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‘Peixe, só o que sobra de exportação e camarão, e de criadouro de fora do ES’

Pescadores de Vitória estão há três semanas sem trabalhar e pedem solução para lei que criminalizou a profissão

Reprodução

As imagens do mercado da Colônia Z-5, na Praia do Suá, em Vitória, na manhã desta terça-feira (27), mostram vazias as bandejas que normalmente ofertam os peixes e camarões pescados na cidade. Impedidos de trabalhar desde o dia 6 de junho, os pescadores acumulam, nessas três semanas, dívidas, dificuldade para alimentar a família e gritos de socorro ainda não atendidos pelas autoridades responsáveis por suspender as normativas legais que impuseram a criminalização da profissão, que é tradicional na Capital e um dos traços fundamentais da identidade cultura capixaba.

Pescador de camarão desde os 12 anos de idade e filho de camaroeiro tradicional de Vitória, Charles Vieira descreve o drama. “Inverno é bom de peixe. Verão é fraco, dá pouco, mas o inverso é bom. Só que os barcos que ficam quinze, vinte dias no mar, e trazem bastante coisa, estão mandando tudo para exportação, eles gelam bem geladinho mesmo, e manda tudo para fora. O que chega aqui na Colônia é o que sobra da exportação, o refugo, que a gente fala. É aquele peixe que caiu no chão do barco e descamou, é peixe bom, mas que não passa no controle para exportar. E camarão, só de criadouro, é o camarão cinza, que vem do Mato Grosso, ou que vem do Rio de Janeiro, da Bahia. Daqui de Vitória, do Espírito Santo, tem semanas que não tem nada”.

Charles conta que outra ausência na banca é do pescado dos tradicionais da Ilha das Caieiras. “Eles colocam o peixe deles aqui, mas também não estão podendo trabalhar. A fiscalização está em cima, abordando eles também, tomando material. Está todo mundo com medo de trabalhar”.

O medo, explica, se instalou desde a operação conjunta de fiscalização realizada no dia 6 de junho pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Prefeitura de Vitória, Capitania dos Portos e Polícias Federal e Ambiental. “Pegaram sete amigos nossos. Tomaram rede, porta, prejuízo de R$ 15 mil. Fora as multas”.

A operação foi feita sobre os barcos que estavam em um pesqueiro a cerca de duas milhas e meia da praia, próximo ao Porto de Tubarão, que é utilizado há gerações na cidade, bem antes da instalação do complexo industrial e portuário. E também sobre os pescadores de rede da região da Ilha das Caieiras e São Pedro, que utilizam tradicionalmente a baía de Camburi.

Desde então, as ações de fiscalização se tornaram recorrentes e, para não terem mais prejuízos, os pescadores estão com barcos parados, sem poder trabalhar. As justificativas dos órgãos para as apreensões são portarias do Ibama de 1989 e 2008 e a Lei Municipal 9.077/2017, sendo que a lei municipal é a mais restritiva e foi sancionada pelo então prefeito Luciano Rezende (Cidadania) sem qualquer diálogo com a população diretamente afetada por ela, que são os pescadores artesanais de Vitória. “Eles já chegam apreendendo, não explicam primeiro”, aponta Charles.

Sem os pesqueiros tradicionais da Capital, os redeiros de Camburi estão sem opção de trabalho e os camaroeiros também, pois outros pontos importantes de pesca fora da cidade não estão tendo camarão. “Santa Cruz não tem nada, mais de mês sem camarão lá. Rio Doce tem muito pouco, não compensa. Meu barco ficou lá semana passada. É uma despesa enorme, foi R$ 4,9 mil de despesa e sabe quanto deu? R$ 2,6 mil. Olha o prejuízo! E o desgaste do barco, e a rede que rasga…”.

A falta de camarão deve ser por conta das mudanças bruscas do tempo, dos ventos e das marés, pondera o pescador. “O fundo do mar não assenta, fica muito mexido, então o camarão sai, não fica ali para se reproduzir, se alimentar. Ele gosta de ficar na lama quieta. Quando sai, a gente não sabe para onde ele vai. Tem que esperar voltar”, explica.

Na última sexta-feira (23), o Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes) divulgou uma campanha de arrecadação de doações para as famílias de pescadores que já estão passando mais necessidade devido à proibição de trabalhar. Charles conta que outras famílias se juntam a esse grupo mais vulnerável a cada dia.

“Quem tem uma reservazinha, segura as pontas por um tempo. Mas a reserva acaba e começa a ficar muito difícil. Muita gente está falando de fechar rua, queimar pneu. É o desespero, porque sem comida, trabalho, o humor da gente também muda. Pessoal de Barra do Riacho, Fundão, Nova Almeida …tudo está apoiando a nossa luta, até porque tem medo de daqui a pouco acontecer com eles também”.

Na tarde desta terça-feira, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Vitória, vereador Luiz Paulo Amorim (SDD), tem uma agenda às 15h com os pescadores. A expectativa é de que representantes de órgãos como Instituto Chico Mendes de Conservação (ICMBio) e Defensoria Pública também possam participar, para ajudar a encontrar uma solução.

Para colaborar

Quem puder colaborar com a campanha de doações dos pescadores pode enviar um Pix em nome de Flavio da Conceição Barbosa. A chave é o telefone 27998919765.

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