalidade em massa de recursos pesqueiros e influenciar as cadeias de pesca, especialmente, as da pesca artesanal”.

Justiça climática

O cientista político e social José Marques Porto, pesquisador autodidata de temas socioambientais e climáticos, traz ao debate dados de outro estudo recente, publicado no final de maio na revista Nature Sustainability, com foco nos custos humanos e socioambientais da crise climática, estimando as populações que mais sofrerão com os eventos extremos nos próximos anos. 

“Cerca de dois bilhões de pessoas verão uma temperatura média anual de 29 graus ou superior [portanto fora do chamado “nicho climático”], começando já em 2050, quando a população da Terra deve atingir pelo menos 9,5 bilhões”, reporta Porto, em relação ao artigo. A maioria delas, em nações pobres, como Índia (600 milhões), Nigéria (300 milhões) e Indonésia (100 milhões). “O Brasil, se o Acordo de Paris fosse cumprido, seria muito pouco afetado, porém em um cenário de aquecimento global acima de 1,5ºC, quase toda a população estará fora do nicho climático humano”, acrescenta.

O evento corporativo da próxima semana na Praça do Papa, critica Porto, não combate as verdadeiras causas das mudanças climáticas. O governo do Estado, por sua vez, também se abstém de ações efetivas. “Não tem políticas públicas socioambientais e climáticas, além de Plano de Ação Climático, Estadual, Metropolitano e municipal, que garanta de maneira interseccional, amparo a mulheres, crianças, idosos, negros, índios, pobres, enfim os mais vulneráveis, que são as maiores vítimas dos eventos climáticos extremos”.

“Tem que de forma emergencial, conhecer o risco climático das bacias hidrográficas dos rios capixabas, tanto dos que abastecem a Região Metropolitana de Vitória, onde se encontra mais da metade da população do Estado, como das demais bacias hidrográficas, diante dos cenários descritos, sem mais delongas”, sugere. “Necessitamos de Ação Climática Já. Exatamente do que o evento de lavagem verde não trata”.

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