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Projeto de Iriny Lopes tenta reverter ‘Lei da Destruição’, aprovada em 2023

Deputada visa revogar trechos da lei de licenciamento ambiental

A deputada estadual Iriny Lopes (PT) apresentou um Projeto de Lei Complementar (PLC 4/2025) que propõe a revogação de trechos da lei de licenciamento ambiental capixaba (Lei Complementar 1.073/202), apelidada por ambientalistas e servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) como “Lei da Destruição”. A parlamentar defende a necessidade de reforçar a segurança jurídica e a efetividade das políticas ambientais e mecanismos de fiscalização no Estado, enfraquecidos pela legislação, aprovada em regime de urgência em dezembro de 2023 e criticada por seu viés autoritário.

Na época da votação, a proposta teve oposição de 70 entidades da sociedade civil, movimentos sociais, lideranças políticas e organizações ambientalistas. Os deputados Camila Valadão (Psol), Iriny Lopes (PT), Fabrício Gandini (PSD) e João Coser (PT) votaram contra a nova legislação, enquanto Marcelo Santos (Podemos) se absteve, por ser o presidente da Assembleia Legislativa. No entanto, ele é um dos principais defensores da proposta e responsável pela articulação do projeto junto ao governo estadual e à classe empresarial. 

O projeto foi aprovado na semana seguinte à reunião do presidente da Casa com 30 representantes de entidades industriais e empresariais – incluindo a Federação das Indústrias (Findes) e a ONG ES em Ação –, além de cooperativas, que pediram a inclusão do projeto na pauta. De acordo com o relator, Mazinho dos Anjos (PSDB), o projeto de lei foi trabalhado nos últimos dois anos pelo deputado junto ao Governo do Estado. O quadro técnico e administrativo do Iema, entretanto, foi pego de surpresa.

A proposta de Iriny revoga os incisos XXIV e XXXI do artigo 2°, o inciso VII e os parágrafos 4º, 5º e 8º do artigo 4º, os artigos 7º, 8º e 13º, além dos capítulos XX e XXI da norma. Na justificativa, ela aponta “inconsistências jurídicas e técnicas” que comprometem a segurança jurídica e a efetividade da política ambiental estadual. Entre os pontos mais sensíveis está a tentativa de eliminar a definição de “Estudo de Conformidade Ambiental”, prevista no inciso XXIV do artigo 2º.

Para Iriny, a criação dessa nova modalidade, que não tem respaldo na literatura especializada nem na legislação ambiental vigente, compromete a eficácia da gestão ambiental ao substituir estudos consolidados, como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

Outra preocupação central da proposta é a revogação de trechos que tratam da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), mecanismo que permite a emissão de licenças sem análise técnica prévia. “O modelo proposto, ao impedir a interdição imediata da atividade em caso de irregularidades, favorece a continuidade de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente, fragilizando o controle ambiental e a prevenção de impactos”, argumenta a deputada.

Lucas S Costa/ Ales

Iriny também propõe suprimir o parágrafo 8º do artigo 4º, que transfere ao Conselho de Gestão Ambiental a definição dos enquadramentos das atividades potencialmente poluidoras, atribuição que atualmente é do Iema. “Essa mudança afasta a competência dos setores técnicos do Instituto, que são os mais qualificados para essa análise”, afirma.

Os artigos 7º e 8º, que permitem a delegação de atos típicos do poder de polícia ambiental a particulares, também são alvos do PLC 4/2025. Mesmo com a exigência de aprovação técnica por servidores efetivos, Iriny vê risco de duplicidade de análises e aumento da morosidade nos processos. 

A revogação do artigo 13, que trata de emissão das licenças e autorizações, foi defendida sob o argumento de que ele limita indevidamente a exigência de estudos específicos no licenciamento.

Por fim, a parlamentar busca revogar os capítulos XX e XXI, que criam o Conselho de Gestão Ambiental e o Conselho Técnico Superior de Licenciamento. Para ela, a existência desses novos órgãos, sem a participação garantida da sociedade civil e sobrepondo-se ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), compromete a transparência e a governança ambiental. “A criação de novos órgãos deliberativos, sem a devida participação da sociedade civil e em sobreposição ao Consema, compromete a transparência e a governança ambiental”, sustenta.

A matéria recebeu duas emendas que foram propostas pela Procuradoria-Geral da Assembleia Legislativa. A primeira retira a revogação dos capítulos XX e XXI, sob a alegação de que apenas o Poder Executivo tem competência para criar ou extinguir órgãos da administração pública. A segunda estabelece que as mudanças só entrem em vigor 45 dias após a publicação no Diário Oficial.

