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Pescadores artesanais ecoam grito por justiça em audiência histórica da Câmara

Revogação imediata da Lei Municipal 9077, por inconstitucionalidade, foi um dos encaminhamentos

Divulgação/Karla Coser

Uma audiência pública histórica promovida pela Câmara de Vitória na noite dessa terça-feira (5) deu ampla voz ao grito por justiça que os pescadores artesanais levantam há seis anos, desde que a Lei Municipal nº 9077/2017 criminalizou sua profissão, atividade tradicional e elemento fundamental da identidade cultural capixaba.

Ao longo de pouco mais de duas horas, lideranças pesqueiras da cidade, pesquisadores, ambientalistas e representantes de órgãos públicos debateram com o objetivo de encontrar uma solução imediata para que os pescadores possam voltar a trabalhar e garantir o sustento de suas famílias, já que foram obrigados a parar há quase um mês, além de adequações à legislação que rege a proteção ambiental e a pesca artesanal na cidade, de forma a garantir a conservação da biodiversidade e a dignidade aos trabalhadores do mar da ilha de Vitória.

A audiência foi coordenada pelo presidente da Comissão de Meio Ambiente, Luiz Paulo Amorim (SDD), que foi acompanhado na mesa pelos vereadores André Brandino (PSC), Karla Coser (PT), Chico Hosken (Podemos) e André Moreira (Psol). Luiz Emanuel (Republicanos), que foi um dos que assinou o convite da audiência e é autor da lei que criminalizou a pesca, quando foi vereador na legislação anterior, enviou um representante de seu mandato para assistir ao debate.

Divulgação/Karla Coser

Presidente da Comissão de Cidadania e Advocacia Popular da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Gustavo Minervino afirmou, em sua fala, a inconstitucionalidade da Lei 9077/2017 e fez dois encaminhamentos. Primeiro, o estabelecimento de um prazo de 48 horas para a apresentação dos autos de infração e notificação que justifiquem a apreensão dos apetrechos de pesca realizada durante uma operação conjunta de fiscalização no dia 6 de junho, da qual participaram o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Prefeitura de Vitória, a Capitania dos Portos e as polícias Federal e Ambiental.

“Esses pescadores foram autuados e notificados, contudo, nenhum auto de infração e notificação foi entregue a eles. Vou pedir o básico: sejam cumpridos os princípios administrativos, que é da legalidade e da publicidade do auto. Caso isso não ocorra, que devolvam as redes e os materiais apreendidos”, posicionou. O outro encaminhamento foi pela urgência da tramitação do projeto de lei do vereador André Brandino, que estabelece a revogação da Lei 9077/2017.

O presidente da Advocacia Popular da OAB também fez dura crítica à ausência de representação da Prefeitura de Vitória na audiência. “É mais uma evidência da política de exclusão que vem impondo às pessoas mais humildes e em situação de vulnerabilidade social”. Nessa toada, fez um pedido ao vereador Duda Brasil (União), líder do Governo na Câmara: “Tenha a hombridade de solicitar ao líder máximo dessa cidade [Lorenzo Pazilini, do Republicanos] que ele encaminhe com a urgência um projeto pedindo a revogação dessa lei, porque essa lei nada mais é do que um abuso”.

Poliana Mariano, pesquisadora do Laboratório de Educação Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo (Labea-Ufes) e do projeto Redes de Cidadania, ressaltou o fato de que “a Grande Vitória é uma ilha que criminalizou a pesca” e criticou a proposta de Pazolini, de conceder um auxílio de R$ 112 mensais aos pescadores artesanais impedidos de trabalhar, via Cadastro Único (CadÚnico). “Eu gostaria de saber se o prefeito sobrevive com R$ 112” e concedeu o restante do seu tempo de fala à marisqueira Fernanda Eller.

‘Pescadores pedem socorro!’

“Eu falo como mulher, marisqueira, esposa de pescador, irmã de pescador, de um lugar tradicional da pesca”, anunciou Fernanda Eller. Sobre a criminalização dos trabalhadores, disse que tem “sentido isso na pele”, vendo “a perseguição contra os pescadores” e descreveu: “é pescador indo para o mar esperando o celular tocar para saber se o Ibama tá saindo. Assim acontece no tráfico: os meninos fazem lá as coisas deles e ficam com o radinho pra avisar”.

Divulgação/Karla Coser

“Pescador não é bandido. Só quer trabalhar para dignamente trazer o seu sustento para casa”, protestou, ressaltando também a invisibilização da luta: “É uma coisa tão fechada, que a gente deu várias entrevistas, mas as reportagens da Rede Tribuna, da Rede Gazeta, foram distorcidas, a prefeitura, não sei quem é, estão tentando esconder o que está acontecendo com os pescadores”.

Sobre a ausência dos pescadores na procissão marítima em homenagem a São Pedro, no último domingo (2), a marisqueira afirmou que “os pescadores não tinham motivo para comemorar, ficamos protestando pacificamente”. E apelou a gestores públicos e parlamentares: “governador, autoridades, se juntem, porque os pescadores pedem socorro, famílias estão passando necessidade. Criança pedindo um leite e não tem condições de comprar, R$ 112 não paga nem o café da manhã de uma família durante uma semana”.

