O secretário de Estado da Agricultura, Enio Bergoli, lançou, nessa segunda-feira (30), o Plano de Crédito Rural Para o Espírito Santo, Safra 2014/2015. O montante destinado a operações de crédito para financiar atividades até junho de 2015 é de R$ 2,7 bilhões e o governo comemorou o fato de o valor ser o maior da história. Em seu próprio discurso, o governador Renato Casagrande ressaltou que o Plano Safra fortalece um dos pilares econômicos do Estado, o agronegócio, “com a contribuição direta dos bancos estaduais, para efetivamente colaborar com a redução das desigualdades, gerando oportunidades, emprego e mais renda no campo”.
Entretanto, dos valor total anunciado, a menor parcela, de R$ 1 bilhão, será destinada para 44 mil operações da agricultura familiar. Já para a agricultura não-familiar, ou seja, o agronegócio, o governo estabeleceu como meta investir o restante, R$ 1,7 bilhão, em 26 mil operações. Considerando que o menor montante financeiro, destinado ao campesinato, será oferecido a maior parte dos 70 mil projetos que serão atendidos pelo Plano Safra Estadual, o agronegócio abocanha a maior fatia dos financiamentos, com o menor número de projetos.
Para a coordenação estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o lançamento desse novo plano traduz exatamente a política do governo do Estado voltada à agricultura familiar. Proporcionalmente, os estados do Espírito Santo e Santa Catarina são, em todo o Brasil, os que mais possuem propriedades destinadas a esse tipo de cultivo, sempre diversificado, com foco no meio ambiente e sem uso de agrotóxicos e outros venenos. Por isso, como enfatiza o MPA, em comparação às propriedades camponesas, existem poucas grandes propriedades do agronegócio em território capixaba, o que não justifica que o montante financeiro destinado a essa atividade seja maior.
Segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que levantou dados dos anos de 2006 e 2007 e foi divulgado em 2009, a agricultura camponesa emprega no Brasil 12,3 milhões de pessoas no campo, o equivalente a 74,4% de todos os empregos gerados na área rural, em oposição ao agronegócio, que emprega apenas 25,3% dos trabalhadores do campo, cerca de 4,2 milhões de pessoas. Além disso, 84,4% dos estabelecimentos da agricultura familiar ocupam apenas 24,3% do território campesino brasileiro, enquanto 15,6% dos estabelecimentos que representam o agronegócio utilizam 75,7% das áreas ocupadas no campo.
O agronegócio é um modelo que faz amplo uso de agrotóxicos, maquinário agrícola e monocultivos intensivos, visando apenas ao lucro e às exportações, o que transforma os investimentos públicos, que supostamente seriam para suprir o déficit alimentar da população, em capital privado. Se todas essas terras fossem destinadas à agricultura camponesa e familiar, como consideram os dirigentes do MPA, mais pessoas seriam empregadas e assentadas no campo.
Ainda de acordo com o MPA, o questionamento que precisa ser feito é se a verba do Plano Safra realmente chegará às famílias que solicitarão o financiamento, já que, para isso, é necessária a aprovação de projetos agropecuários, preparados pelos próprios agricultores e aprovados pelos bancos. Enquanto muitos camponeses não têm seus projetos aprovados e o montante destinado a eles não os atende, os empresários do agronegócio consomem toda a verba destinada e ainda pedem mais assistência.
Outro problema é o endividamento das famílias camponesas, uma situação classificada como crônica pela coordenação do MPA. De acordo com as lideranças, o próprio modelo de desenvolvimento agrícola dificulta o modelo de cultivo diversificado feito por muitas dessas famílias. Como descrevem, no Brasil o cultivo no campo tem seus incentivos canalizados cada vez para uma determinada variedade de produção, o que vai na contramão do que é feito nas pequenas propriedades.
As famílias camponesas, na tentativa de se adequarem a esse modelo, acabam prejudicando sua própria produção, caindo no endividamento. A solução das dívidas dos pequenos produtores, para o MPA, está na garantia da comercialização da produção camponesa e na atribuição de um preço justo aos produtos originários desse modo de cultivo. Como retratam as lideranças, os bancos e o governo afirmam que não investem na agricultura familiar porque os camponeses não têm condições de pagar seus empréstimos, mas também não se percebe a iniciativa no poder público de solucionar a questão do endividamento das famílias do campo.