O PLC 4/2025 foi lido em plenário no dia 18 de março e segue para análise nas comissões de Justiça, Meio Ambiente e Finanças. Caso aprovado, entrará em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial, salvo se mantida a emenda que prevê prazo de 45 dias para início da vigência.

Lucas S.Costa/Ales

Omissão de Rigoni

O secretário de Estado de Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União), é um dos maiores defensores do novo licenciamento ambiental. Segundo o Sindicato dos Servidores e Trabalhadores Públicos Ativos e Aposentados do Estado do Espírito Santo (Sindipúblicos), ele marcou e desmarcou pelo menos duas reuniões com os servidores do Iema para tratar do tema.

“Ao invés de dialogar com os profissionais da área, para discutir a legislação proposta, o secretário, mais uma vez, preferiu escutar o empresariado, garantindo assim o lucro das empresas e ignorando totalmente quem de fato cuida, protege, fiscaliza e atua pelo meio ambiente no Espírito Santo: os servidores do Iema” protestou o Sindipúblicos. 

A revogação da Lei nº 1073/2023 e a destituição do ex-deputado Felipe Rigoni (União Brasil) do cargo de gestor da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama) foram os dois principais pontos do Manifesto dos Servidores do Iema, entregue em mãos ao governador Renato Casagrande (PSB) durante cerimônia de lançamento do Licenciamento Ordinário no Iema Digital

Empunhando cartazes, os servidores pontuaram esses e outros pontos de insatisfação em relação à gestão de Rigoni e seu novo licenciamento ambiental, em meio a uma plateia selecionada de autoridades do governo e de instituições como o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), ressaltando “total repúdio aos recentes atos dos poderes executivo e legislativo do Espírito Santo, que trazem impactos diretos na execução da política ambiental do Estado”.

‘Tira a participação social’

Em entrevista ao programa da TV Século, servidores do Iema e do Iphan já levantaram diversos pontos conflitantes do novo licenciamento com a legislação federal e estadual. Um deles é a ausência de obrigatoriedade de audiências públicas – o projeto cita apenas que “poderá” haver audiências. “A gente percebe que essa lei foi feita para tirar a participação social de tudo”, comentou a diretora do Sindicato dos Servidores e Trabalhadores do Estado (Sindipúblicos) e servidora do Iem, Silvia Sardenberg, na ocasião. Confira o debate na íntegra:

Movimento nacional

Ambientalistas e servidores capixabas da área ambiental têm alertado para um processo mais amplo de flexibilização das leis de proteção ambiental em curso no país, que ganhou ainda mais força com a aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei (PL) 2.159/2021. Conhecida entre ambientalistas como “PL da Devastação”, a proposta foi classificada como um grave retrocesso pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), por desmontar instrumentos de governança ambiental e abrir caminho para o afrouxamento das regras em nome da atração de investimentos. Entre os retrocessos apontados, estão o autolicenciamento ambiental para obras de médio porte, excluir a responsabilização por impactos indiretos, reduzir a participação social nos processos de licenciamento e transferir a estados e municípios a definição dos critérios de licenciamento.

MAB

O projeto aguarda análise na Câmara dos Deputados. Como exemplo da importância da atual legislação ambiental brasileira, frequentemente apontada como uma das mais avançadas do mundo, destaca-se sua consideração no julgamento internacional do crime ambiental causado pelo rompimento da barragem da Samarco/Vale/BHP, em Mariana (MG). Durante o processo em curso na corte inglesa, uma das audiências abordou justamente a responsabilidade mesmo indireta das empresas envolvidas no crime. A manutenção desse tipo de responsabilização, reconhecida internacionalmente, estaria ameaçada caso o PL 2.159/2021 seja sancionado como está, uma vez que o texto enfraquece justamente esse tipo de obrigação legal.

Em reação à aprovação do projeto, atos unificados contra o PL 2.159/2021 ocorreram em diversas capitais brasileiras, incluindo Vitória, no último dia 1º de junho e voltaram a ocupar as ruas nesta quarta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente. 

Mandato Camila Valadão

Nessa quinta-feira (5) em Brasília, mulheres atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP participaram da marcha contra o PL da Devastação e os efeitos devastadores na vida de comunidades tradicionais, periferias e diversos territórios pelo país, promovida por grandes empreendimentos como barragens, mineração, usinas e linhas de transmissão. O ato integrou a jornada de Lutas das Mulheres do MAB no Dia do Meio Ambiente, reuniu cerca de mil mulheres de 20 estados do país, que caminharam pela Esplanada dos Ministérios e também denunciaram o genocídio de Israel na Grito de Socorro por Gaza.

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