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Parceria com o BNDES vai privatizar saneamento em 32 cidades capixabas

Sindicato alerta para perda de autonomia local e enfraquecimento da Cesan

Secom/PMA

O governo do Estado deu mais um passo no processo de entrega dos serviços de água e esgoto à iniciativa privada em 32 municípios. Em evento nessa segunda-feira (13), apresentou um cronograma do projeto conduzido em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para realização de estudos de modelagem econômica para concessão ou Parceria Público-Privada (PPP) em 25 serviços autônomos de água e esgoto (SAAEs) e em sete municípios sem contrato regular com a Companhia Espírito-santense de Saneamento (Cesan).

Segundo o cronograma, os próximos passos incluem a validação do contrato pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) ainda neste mês, a assinatura com o BNDES em novembro, seguida da seleção e contratação de consultores até o primeiro trimestre de 2026. Os estudos devem começar no segundo trimestre do ano que vem. O objetivo, de acordo com o governo, é definir o modelo mais “eficiente” de parceria com o setor privado para atingir as metas de universalização do saneamento até 2033.

Os estudos poderão propor diferentes níveis de participação privada – desde PPPs parciais, como as realizadas em outros estados, até a “concessão plena”, quando todo o serviço é repassado à iniciativa privada. O banco afirma que os projetos seguem “diretrizes comuns”, como universalização, arranjos regionais, foco em eficiência e cumprimento das normas da Agência Nacional de Águas (ANA). Também destaca que os projetos são “conduzidos cooperativamente” entre entes públicos e consultores especializados.

Na prática, porém, o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Espírito Santo (Sindaema) avalia que a proposta exclui a possibilidade de soluções públicas, reforçando o viés privatista. “No escopo apresentado, não existe a alternativa de prestação direta. Todas as soluções apontam para a entrega do serviço à iniciativa privada”, critica o dirigente Fábio Giori, que participou da reunião.

Ele explica que a movimentação do governo estadual decorre da Lei Federal nº 14.026/2020, que reformou o Marco Legal do Saneamento e proibiu novos contratos de programa entre municípios e companhias estaduais, como a Cesan. Sete cidades capixabas — Laranja da Terra, Presidente Kennedy, Piúma, Pinheiros, Montanha, Mucurici e Ponto Belo — ficaram sem contrato regular com a estatal, o que abriu caminho para a atual modelagem.

O governo incluiu no estudo ainda 25 municípios com SAAEs próprios, que hoje atendem cerca de um quarto da população capixaba. Para o Sindaema, o Estado aproveita o impasse jurídico para “empurrar” um modelo de concessão mais amplo. “O governo do Estado poderia buscar uma solução para esses sete municípios, mas já foi além e contratou o BNDES para incluir também os SAAEs. Está apostando na privatização como se fosse a única saída”, critica.

O sindicalista lembra ainda que a lei complementar que criou a Microrregião de Água e Esgoto (MRAE) obriga os municípios a aderirem ao arranjo e dá ao governo do Estado 40% do peso dos votos nas decisões, o que reduz a autonomia municipal. “Os prefeitos estão insatisfeitos porque perderam o poder de decidir sobre o saneamento. É um modelo de governança que centraliza as decisões no Palácio Anchieta”, aponta.

Entre as principais preocupações, estão o aumento das tarifas, a perda de ativos construídos com recursos municipais, e o enfraquecimento da Cesan, que já enfrenta altos níveis de terceirização. “Hoje a Cesan terceiriza até operação de estação de tratamento de água. Colocam trabalhadores com baixos salários, sem capacitação, para lidar com a água de uma cidade inteira. É um modelo precário, que já mostrou seus limites”, denuncia.

Para a entidade, o Estado usa o discurso da “eficiência privada” para avançar com um projeto de financeirização do saneamento que atende a uma crescente pressão internacional para transformar o setor em um mercado lucrativo, favorecendo interesses de empresas multinacionais. “Por trás dessas empresas estão grandes fundos de investimento internacionais, como o Brookfield, do Canadá, e o fundo soberano de Singapura. É a mercantilização do meio ambiente: o lucro acima do direito humano à água”, critica.

O sindicalista também denuncia o uso de recursos da repactuação do acordo de reparação pelo crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP – cerca de R$ 3,5 bilhões destinados ao desenvolvimento de políticas de saneamento básico – para financiar o próprio estudo de modelagem. “Esse dinheiro deveria ser investido nos SAAEs para universalizar o saneamento. Mas o governo está usando esses recursos para preparar a privatização”, afirma.

O governo pretende concluir a modelagem e implementar a concessão ainda neste mandato. “Ficou claro que o Estado está com pressa. Quer entregar tudo pronto antes do fim da gestão, sem debate com os trabalhadores ou com a população”, avalia.

Século Diário procurou a Secretaria de Estado de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano (Sedurb) para obter o valor do contrato firmado com o BNDES, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

Concessões em 43 municípios

Na última semana, o governador Renato Casagrande (PSB) assinou dois contratos bilionários de Parceria Público-Privada (PPP) com as multinacionais GS Inima e Acciona, que assumem a execução dos serviços de esgotamento sanitário em 43 municípios do Estado. O modelo de concessão adotado permite que a estatal mantenha o controle tarifário, mas transfere à iniciativa privada as atividades de operação, manutenção e ampliação dos sistemas por ao menos 25 anos, pelo valor de quase R$ 7 bilhões.

O Sindaema avalia que o projeto repete um modelo já testado em outras regiões do Brasil com resultados negativos. O risco de concentrar os serviços nas mãos de poucos grupos privados é tornar o setor do saneamento cada vez mais regulado pela lógica do lucro e mais distante da garantia do direito humano à água e ao esgoto tratados, criticam entidades sindicais e movimentos sociais, que denunciam perda de controle estatal, aumento de tarifas e esvaziamento da Cesan enquanto empresa pública.

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