Depois, um esportista náutico, o pescador Dida, de Santo Antônio, contou que os canoeiros de Camburi têm levado equipamentos para atacar as embarcações dos pescadores. “Canoeiro leva garateia para garatear a rede do pescador, que pesca escondido por causa de uma lei inconstitucional que foi feita pelo senhor Luiz Emanuel”, expôs. 
Mandato André Moreira

“A Prefeitura de Vitória tem dois covardes: Lorenzo Pazollini, que vai na emissora de televisão para dizer que tem diálogo aberto com os pescadores e nunca recebeu um pescador na prefeitura. E o outro é o secretario de Meio Ambiente [Tarcísio Foeguer], que persegue um pai de família, tira o alimento da mesa do pai de família, colocando as lanchas da Polícia Federal, da ambiental, da Prefeitura e da Marinha de guerra do Brasil, Marinha de guerra que protegia os pescadores e hoje vandaliza os pescadores como se fossem bandidos. Pescadores hoje têm que falar um paro outro: ‘olha ali vem uma lancha’, tem que pescar escondido!”.

O presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, o Lambisgoia, manifestou sua impressão de estar vivendo um momento único na cidade e pediu explicações objetivas sobre o pleito urgente. “É a primeira vez que acontece uma audiência pública onde o pescador pode ganhar voz. Aconteceu hoje. Acho que isso é histórico. Mas ao mesmo tempo, tem que explicar para eles uma solução. Pelo que eu estou entendendo, a gente não vai poder sair daqui e amanhã poder voltar a pescar. Então, olha para essas famílias com mais carinho, vamos respeitar a nossa cultura. Queria que vocês explicassem o que acontece de hoje em diante”.

Divulgação/Karla Coser

Pesca assistida

O analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Nilamon de Oliveira Leite Junior, secretário-executivo do Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca), explicou como funciona a “pesca assistida”, estratégia que foi proposta pelo colegiado antes ainda da lei municipal 9077/2017, com objetivo de adequar as portarias federais do Ibama que restringem a pesca artesanal na baía de Camburi, e que consta numa minuta de normativa legal que pode conciliar os usos do território de forma a garantir a conservação ambiental e o trabalho dos pescadores artesanais. A proposta, no entanto, nunca foi acolhida pela Prefeitura de Vitória, nem na gestão de Luciano Rezende (Cidadania), que sancionou a lei municipal, nem na atual, de Lorenzo Pazolini.

Sobre o cenário atual, o analista ambiental reafirmou ser esse o caminho, a discussão em torno da pesca assistida. “Tem que fazer essa discussão técnica para a adequação na lei”. A revogação da lei municipal, explicou, pode ser parte da solução do problema de criminalização dos pescadores, pois com ela revogada, a minuta do Compesca pode seguir seu curso e fazer a adequação da portaria federal. “Mas o contrário também pode ser feito, a municipal se adequar. Para isso que a gente precisa de um Grupo de Trabalho”, disse, propondo uma discussão detalhada das possibilidades.

Outra proposta foi pela análise da possibilidade de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que abra uma exceção para que os pescadores possam pescar enquanto a legislação não é alterada. “A gente quer preservar o meio ambiente e o pescador faz parte do meio ambiente. Vamos trabalhar para termos uma pescaria mais sustentável, dentro de áreas regulamentadas em que a pesca possa atuar”.

Divulgação/Karla Coser

Encaminhamentos

Autor do PL que revoga a lei municipal, André Brandino mencionou o vice-presidente da Associação de Pescadores da Ilha das Caieiras, Celso Luchini, que colaborou com a elaboração do texto e explicou que o PL tem um prazo legal para circular dentro da Câmara e que, assim que protocolado, é preciso que os pescadores façam “o papel de convencimento” junto aos vereadores. “O Projeto tem o parecer da procuradoria do Município sobre a inconstitucionalidade dessa lei, tem uma Adin [Ação Direta de Inconstitucionalidade] também, inclusive menção do ministro Alexandre de Moraes”, acrescentou. “A profissão é milenar e não pode ser cerceado de uma hora para outra o direito de trabalho”, concluiu.

Nas falas finais, a vereadora Karla Coser concordou com a percepção de Lambisgoia: “Essa audiência foi de fato histórica”. Sobre a revogação da legislação, disse que precisa haver o voto favorável de 10 dos 15 vereadores da Casa e que na audiência, seis se fizeram presentes, o que demonstra a disponibilidade de ouvir os pescadores.

A petista também anunciou o que decidiu encaminhar sobre a questão: uma indicação para a prefeitura criar uma Gerência da Pesca Artesanal dentro da Secretaria de Meio Ambiente; uma ação de formação por parte da Prefeitura sobre a “pesca correta” dentro da baía de Vitória, em “articulação com ambientalistas, Ufes e órgãos que estão estudando a questão”; garantir o funcionamento do Conselho Gestor da APA Baía das Tartarugas, e que o mesmo tenha representantes dos pescadores em sua composição; anistia das multas que foram emitidas contra os pescadores no dia 6 de junho, com devolução dos apetrechos apreendidos; criação de uma mesa de negociação entre a Prefeitura, a Câmara, o Ministério Público, as Defensorias Públicas Estadual e da União e parlamentares, como já se dispôs o deputado federal Helder Salomão (PT); e a modificação da Lei 9077/2017, com exclusão do artigo 1º inciso 5º, que modifica a Portaria 254 do Ibama.

O mestre de cerimônias enfatizou que, desde o dia 26 de junho, foram enviados convites ao secretário Tarcísio Foeger, ao superintendente do Ibama no Estado, Luciano Bazoni Jr; e ao secretário de Estado de Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União), porém, os mesmos não compareceram.

Um último apelo foi ainda manifestado pelo pescador Valquírio Sampaio Loureiro: “Pescadores, vamos fechar a Terceira Ponte! Eu estive aqui há três anos e foi a mesma coisa que aconteceu, enganaram os pescadores. Nós precisamos trabalhar! Nós temos que nos unir e protestar. Temos que ter uma resposta imediatamente, se não vão empurrar com a barriga! O prefeito não aceita conversar com os pescadores, só quer punir o pescador e chamar de ladrão”.

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