Terça, 23 Abril 2024

Quilombolas do Córrego do Felipe alcançam safra recorde de pimenta-rosa

mestre_pedro_aurora_reproducao Reprodução
Ronan Nogueira

Uma safra recorde de pimenta-rosa (aroeira) agraciou este ano a comunidade quilombola do Córrego do Felipe, uma das que compõem o Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, em Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado.

Foram 15 toneladas da especiaria, colhida artesanalmente pelas 40 famílias que vivem no local, em forma de mutirões, gerando uma renda que é a mais robusta do ano e garante apoio financeiro para os próximos onze meses.
"Já somos reconhecidos como referência em pimenta-rosa em Conceição da Barra. O Incaper [Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural] planeja trazer cursos e formações aqui pra gente", comemora Diogo Gomes, presidente da Associação Quilombola de Pequenos Produtores Agrícolas do Córrego do Felipe (AQPPACF).
Diogo Gomes

Nos mutirões, as famílias pagam aos vizinhos em média R$ 2 por quilo colhido, mas esse ano foi necessário chamar pessoas de fora para ajudar e não perder nenhuma semente. O volume colhido precisa ser vendido no mesmo dia.

O preço médio deste ano foi de R$ 8 a R$ 10 por quilo, mas Diogo ressalta que os atravessadores que compram a mercadoria conseguem vender o mesmo quilo por R$ 20 ou até R$ 30. Por isso, a busca da comunidade por melhorar sua infraestrutura e conseguir melhores rendimentos.
Diogo Gomes

"É um produto de alta qualidade, usado como alimento, medicamento e cosmético, e vendido até no exterior. Queremos extrair o óleo da aroeira, mas para isso precisamos de energia elétrica aqui na comunidade".

Diogo Gomes

A energia elétrica é uma necessidade que vai além da aroeira, sendo importante para garantir mais qualidade de vida para as famílias e para melhorar a estrutura de irrigação, fundamental para as demais culturas (a aroeira não precisa de irrigação) de subsistência, como mandioca, milho e hortaliças, e as criações de suínos e aves e as frutas, como coco, banana, maracujá e cacau. O excedente da produção desses itens, hoje consumidas nas residências e trocados entre os moradores, poderá ser destinado ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e outras formas de comercialização, ampliando a renda familiar.

A energia elétrica também vai incentivar a adoção da energia solar, pois o sistema de transmissão da concessionária EDP Escelsa sendo instalado na comunidade, o custo de implantação dos painéis é menor, sem necessidade de bateria, com o excedente de energia sendo comprado pela concessionária, num formato em funcionamento há alguns anos no país.

Pedro de Aurora

Diogo destaca ainda o desejo de estabelecer uma produção robusta de biju, produto derivado da mandioca, tradicional da cultura quilombola, e que a comunidade entende ser um grande potencial para venda em feiras locais e exportação.
Reprodução

Já há um local eleito para a construção de um galpão, com sala de processamento para a futura agroindústria, que funcionará ao lado da casa de farinha, da casa de oração e do centro cultural, onde as manifestações culturais tradicionais poderão ser fortalecidas, com destaque para o jongo, manifestação folclórica que imortalizou o fundador da comunidade, mestre Pedro de Aurora, reverenciado no documentário de Orlando Bomfim Netto.

No filme, o saudoso cineasta apresenta Pedro como "Tirador de Jongo raiz", e o mostra em cena entoando seu jongo "Pra ficar menos custoso".

"Nascido na vasta região do Angelim, Pedro e a comunidade da época mantinham as tradições e costumes com festejos de Jongo tendo a sua vida voltada a manter toda cultura africana herdada de seus antepassados através da música", relata a comunidade em documento enviado à Fundação Cultural Palmeiras, onde cita também, além do documentário de Orlando, escritos do notável folclorista Hermógenes Lima Fonseca em que Mestre Pedro é personagem.

O relatório foi protocolado na Fundação na última sexta-feira (16), com pedido de reconhecimento e certificação, etapa inicial para o processo de demarcação e titulação do território tradicional quilombola. No Sapê do Norte, 32 comunidades já estão certificadas e 16 estão com processo de demarcação aberto no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O documento descreve o conflito agrária na região como iniciado na década de 1960, com "a chegada das empresas de plantio e extração de eucalipto trazendo o desmatamento, desertificação dos rios e córregos, envenenamento do solo e compra fraudulenta de terras na região do Angelim. A comunidade foi forçada a abandonar suas terras e migrar para as periferias das grandes cidades".
Ronan Nogueira

A partir de 2004, descreve o relatório, as primeiras iniciativas de retomada das terras aconteceram no Sapê, embasadas no Decreto 4.887/2003, que reconhece os territórios quilombolas e estabelece os procedimentos de titulação das áreas aos descendentes.

No caso da retomada do Córrego do Felipe, o protagonista foi o neto de S. Pedro de Aurora, Benedito Santos Guimarães, o Neguinho, cumprindo o desejo de seu avô, que "sempre manteve o desejo de voltar às suas origens".

Plantios de água

Durante essa mais de uma década de retomada, a comunidade trabalhou intensamente na recuperação dos recursos hídricos exauridos pelo monocultivo de eucaliptos. O córrego do Felipe, destaca Diogo, chegou a secar, mas voltou a correr após os plantios feitos na cabeceira e hoje exibe uma vazão de 0,6m³/s.

"Nós que plantamos essa água, que foi seca pela empresa [Suzano - ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose]. E é muita água!", celebra. Além do córrego, as famílias também têm poço artesiano e estão buscando suas outorgas junto à Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh). O reconhecimento pela Fundação Palmares e a chegada de energia elétrica, afirma Diogo, vão gerar ainda mais qualidade de vida para os moradores e mais vida para o Sapê do Norte.

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