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Projeto-base para Concessão do Parque Nacional do Caparaó contraria lei federal

O Fórum de Secretários Municipais de Desenvolvimento do Caparaó Capixaba apontou uma grave irregularidade presente no projeto-base para concessão de serviços turísticos do Parque Nacional (Parna) Caparaó e ameaça requerer a anulação do futuro edital de concessão, caso a ilegalidade não seja sanada.

O problema está na falta de atendimento à Lei Complementar nº 123/2006, que, aplicada ao caso, determina a obrigatoriedade de contratação de empresas locais pela concessionária vencedora.

O edital tem previsão de lançamento dentro de noventa dias, após um período de consulta pública para contribuições ao projeto-base, que deve ser publicado no portal Participa, do governo federal, nos próximos dias.

“A lei não indica, ela obriga”, informa Francimar Pinheiro, secretário de Planejamento de Dores do Rio Preto, município que abriga a portaria capixaba do Parna, localizada no distrito de Pedra Menina. O objetivo é fortalecer as micro e pequenas empresas da região.

Antes mesmo de registrar a proposta na consulta pública, por vir, o secretário fez questão de fazer o alerta pessoalmente, junto aos analistas ambientais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) diretamente envolvidos no processo de concessão. A ação se deu durante a reunião pública realizada do último dia 29 de junho, na sede administrativa do Parque, em Alto Caparaó/MG, com objetivo de apresentar o Relatório Final do Estudo de Viabilidade Econômica e Financeira, uma das etapas do processo de concessão.

Século Diário esteve presente na reunião, que lotou o auditório da unidade, com presença majoritária de empreendedores do turismo já instalados no Caparaó, tanto no Espírito Santo quanto em Minas Gerais, bem como operadores que atuam em outros Parques Nacionais já concessionados.

A reivindicação sobre a contratação de mão de obra local pela concessionária vencedora do edital chegou a ser feita por duas pessoas antes do secretário de Dores do Rio Preto conseguir tomar a palavra, mas ambas foram rechaçadas pelo time de analistas do ICMBio que realizaram as apresentações do dia: a atual chefe do Parna, Clarice Nascimento Lantelme Silva (recém-nomeada, no dia 24 de maio), a representante da coordenação regional do Instituto, Rossana Santana, e o coordenador de Concessão e Negócios, Fernando Ramos Mendes.

“A nossa Procuradoria [do ICMBio] não vê com bons olhos a gente exigir determinadas questões de contrato nesse sentido. Então a gente adotou uma outra postura: em vez de exigir, a gente criou as bonificações, em que, caso ele [o concessionário] adote uma medida que pra gente é interessante, porque a gente tem esse compromisso socioambiental, em desenvolver, gerar emprego e renda, enquanto Estado…  Então a gente está adotando a estratégica das bonificações, pra que essa obrigação seja uma obrigação em termos de bonificação”, explicou, didaticamente, o coordenador de Concessão e Negócios do ICMBio, em resposta à nossa pergunta sobre o assunto, a terceira tentativa de fazer a questão ser minimamente respondida pelos gestores presentes.

As bonificações, complementou Rossana, são reduções no valor da outorga que o concessionário deve devolver ao ICMBio e serão concedidas quando ele, “por livre e espontânea vontade, oferecer um benefício que tenha relação com o entorno, com o desenvolvimento socioambiental”, como contratar empresas e mão de obra local ou usar materiais sustentáveis nas construções.

Cartas marcadas?

Explicações finalmente feitas, o fato é que, somente sob a invocação da LC 123/06, feita pelo membro do Fórum de Secretários Municipais de Desenvolvimento do Caparaó, que se ouviu uma promessa de que haverá uma tentativa de contemplar a pauta no projeto-básico. “É, nós vamos pesquisar, vamos ver isso”, limitou-se a dizer a chefe Clarice, sendo acompanhada de monossilábicos e balançar de cabeça de seus colegas.

“Nós vamos fazer essa contribuição agora, quando for aberta a consulta pública, para que o edital contemple isso”, reafirmou Francimar. Caso contrário, “pode-se anular o edital”, alertou o secretário, que, durante o debate no auditório, também manifestou contrariedade por não ter sido convidado para a reunião, que soube por vias extraoficiais. Recebeu, então, um pedido de desculpas da anfitriã. “Foi falha nossa”, respondeu Clarice, sem qualificar a gravidade da falha, visto que, na verdade, o encontro consistia em uma reunião extraordinária do Conselho Consultivo do Parque, “com pauta única e aberta para os players locais, principalmente do mercado turístico”, onde também seria feita sua apresentação formal como nova gestora da unidade.

“Tem que ser atrativo”

Com crescimento de 20%/ano no número de visitações – chegou a 62.300 em 2017 – o Caparaó é um dos sete parques nacionais que estão sendo alvo de processos de concessão de serviços turísticos para a iniciativa privada.

A intenção do Instituto Chico Mendes de Conservação (ICMBio) é conceder, por 25 anos, uma área de 2,4 mil hectares – dentro dos 31,7 mil hectares da área total do Parque – para a prestação de alguns serviços de apoio à visitação, como bilheteria, estacionamento, hospedagem (camping e alojamento) e venda de alimentos, bebidas, souvenirs e produtos especializados. Transporte (jipeiros) e condução estão de fora.

Para viabilizar a concessão, o Instituto investiu na atualização do Plano de Manejo (em 2015), no Estudo de Viabilidade Econômica e Financeira (2016) e no Projeto Básico do futuro edital de concessão (2017). Foi definido o montante de R$ 7,7 milhões como investimento a ser feito pela empresa vencedora.

Um dos critérios para definição dos investimentos e da outorga mínima proposta no edital foi o número atual de visitantes e a estimativa de crescimento, que, no caso caparaoense, foi subestimado em 5% ao ano, bem menos do que a realidade já demonstrada, de 20%, apesar da ausência de investimentos por parte do gestor federal, e aprofundada nos últimos dois anos de Golpe Político – desde 2016, até mesmo a arrecadação de bilheteria deixou de ser feita, devido à falta de funcionário disponível para a atividade (o Parque perdeu oito terceirizados nesse período, contando atualmente com apenas 13).

A outorga também é bem “conservadora”, utilizando um termo de preferência dos analistas do ICMBio: o edital deve ser lançado com a outorga de apenas 2%, bem abaixo de parques mais visitados, como Fernando de Noronha, que tem outorga de 14,7%.

“Dois por cento é porque a gente vê que, para ter viabilidade, a gente não quer ter uma mordida grande no valor de outorga do concessionário porque a gente acha que o ganho que a gente vai ter com os investimentos, com os contratos que a gente vai deixar de ter, com vigilância e limpeza, esse recurso, que já é da unidade, vai poder ser usado melhor na conservação, naquelas atividades que agregam mais valor na área ambiental. Então é esse ganho indireto”, detalhou o coordenador de Concessão e Negócios.

Além disso, algumas demandas antigas tendem a ficar de fora do contrato, atendendo ao raciocínio imposto pelos analistas encarregados de conduzir o processo de concessão, de tornar o edital “mais atraente”.

Exemplo é a reforma de algumas estradas importantes. “É muito caro. Se na conta da concessionária cair a reforma da estrada, não ficaria atrativo”, argumenta Fernando Mendes, sugerindo que sejam buscados recursos de compensação ambiental ou outras fontes do ICMBio, ou ainda, “uma parceria entre as prefeituras do entorno”. Ignora grosseiramente, portanto, o analista de Brasília, que boa parte dos Municípios do entorno do Parque, ao menos no lado capixaba, ostentam alguns dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e renda per capita do estado.

Controle social urgente

Na justificativa para o programa de concessão de parques nacionais, o ICMBio alega que “os recursos públicos não conseguem suprir na sua totalidade as necessidades de manutenção e fortalecimento da gestão das Unidades de Conservação”. E que, “apesar do constante apoio recebido pelo ICMBio, por meio dos acordos de cooperação internacional, principalmente na forma de doação, ainda existem importantes lacunas financeiras a serem redimidas para assegurar a sustentabilidade econômica e operacional das unidades de conservação”. Mas, “por outro lado, identifica-se que algumas áreas oferecem grandes oportunidades de geração de benefícios econômicos e sociais que, quando bem exploradas, podem produzir resultados financeiros com consequências positivas para todo o sistema de unidades”.

Considerando, no entanto, que o recurso arrecadado com as outorgas – descontando-se as bonificações – “vai entrar pros cofres públicos e provavelmente não retornará pro ICMBio tão facilmente, tão diretamente assim”, como ressalvou Fernando Mendes, o cenário que se apresenta é dantesco.

Vê-se a entrega das UCs com maior potencial de geração de renda nas mãos de grandes empresas do mercado turístico, a partir de outorgas e estimativas de crescimento “conservadoras”, com o agravante de que, do lucro obtido com a exploração dos atrativos turísticos dos parques, apenas um pequeno percentual será devolvido aos cofres públicos, sendo, provavelmente, utilizados em situações bem diferentes da conservação ambiental e pesquisa científica ou quaisquer outras finalidades primordiais dos parques nacionais, segundo definição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc – Lei nº 9.985/2000).

“O concessionário estará trabalhando para o ICMBio”, acentua Clarice. “O controle social é sempre bem-vindo numa democracia, é saudável”, encoraja Rossana. Que venham, então, todos os conselheiros do Parna Caparaó e demais atores interessados na proteção da biodiversidade e na melhoria da qualidade de vida do entorno do Parna, para efetivamente encaminhar condições mais “atrativas” também para o outro lado do balcão.

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